A infância de Ethan não era perfeita. Sempre com exigências altíssimas e submetido a treinamentos rigorosos, quase não restava tempo para ser uma criança de fato. Ele pagava um preço alto demais por ser quem era, por ser filhos dos seus pais e neto dos avós. Seu avô, Oliver Kato, um homem de renome no passado, se certificou que o menor teria nada menos que o sucesso em tudo que se propusesse a fazer. Não poupava esforços para aquele fim, indo até onde achasse necessário. E como havia recebido carta-branca da filha, tinha apenas um objetivo: formar o melhor Shinobi de todo o mundo; moldar o homem que carregaria o seu legado.

“Mais alto! Mais forte! Muito lento! Você é uma vergonha”, palavras como estas eram comuns nos treinos da dupla. Normalmente, não tinham um lugar definido para aprimorarem e afiarem as habilidades, mas estavam quase sempre no imenso jardim de casa. Por consequência, o lugar que o garoto mais odiava no mundo. Sempre que se sentia fraco e impotente começava a lembrar de como o gramado chacoalhava com o vento, do cheiro peculiar que sentia nos dias chuvosos e em como era horrível se mover com toda aquela neve nos pés. Assim Ethan passou toda a infância, naquele jardim, demarcando as estações pelas dificuldades que encontrava no treino, em uma busca desenfreada pela perfeição.

Tendo nascido e crescido na aldeia da folha, tinha certeza de que morreria ali. Apesar dos pesares, gostava do lugar. Adorava quando algum conhecido da família o cumprimentava na rua, achava agradável o cheiro das barraquinhas de rua que ficam no centro e gostava de saber que nunca precisaria se preocupar em ficar perdido. Naquele tempo, quando tudo era simples, a pequena parcela do mundo que conhecia e chamava de realidade bastava.

No auge dos seus 9 anos de idade, um pouco mais velho e mais sábio do que há um ano, suas prioridades eram tão claras quanto o lago mais límpido que nunca teve a chance de ver. Ele fazia questão de seguir a listinha à risca, tomando aqueles três objetivos como mandamentos da sua própria fé.

O primeiro item dizia respeito ao seu treinamento. De fato, odiava com todas as forças a rotina insana de treino; odiava sentir todas aquelas dores pelo corpo. Mas acima disso, nutria uma admiração quase doentia pela figura do avô, sendo esse o principal motivo por trás do seu empenho. Queria que o velho se sentisse orgulhoso e o elogiasse, valorizando todo o seu trabalho duro. Nunca conseguiu a proeza, mas não desanimou.

A sua segunda e mais importante das prioridades era a sua mãe. Ethan não recebia muita atenção por parte da mulher, então lutava com unhas e dentes por cada pingo atenção. Não importava muito os motivos, desde uma pequena notícia até um fato emocionante que acontecera consigo, ele não via a hora de correr para os seus braços com as boas novas. Ela, por sua vez, nunca dava a devida atenção. Ficava observando o horizonte com a mesma expressão abatida no rosto, e, se Ethan desse sorte, poderia ver um sorriso discreto em seus lábios. Embora não recebesse o carinho que tanto desejava, não ficava abatido ou pra baixo, sempre oferecia um largo e expressivo sorriso para ela. Apesar da pouca idade, sabia que a mãe não estava bem, via isso em seus olhos cabisbaixos. Mas, no fim, esperava dizer com aquele sorriso que tudo ficaria bem.

No restante do tempo, tentava fugir ao máximo das outras duas obrigações. Ser tão forte assim não era fácil, e, embora não demonstrasse, carregar todo aquele peso o deixava exausto, física e mentalmente. Surgia então o último item da sua lista: “Sempre que der, vou fugir dessa loucura. Ainda que seja só um pouquinho, vou ser outra pessoa: sem precisar carregar o peso do mundo todo nas costas”. Foi aí que o desejo mais egoísta que Ethan já tivera nasceu. Ele queria ser livre. Já não aguentava mais carregar o peso do seu nome, queria viver sem qualquer tipo de preocupação e da forma que bem entendesse. A única preocupação que aquela criança queria ter era a de sorrir.

Foi querendo seguir esse ideal que o jovem Ethan daria o maior susto que mãe e os avós já tiveram. A noite era festiva na casa dos Kato, todos bebiam, dançavam e riam. Convidados de outros cantos do mundo tinham percorrido longas distâncias só para estar ali. Até mesmo a mãe de Ethan, que não era de festas, aproveitava a celebração. Já as crianças, estas ficavam largadas de canto, em um espaço separado, enquanto eram vigiados por um dos empregados da casa. Mas Ethan não aceitou ficar ali, preso, enquanto todos se divertiam. Foi então que o menor usou tudo que aprendeu com avô para passar despercebido por todos.

No ímpeto da juventude, saiu saltando por todos os prédios e árvores que encontrou pelo caminho. O garoto nem ao menos sabia para aonde ia, apenas queria fugir para o mais longe que conseguisse. Enquanto saltava de galho em galho, sentia uma brisa fria tocando a sua pele. Aquele arrepio fez com que, instintivamente, Ethan olhasse para cima, admirando a forma da lua. Ela era grande, ele pequeno, pensava. Pela primeira vez, percebia que as coisas a sua volta eram tão minúsculas se comparadas com o sol ou a lua. Era quase como se fossem insignificantes, no final. Reparou também em como se sentia bem. Gostava de como a empreitada deixava o seu coração acelerado. A sensação de poder ser pego a qualquer momento era revigorante. No fim, entendia um pouco do que aquelas almas rebeldes sentiam ao confrontarem as regras, sem se importar com as consequências dos seus atos.

Quando toda a comoção gerada pelo sumiço do garoto havia acabado e ele tinha sido capturado por alguns Shinobis, nada mais voltou a ser como antigamente. Ele não conseguiria mais voltar a ser o mesmo após sentir o que era ser livre. Não conseguiria mais ser aquele mesmo garotinho que fazia de tudo para agradar a todos, implorando por aprovação. Acompanhando também a mudança de mentalidade, mudava o seu comportamento. Antes, dócil e esforçado; agora, rebelde e contestador. Como não via mais proposito em ser o Ninja e o Homem que o avô queria que fosse, aceitaria de bom grado a mediocridade, deixando de se esforçar nos treinos e na academia.

Mary, por outro lado, via a situação com outros olhos. Ela não culpava Ethan por nada, afinal, sendo filho de quem era, já esperava que aquilo fosse acontecer. Estava no seu sangue. O garoto, assim como o pai, precisava da sua liberdade assim como precisava de oxigênio para viver. E também sabia que não conseguiriam prendê-lo por muito tempo. No fim, achou engraçado a semelhança entre pai e filho, ao passo que temia pelo destino do filho.

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Recém formado na academia, embora tivesse ouvido mil e uma histórias sobre, Ethan não sabia o que esperar da sua vida a partir daquele momento singular. Fugir das suas responsabilidades não era mais uma opção, suas ações tinham consequências e teria de lidar com elas se pisasse na bola. Tirando todas as normas, códigos de conduta e deveres, o genin não sabia o que lhe aguardava. Talvez, saber tanto sobre alguns assuntos tivesse turvado a sua visão para outros aspectos, igualmente fundamentais, da nova realidade que estava inserido. Às vezes, se pegava fantasiando sobre aventuras incríveis, onde visitava lugares de tirar o fôlego, mas, no fim, sábia que aqueles pensamentos não passavam de ingenuidade na sua forma mais pura.

Quem deveria ser? Qual era o seu lugar nessa confusão toda que insistiam em chamar de vila? Mais importante, o que deveria fazer a seguir? Ficar paralisado de medo, temendo pelas merdas que podiam acontecer? Ou, quem sabe, devesse tentar encontrar forças para contornar todas as adversidades? Naquele momento, não havia respostas o suficiente para acalentar o coração do pobre Uzumaki. Tudo era incerto, e ele não podia fazer nada a respeito.

Por sorte, durante toda a sua curta vida, Ethan nunca esteve só, sempre teve com quem contar. Se estava chateado com o rumo das coisas na academia, de certo podia chorar no colo da mãe. Caso estivesse abatido, seja pelo motivo que fosse, bastava procurar as palavras aconchegantes da avó. Por último, tinha o seu avô, a quem procurava sempre que estava entediado. O velho, embora ranzinza, sempre deixava o neto o ajuda-lo nos seus projetos “especiais” (nome que dava as formas que encontrava para fugir dos males tediosos da aposentadoria). Além disso, o homem sempre tinha algo a dizer, ensinando para o garoto lições importantes acerca da vida, sobre confiança etc.

Mesmo cercado de pessoas que o amavam, ainda assim Ethan não se sentia confortável em compartilhar todas as suas inseguranças e medos. Todos tinham os seus problemas, ele sabia, e por isso não achava justo despejar tudo isso neles. Sua mãe, nos últimos tempos havia piorado, aparentando uma aparência cada vez mais apática e fúnebre. Os avós, por sua vez, passavam por uma má fase no casamento. Nem mesmo os quase 40 anos de casamento os impedia de continuar aprendendo coisas novas sobre o outro, o que, na maioria das vezes, gerava alguns atritos e divergências. Sendo assim, tudo que Ethan podia fazer para ajuda-los era guardas as suas lamurias para si. No geral, a situação não era nada fácil, mas mesmo assim o Uzumaki seguiu suportando tudo calado.

Foi nessa mesma época que ele começou a se interessar por novos tipos de atividades, como ler e caminhar pelo vilarejo. Como forma de aliviar o estresse, pensou que seria uma boa gastar a sua energia em algo produtivo. Os problemas de que tanto tentava escapar não desapareceram por completo com isso, muito pelo contrário, eles continuavam se alimentando da sua sanidade diariamente, mas ainda assim Ethan seguia otimista. A vida era feita de fases, que tinham início, meio e fim, era o que o Uzumaki pensava. Então, ele só precisava ser um pouco mais paciente, precisava dar um pouco mais de tempo ao tempo. De fato, não era um pedido fácil de se fazer a alguém que já estava exausto, mas, na falta de uma solução melhor, era o que restava.

Inevitavelmente, os dias passaram, um após o outro. Na época, uma nova estação dava o ar da graça, revelando o desabrochar das flores que há muito escondiam a sua beleza. E como de costume, Ethan não perderia a chance acompanhar aquelas mudanças com os próprios olhos. Quando não estava pelos jardins da sua casa, estava nos arredores, observando os pássaros e contemplando as centenas de formas de vida que jaziam ali. No restante do tempo, se concentrava exclusivamente na biblioteca construída anos antes pelo avô, e nos seus milhares de exemplares dispostos em prateleiras com vários metros de altura. Desse modo, a figura do genin seguia tentando ignorar todos os medos que nutria a respeito do seu futuro. Pelo menos durante os próximos meses, se pudesse, preferia viver a sua vida normalmente, sem preocupações ou coisas do tipo.

Mesmo tentando se agarrar a uma mentira com todas as forças, Ethan não seria capaz de imaginar o que estava prestes a acontecer. Ele não imaginaria que o seu mundo iria virar de ponta cabeça. Pouco tempo depois de se formar ninja, enquanto ainda lidava com as incertezas que o seu futuro reservava, Ethan viu a sua mãe ser tirado dos seus braços. No final, a luta que ela travava durante 10 longos anos finalmente chegava ao fim. Vendo que o seu garotinho tinha se tornado um homem e que já podia cuidar de si, sem qualquer remorso, ela desistiu. Desistia da vida miserável e infeliz que teve; desistia das memórias que a torturavam diariamente; simplesmente, desistia de tentar.

A morte de alguém próximo tinha a incrível capacidade de abalar até as famílias mais unidas. No caso dos Uzumaki não foi diferente. Cada um com a sua própria forma de se lamentar, com os próprios arrependimentos e com motivos para se culparem compartilhavam a mesma dor. Mesmo que não demonstrassem, sentiam. Mesmo que não falassem, se martirizavam. Mesmo que as lagrimas não escorressem pelas suas bochechas, ainda sentiam um vazio imensurável no peito.

Mais uma vez, tudo que Ethan podiam fazer era ter esperanças de que o tempo levaria todas as cicatrizes embora. No início, não foi fácil. Sem conseguirem olhar um nos olhos dos outros, eles compartilhavam uma melancolia que era banhada por um silêncio ensurdecedor. As refeições, que costumavam ser alegres e descontraídas, onde todos contavam como havia sido o seu dia, agora só servia para lembra-los que uma cadeira estava vazia. E pior do que perder uma mãe, com certeza, era perder um filho. Os avós de Ethan, nós primeiros meses, passaram pela pior fase das suas vidas, nada mais fazia sentido e se perguntavam porque não eles. A presença do neto não bastava para os dois, o legado de Mary servia apenas para lhes trazerem mais dor. Eles nunca admitiriam para si mesmos, mas achavam que seria mais fácil se Ethan nunca tivesse nascido. Desse modo, poderiam enterrar tudo que lembrasse a sua filha morta em um baú no sótão.

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