As costas do menino estava totalmente coberta pela bolsa tão grande que deixava a pergunta se o peso dela não era muito para o pequenino. Poucos metros a frente a mulher carregava duas bolsas iguais a da criança, com o olhar desfocado e cabeça baixa, a dupla caminhava em silêncio seguindo uma direção qualquer. O párvulo olhava de soslaio para o céu noturno e para frente, vendo as costas de sua mãe e o único pensamento em sua cabeça era a pergunta para onde poderão ir. Depois da invasão e despejo sofrido, a mulher o mandou pegar todas as suas coisas e as colocassem dentro da bolsa, era hora de seguir em frente. Sem saber o que se passava na cabeça da progenitora, o menino estava alheio ao conflito interno da mulher e o silêncio se instalou entre mãe e filho e parecia que não teria fim em um futuro tão breve. O que restava a Kōji era passar o tempo com o que estava ao seu alcance, tamborilando os dedos nas alças da mochila e cantarolando mentalmente. Não queria incomodar ou sobrecarregar sua mãe. Eles já haviam sido despejados e roubados antes, e ela sempre dera um jeito mas desta vez tudo parecia pior. Em poucos anos o menino nem mesmo se lembrava de quantas vezes tiveram que mudar, e também fugir, no meio da noite devido ao comportamento compulsivo  de Keyko. Ela não conseguia controlar seu vício em jogar, e mesmo quando ganhava a maré de sorte nunca perdurava pois sempre ia até o limite e perdia tudo. O menino aprendera a viver com o básico, e em muitas situações até mesmo com nem mesmo o mínimo, passando muito tempo sozinho enquanto sua mãe sumia por dias a fio, mas o amor que sentia por ela nunca diminuiu. Os olhos castanhos observavam as costas da mulher com claro orgulho, e desde de quando pode se lembrar, tentava encontrar maneiras de ajuda-la, porém, suas capacidades eram muito limitadas.

O terreno a frente estava se transformando, ficando cada vez pior e mais severo para continuar. A neve começou a cair, molhando os cabelos e roupas da dupla de mãe e filho, a brisa, antes leve, estava virando uma ventania gélida e mesmo encolhendo-se como podia e tentando proteger as extremidades do corpo, Kōji sentia o calor lhe deixar. Forçava o maxilar para que o queixo não tremer e chamar a atenção de sua mãe. A situação durou por algumas horas, com os passos da mulher parando de repente. — Me desculpe, Kōji. A voz embargada fez o coração do menino tremer, e soube que Keyko não se virou para falar com ele pois não teria força para segurar as lágrimas se seus olhos encontrassem ao do filho. — Eu não sei mais o que fazer. O som do suspiro com o do choro tomou o ambiente, com o menino voltando seu olhar para o céu escuro e sem estrelas deixando a neve atingir-lhe o rosto, sem esboçar qualquer defesa. — Não precisa se preocupar, mãe. Nós sempre damos um jeito, ficaremos bem. O párvulo tentou confortar a mãe, porém a mulher não se virou, tentando controlar as lágrimas e reorganizar seu rosto antes de encarar seu filho. Eles ficaram ali, sem mudarem a posição e em completo silêncio por um tempo. — Tem um lugar... Keyko interrompeu sua frase, parecendo estar lutando com o próximo passo que terão que dar. — Não queria ter que voltar. Murmurou, era como se tivesse tentando se convencer de que não existia outra maneira, teria que engolir seu orgulho e voltar ao início.

Mãe e filho chegaram em um pequeno povoado e se abrigaram sob a marquise de um estabelecimento, protegido da neve que caía, os dois sentaram-se lado a lado com as bolsas colocadas no chão. O menino se espreguiçava, tentando relaxar o corpo depois de ter que carregar tanto peso por um terreno irregular e gélido. — Para onde vamos voltar, mãe? Kōji pensou e pensou, tentando encontrar em suas lembranças qual lugar poderiam voltar a morar. Sempre tiveram que fugir ou foram despejados, nenhum deles os receberia de braços abertos e isso o deixou muito confuso. Keyko encarava o vazio, deixando o filho no vácuo. — Para casa... A voz quase inaudível chamou a atenção do menino, se aproximando para entender melhor. — Para o lugar onde eu nasci. Essas palavras o deixaram ainda mais curioso, sua mãe nunca falara sobre onde nasceu e cresceu, sempre desconversando quando o assunto os levava para esse lugar. O párvulo se aproximou ainda mais, encostando seu corpo no da matriarca, sentiu o pouco calor dela e a encarou, esperando o restante da história. — Eu nasci em um vilarejo ninja, frequentei a academia me formando com louvor. Lembro que eles disseram sobre um grande potencial e assim fui realizando missões atrás de missões até alcançar a graduação de tokubetsu. As palavras a fizeram viajar ao passado, o tom de voz mudou de resistência para uma sensação nostálgica. — Eu gostava muito do lugar, mas um dia meu pai retornou de uma missão totalmente transtornado, suas palavras eram desconexas e eu não conseguia entendê-lo, e minha minha estava furiosa. Arrumamos muitas coisas, e no final levamos conosco apenas quatro malas. O menino conseguia captar a tristeza de sua mãe e, de alguma forma, senti-lo. — Fomos embora na mesma noite. Estranhamente passamos pelo portão sem nenhuma resistência... Confusão e medo tomou os olhos de Keyko. — Isso foi muito estranho, mas eu era apenas uma garota e fui levado embora de casa. Querendo saber mais, tentou encorajar sua mãe a continuar, mas ela silenciou e não disse nada mais. Os dois ficaram ali parados, com Kōji descobrindo um pouco sobre suas raízes, porém isso apenas o deixou mais e mais curioso sobre a família materna. Quem eram? O que aconteceu com eles? Por quê minha mãe é como é? Qual vila é esse? Posso ir até a academia?

Esticou seu corpo e abraçou a mulher, criando uma cena engraçada com o pequenino corpo tentando cobrir sua mãe. Ele sabia agora para onde estavam indo e que teria que ajudar sua mãe a lidar com lembranças dolorosas enquanto tentava descobrir mais sobre sua origem. E outra pergunta, uma que sempre esteve com ele, ressurgiu forte em sua mente: Quem era seu pai?

HP: 375/375 | CH: 575/575 | ST: O/O5