Não era exagero dizer que a nova patente de Shinobu Kochou exigia mudanças drásticas em seu modo de ser e estar no mundo ninja. Não havia mais espaço para crises emocionais, desesperos e inseguridade. Independente de como for, a jovem teria que dar um jeito em corrigir características tão marcantes em sua personalidade para se adequar a nova função. Erros não eram mais permitidos, pois poderiam custar a vida de seus companheiros e, até mesmo, a própria vida. As missões tornar-se-iam mais complicadas e arriscadas. Em suma, deveria estar sempre preparada. Foram esses os conselhos de seu antigo sensei, Gilbert. Palavras essas que foram utilizadas para acalmar os pais e demonstrar que tinha condições de seguir adiante.


A tarde de primavera era acompanhada de um clima fechado e fresco, provavelmente devido a mudança recente de estação. As nuvens estavam carregadas, negras como a noite, mas não davam indícios de que iria chover. De tempos em tempos, ouvia-se um ou outro trovão. No entanto, não choveria e o tempo seco permaneceria assombrando Iwagakure no Sato.  Shinobu caminhava serenamente por uma estreita estrada de pedras em direção ao campo de treinamentos. Vestida com um cropped azul-marinho; uma confortável bermuda preta; sandálias ninja de cano alto, também, preta; e, faixas nas mãos que se estendiam até os cotovelos.

Em seus treinamentos mais recentes, a chūnin aprendeu a controlar melhor suas técnicas do estilo relâmpago e a criar manipulações gerais. Todavia, via-se diante da necessidade de aprimorar e refinar ainda mais suas habilidades. Então, chegando ao seu destino, posicionou-se no centro e preparou um selo de mão característico para canalização de chakra. A intenção da kunoichi era controlar as descargas elétricas ao redor de seu corpo e mantê-las assim por um determinado período. “Preciso criar laços mais afetivos com os raios e tornar a capacidade de invoca-los em um ato tão intrínseco quanto respirar”, refletiu. Assim, o processo foi interrompido e iniciado uma série de vezes ao longo da tarde, até Shinobu notar o som do relâmpago baterem no mesmo ritmo que seu coração. Satisfeita com o progresso, finalizou o treinamento e retornou para casa.


Demorou alguns dias para que a jovem pudesse voltar ao treinamento, principalmente devido as ocupações de sua nova função. Entretanto, assim que conseguiu um tempo livre, vestiu-se com os corriqueiros trajes de treinamento e seguir até o mesmo local, adotando o mesmo posicionamento e iniciando a prática com uma recapitulação do que havia realizado na última vez. Quando se acostumou à transformação elemental, seguiu para uma nova etapa.

Apoiada sobre uma pedra, havia uma sacola de papel pardo repleta de peças de shōgi de madeira, quantidade suficiente para completar dois tabuleiros. Dessa forma, espalhou-as por todo o campo de treinamento em distâncias e alturas distintas. O objetivo daquele exercício era simples: usar o mínimo de técnicas raiton possível para destruir todas aquelas peças. Era um tipo de tarefa que ela já havia realizado previamente; contudo, dessa vez aumentou a dificuldade ao diminuir o tamanho dos alvos.  

Voltando ao centro, lentamente girou o corpo 360° repetidas vezes na intenção de memorizar o posicionamento das peças, ao mesmo tempo que respirava controladamente para melhorar suas capacidades de concentração. “São muitos..., dificilmente conseguirei atingi-los apenas com uma técnica. Talvez um jutsu em larga escala dê conta, mas não é essa a intenção. Pequenos e delicados, o Chidori Senbon seria perfeito..., só preciso dosar a quantidade de chakra utilizado para aumentar o número de agulhas”, analisou.

Após uma sequência de selos de mão, Shinobu criou um aglomerado de agulhas de raio, finas e afiadas, e disparou-as em direção aos alvos (Chidori Senbon). Uma a um, dezenas de alvos foram atingidos e destruídos. Casada devido ao esforço, Shinobu caiu com os joelhos no chão. Um olhar atento aos arredores foi o suficiente para notar que restavam algumas peças intactas, não muitas. Resgatando o restante de sua energia, sem a necessidade de selos, criou uma quantidade específica de pequenas bolas de raio (Manipulação Elemental) a partir de suas mãos e as utilizou para atacar os alvos restantes. “Ainda há espaço para melhorar..., mas, por hoje, estou satisfeita”. Após recolher as sujeiras e seus pertences, direcionou-se para o centro da vila em busca de algo para comer.


As semanas seguintes, como de praxe, foram cheias e Shinobu pouco teve tempo para treinar. Dessa forma, resolveu aproveitar as situações de combate que periodicamente surgiam em suas missões para colocar em prática tudo o que havia aprendido. Inclusive, foi durante uma dessas missões, sob a orientação de um jōnin, que a kunoichi começou as tentativas de utilizar suas técnicas sem recorrer aos selos de mãos para auxiliá-la na canalização do chakra. Sem dúvidas, as primeiras tentativas foram todas falhas. Por sorte, havia alguém extremamente capacitado a acompanhando para corrigir os erros e evitar que o trabalho fosse prejudicado. Ademais, ciente das intenções da jovem, o superior deduziu que a dificuldade era por não ter os selos como ponto focal de canalização de chakra. Assim, sugeriu para que ela escolhesse um caminho específico para o fluxo de chakra e utilizasse-o durante todas suas tentativas.

Essas palavras foram essenciais para que Shinobu superasse as dificuldades, após muitos dias de constantes falhas. Então, assim que compreendeu os princípios da criação (ou invocação) de suas técnicas, não teve dificuldades em utilizá-las de formas distintas: com selos de mão, com um único selo ou sem nenhum.


— Vejo que você está animada com esta nova etapa de sua vida, Shinobu. — Disse Gilbert quando ela chegou ao local combinado para se encontrarem. Era uma pacata churrascaria localizada no centro de Iwa e que costumava ser o principal ponto onde o sensei levava seus alunos para comemorar alguma conquista. — A propósito, eu não te parabenizei ainda por ter ascendido ao ranking de chūnin. Então, como forma de me desculpar, ficarei responsável por pagar a conta do restaurante hoje. Apesar de que... — Ele fez uma breve pausa. — Você tem recebido melhor pelas missões. — Riu.

— Não tanto quanto você. — Respondeu, mantendo o tom de brincadeira. — Inclusive, você me deve mais do que um almoço. Ter colocado meu nome no evento sem me consultar poderia ter acabado com minha carreira, como eu iria reagir se tivesse sido um fracasso? — Desta vez estava séria.

— Você estava pronta.

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