Sentado em um canto escuro, chorando, recluso na escuridão de seus aposentos, o garoto se preparava para cumprir sua penitência auto-imposta após falhar em uma missão, o que ele chamaria de caminhada da vergonha. Desnudo, ele vestiu um calção puído, de cor bege, sua roupa mais velha e surrada. Naquele dia, o sol não se fazia presente em Kiri, e as nuvens carregadas de chuva que não cessava em cair produziam um cenário perfeito para a dramatização que viria a seguir. Ao meio dia, quando os comércios e ambulantes estariam movimentando as ruas do centro do vilarejo, ele saiu de casa, amarrando em seus pés duas das maiores pedras que ele pôde encontrar num rio nas proximidades do vilarejo, horas antes, assim como em seus pulsos, e com tinta vermelha ele escreveu o kanji que significava "vergonha" em seu peito, a vista de todos, além de um sino preso ao seu pescoço. Assim, ele acreditava que iria demonstrar seu arrependimento por falhar em recuperar o gato de uma nobre senhora da vila, em missão. As correntes, que ele tirou do porão de sua casa, estava há muito guardadas, e rangiam ao que se movimentava arrastando os pedregulhos atrás de si. A cada pessoa que o avistava, um novo olhar de estranheza e espanto se lançava sobre ele, que, mesmo caminhando há poucos minutos, já sentia a dor tomar a musculatura posterior de seu corpo, que se esforçava para arrastar consigo as pesadas rochas presas em seus membros.
Passando pela área residencial, o gennin envergonhado andarilhava, encontrando ainda poucas testemunhas de seu arrependimento, mas ele acreditava que era necessário atravessar todas as ruas que pudesse, para recuperar sua dignidade através do castigo. A cada passo, seu corpo doía mais pelo esforço de seguir contra a ventania e a chuva fria, que caía fraca. Aquela penitência serviria, no entanto, para que ele pudesse se tornar mais resistente, motivo que o levou a falha ao perder de vista o sequestrador em sua missão, tamanho era o seu cansaço. Em seu corpo, a tinta vermelha com que havia marcado a própria pele começava a escorrer, fazendo sua aparência se tornar mais espantosa, mas era necessário.
Andarilhando por cerca de duas horas, ele ainda não havia passado pelo centro comercial, onde uma feira de rua acontecia. A chuva afastava as pessoas das ruas, e, enclausurados em suas casas, muitos não seriam testemunhas da caminhada da vergonha, mas ele precisava demonstrar como estava arrependido por sua falha. Sua moral dependia disso. Ele, portanto, se dirigiu ao mercado de rua, onde sabia que mesmo com a garoa fria haveria quem pudesse vê-lo em seu sofrimento.
—— Ó POVO DE KIRIGAKURE, eu falhei, eu falhei com todos aqui presentes! —— Disse, em tom alto o suficiente para se fazer em meio às conversas de comerciantes. —— Peço que testemunhem esta caminhada da vergonha, na intenção de ser perdoado e me redimir da minha incompetência diante de nosso vilarejo! —— Aquela altura, a tinta escorria cada vez mais, e com a chuva que apertava, ele começava também a chorar em sua dramatização. Com o vento que compunha o temporal, o sinete em seu pescoço ressoava, chamando ainda mais atenção para a cena. "Ele surtou?", "meu Deus...", "que porra é essa?" eram os comentários audíveis dos que passavam por ali.
—— FUGAKU? —— Uma voz mais alta do que as demais se fez notar entre a pequena multidão. O chunnin que dera aula na academia do vilarejo no período em que o penitente fez passagem por lá, de nome Mahiro, estava fazendo a compra das proteínas da semana quando avistou o ex-aluno. —— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO ? —— Perguntava incrédulo.
—— Mestre, eu falhei. Não fui capaz de cumprir a missão para a qual fui encaminhado. Por isso, agora estou demonstrando todo o meu arrependimento nessa caminhada, aos olhos de todos. —— Consumido pelo cansaço, o gennin caiu de joelhos enquanto chorava copiosamente enquanto seu nariz escorria um líquido espesso junto de lágrimas que escapavam do canal lacrimal através da anatomia de sua face.
—— Por Deus, moleque. Está falando do sequestro do gato? Ele foi resgatado depois, apesar da sua falha, é claro. —— Dizia Mahiro, sem nem mesmo ter certeza do que falava, na tentativa de diminuir o peso do fracasso do outro. —— Por favor, levante-se. Você precisa de um banho, e... —— Fez uma pausa, vendo o muco que escorria do nariz de Fugaku —— De um lenço também. Vamos. —— Com agilidade, ele libertou o garoto das correntes, e insistiu para que ele o acompanhasse até a sua casa, que ficava num pequeno prédio residencial de três andares, poucas ruas dali.


Após um banho quente e novamente vestido, Fugaku descansava no sofá, enquanto aquele que fora seu professor se aproximava, colocando um termômetro na boca do mais jovem e entregando a ele uma caneca com uma bebida quente.
—— O que você esperava demonstrar com aquilo? Você chocou as pessoas.
—— Eu esp...
—— Não fale com o termômetro na boca, garoto. —— Interrompeu —— Você precisa dar o peso correto as coisas a partir de agora, não espero vê-lo mais arrastando pedras pela vila. Se tivesse que receber qualquer penitência, você já teria recebido.
—— Eu esperava demonstrar que levo meu compromisso com o vilarejo a sério, e que me arrependo de ter sido incapaz de concluir uma missão tão simples. —— Respondeu, agora sem o objeto na boca. Ele estava com febre.
—— Que seja, mas se quer demonstrar algo, é melhor esperar até se recuperar. Você está com febre, deve estar resfriado depois de andar na chuva e no frio, por todas aquelas horas. Agora, beba o chá. Quando estiver menos febril, você poderá voltar para casa. —— Dando as costas, Mahiro pegou um pequeno livro de uma prateleira suspensa em uma das paredes da sala, entregando-o ao jovem —— Se você fosse mais resistente, não teria falhado em missão, isso está claro. Mas, se tivesse uma gama mais ampla de técnicas, teria sido capaz de recuperar o animal sequestrado antes de se cansar. —— dizia o chunnin —— Você tem afinidade por combate corporal, eu bem me lembro. Mas também tem a natureza do relâmpago dentro si. Espero que você aprenda a lição e não repita mais o absurdo da [i[caminhada da vergonha[/i], ou seja lá como você chamou aquela bizarrice. —— Este livro vai te ajudar a praticar os selos de mão e a canalizar sua energia para produzir novas técnicas, e será muito útil para o seu futuro. Tome. —— Encerrou, entregando o pequeno livro para Fugaku.
Durante aquele dia, até o horário de ir dormir e nos dias seguintes até se recuperar do resfriado, o garoto passou praticando frente a um espelho os selos de mão, movimentando atentamente cada um de seus dedos afim de reproduzir com perfeição as imagens gravadas no pequeno manual. No entanto, apesar de ter sido capaz de entender e produzir perfeitamente cada um dos selos, ele o fazia lentamente. Contudo, ele estava determinado a se engajar em outras missões e colocando em prática este novo aprendizado, sem falhar.

Considerações: