A primavera chegava em Kirigakure no Sato, a neve de outrora já se transformava em diversas poças frias de água. Pelas ruas da vila, o frio continuava, mas no momento era mais agradável que antes, os moradores da vila já estavam acostumados com esse tipo de clima, a garoa que também caía naquele dia não impressionava nenhuma das pessoas que ali residiam. A bruma translúcida tomava toda a geografia do local, uma imagem que realmente agradava Ichiro, o garoto gostava muito do visual até um pouco melancólico de Kiri, o som da garoa que atingia o solo soava como música aos ouvidos do rapaz… mais do que música na verdade, era quase como que um calmante que a natureza proporcionava para o genin que recentemente passava por diversas tribulações.

Ichiro se encontrava do lado de fora de sua residência, seu haori acompanhava suas vestes como de costume, porém, um chapéu de palha dessa vez também fazia parte de seu vestuário. O chapéu servia para evitar que a garoa o molhasse, já que estava no quintal rezando para as almas de seus pais no pequeno memorial que Kenzo havia construído para ele. Desde o dia em que o pai adotivo do genin resolvera construir essa singela homenagem para seu filho, não houve um em que o garoto não prestasse suas orações.

Enquanto o Uchiha se mantinha de pé em frente ao memorial rezando, Kenzo saía de casa com também um chapéu de palha sobre a cabeça e um manto azul que servia como um kimono que ele mesmo havia confeccionado. Observava o momento de introspecção do mancebo, e assim seguia seus passos em silêncio, tentando desenrolar as cordas e retirar a capa que cobria sua jangada com o mínimo de ruído possível. Quando Ichiro terminava sua prece, levava os olhos ao pai preparando seu instrumento de trabalho.

Precisa de ajuda para carregar o barco até o litoral? Hoje eu estou com o dia livre, posso ir com você se quiser. - O garoto dizia com um tom calmo, esperando que o pai aceitasse a oferta, além de não gostar muito de ficar sozinho, o jovem gostaria de passar um tempo com Kenzo.

Olha só… parece que milagres acontecem, está com saudade de ser criança? Faz tanto tempo que você não vai pescar comigo- O homem era irônico mas aceitava prontamente a oferta do filho, Kenzo sentia falta da companhia do garoto em suas jornadas mar a dentro.

Vai ser ótimo não ter que arrastar o barco hoje.- O homem sorria calorosamente, enquanto apoiava a parte dianteira da embarcação no seu ombro.

Acompanhei tanto você antigamente que hoje em dia não consigo nem sentir o cheiro de peixe sem ficar enjoado. Mas às vezes é bom oferecer ajuda ao pessoal da terceira idade- Ichiro também ria, e apoiava a parte de trás do barco em seu ombro assim como Kenzo, a jangada ficava um pouco inclinada devido a diferença de altura entre os homens.

Não vá se esforçar muito, não tem tanto tempo que seu ombro se recuperou.

Não se preocupe comigo, quanto mais tempo eu passo longe do mar, pior eu fico, não vai ser uma dorzinha nos músculos que vai me afastar da pesca. - Toda vez que Kenzo se referia a pesca ou ao oceano, seus olhos brilhavam como o de uma criança encarando uma vitrine de doces. Quando o Uchiha terminava de apoiar o barco em seu ombro, os dois rapazes seguiam seu caminho até um píer de Kirigakure.

Ufa… chegamos, trouxe um cigarro com você?- Dizia Kenzo meio ofegante depois de repousar a jangada na superfície da água.

Eu sempre trago… desde que eu comecei a ganhar um troco por causa das missões você nunca mais comprou um maço né? Toma, fica com esse, eu tenho outro em casa.- O garoto provocava seu pai enquanto retirava um cigarro e levava aos lábios, arremessando o restante do maço para Kenzo que agarrava com uma mão de forma firme.

Pai e filho então dividiam um isqueiro para acender o tabaco e logo em seguida embarcavam na velha jangada do pescador. Remavam até chegarem em um ponto mais calmo do mar, onde as ondas não pudessem atrapalhar.

Aqui, pegue. Pode ficar com a vara boa, assim não tem desculpa para não fisgar algum peixinho ai, faz tanto tempo que você não pesca que até um girino eu vou deixar passar. - Kenzo dizia debochando amigavelmente do garoto enquanto entregava sua vara favorita para seu filho, já com uma isca no anzol. Empunhava uma vara simples de bambu para iniciar sua pescaria.

Não existe habilidade em pescar, sempre vai ser sentar e esperar que algum peixe abocanhe a minhoca, sorte sua e azar do animal. Em outras palavras, pesca sempre vai ser apenas pesca. - O garoto também ironizava enquanto arremessava sua linha ao mar.

Sabe Ichiro, eu estaria mentindo se eu falasse que a tua opinião não possui embasamento, mas eu amo pescar, e para as coisas que amamos devemos nos doar. Todos os dias eu pego meu barco, separo minhas iscas e me dirijo até esse local, já perdi a conta de quantos anos repetindo essa rotina, e mesmo assim ainda me sinto ansioso para fazer tudo isso que faço.

Ichiro começava a prestar atenção nas palavras de seu pai.

Quando você se propõe a fazer algo, tem que encarar de frente as adversidades que passa, afinal nos dias que a chuva aperta eu ainda estou aqui. Quando se entende o que engloba suas ações, fica mais fácil de compreender, com os peixes que pego aqui eu consigo dinheiro para pagar as contas, consigo me alimentar, e foi assim que consegui cuidar de você até hoje. Entenda o que ser um ninja pode significar para você… dessa forma, pescar nunca vai ser apenas pescar, assim como nada que for fazer por outra pessoa, vai ser só alguma coisa. - O homem mantinha um tom calmo, o que impressionava Ichiro, o garoto não estava acostumado a ouvir palavras tão gentis.

O menino ficava em silêncio e absorvia o conselho de seu pai, porém era surpreendido por sua vara envergando ao ser fisgada por um peixe.

Olha só, eu falei que essa era a vara boa. - Kenzo ria ao ver seu filho retirando o peixe do anzol e repousando em um compartimento onde o animal seria conservado até que ambos voltassem para a vila para vender os peixes que pegariam.

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