O tempo corria como grãos de areia no deserto, corriqueiramente se espalhando e moldando o destino dos indivíduos fadados à prisão nesse mundo corrompido. Encontrava-me sentado com uma mão sobre o joelho, acima de um dos grandes paredões que protegiam a grande vila da areia; havia sido recém promovido para minha nova patente, a de Chunin, e com ela novas responsabilidades me aguardavam.

Não podia negar minha alegria em ter sido reconhecido, afinal um dos meus objetivos era ascender ao topo da "cadeia alimentar" de Sunagakure. Era apenas mais um passo em direção ao meu objetivo, mas ainda assim uma evolução. No entanto, algo em meu peito me trazia a estranha sensação de insatisfação, uma insegurança que amargurava do peito até a garganta, e me deixava um gosto amargo na boca.

Recordava-me da minha última missão enquanto observava o movimento das dunas de areia no deserto, ali daquela grande altura era perceptível seu movimento como lençóis freáticos, como um grande mar de areia. "Tokio Kurahara" Aquele nome martelava em minha consciência. Era um ninja habilidoso, ainda assim havia se renegado e se tornado um inimigo de Sunagakure. "Por quê?" Alguém com tamanhas habilidades poderia facilmente ter se tornado alguém promissor, como Goro havia dito.

Eram muitas dúvidas sem resposta, e ainda assim, a pior delas era "Talvez se eu fosse um pouco mais inteligente, teria lidado com a situação de uma forma melhor, e ninguém teria se ferido..." Havia um péssimo hábito em mim, que me puxava a querer um perfeccionismo sempre, talvez isso que me fizera chegar até então, mas ainda assim me atrapalhava em momentos como esse. Querer perfeição em tudo pode te fazer agir sempre da melhor forma possível em sua mente, mas sempre haverá o questionamento se não há maneira melhor, e isso te paralisa.

—— Pff.. Não adianta pensar nisso agora. —— Suspirei e dei o assunto por encerrado, por ora. No momento em que calei os lábios, uma sombra cintilante surgiu ao meu lado, um ninja utilizando do Shunshin no Jutsu. "Jugram-san? Era um Chunin como eu, que entrou um pouco antes no cargo, então tecnicamente era meu superior, mas pela diferença mínima de idade e experiência, nos tratávamos como iguais. —— Hm? Ah, é você, Kinji. O que foi? —— Me levantei do solo arenoso em um único movimento, tapeando as roupas para remover os grãos de areia e mantê-las limpas.

"Goro está te chamando, disse que é urgente" Goro era o homem responsável por nos delegar as missões, ele havia me incumbido de caçar e Tokio Kurahara e investigar a organização Hagetaka em minha última missão, então seu nome automaticamente me remetia àquilo. —— Certo, vamos. —— Com um aceno de concordância, ambos desaparecemos em uma sombra cintilante.

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Surgimos no quartel general, a porta estava aberta e nos possibilitou aparecer no piso central, um pequeno truque shinobi. Goro obviamente notou nossa aproximação e esperava sentado com as mãos cruzadas no amadeirado de sua escrivaninha.

Kinji tomou a lateral do recinto enquanto permaneci no ponto central, ambos me encaravam. —— Chamou-me, Goro-san? —— A cordialidade refletia o grau de respeito que eu tinha por Goro, apesar de não ter muito convívio com o mesmo.

"Estava lhe esperando, Jugram. Novamente meus parabéns pela promoção, creio que está mais que à altura do cargo, e se continuar nesse ritmo, logo chegará a ser um Jounin." Indagou o velho, mas sua expressão era indiferente e preocupada ao mesmo tempo, indicando que não era para me parabenizar que havia me convocado, obviamente.

—— Agradeço sua confiança. —— Acenei brevemente com a cabeça. "Em sua última missão..." Goro deu uma olhada para Kinji, que entendeu de primeira e foi até a porta para fechá-la, e ficou bloqueando a passagem desde então. "... lidou com Tokio Kurohara diretamente e nos trouxe informações importantes sobre a vila da meia-noite." Ele se ergueu do seu assento e afagou sua barba esbranquiçada com uma das mãos, enquanto deu as costas e pôs a mão livre atrás da cintura.

"Mas com uma pequena investigação, descobrimos que a base da Hagetaka não está naquele vilarejo. São apenas subalternos diretos de Tokio, pelo visto." Estava tentando acompanhar o raciocínio de Goro para chegar à conclusão de seu pedido, mas não tinha ideia até então.

"Mobilizar muitos ninjas para investigar trás suspeitas, e agora que identificamos a Hagetaka como uma organização muito maior do que imaginávamos, devemos agir com máxima cautela para não os alertar" Finalmente, suas frases começavam a tomar forma em minha mente e apontavam para uma direção.

"Sendo assim, quero enviá-lo para investigar novamente essa organização e tentar localizar sua base, ou capturar algum membro direto que possa nos passar essa informação, nem que para isso usemos meios... pouco ortodoxos." Goro virou-se novamente para mim, Kinji mantinha uma postura rígida, nem parecia o mesmo com quem falei minutos atrás.

"Não levante suspeitas e muito menos deixe-os saber que você é um ninja de Sunagakure, está liberado para remover quaisquer emblemas pelo bem da missão. Caso encontre alguém de nosso vilarejo, não se identifique, estamos com suspeitas de que há espiões deles entre nós, infelizmente." Não pude esconder minha surpresa com a possibilidade de haver traidores entre nós, apesar da chance não ser nula, afinal a Hagetaka era composta basicamente por desertores de Sunagakure e outros vilarejos menores.

—— Compreendido, senhor. Irei agora mesmo. —— Com as mãos para trás, reverenciei brevemente e então me direcionei para a porta. Kinji liberou a passagem e então saí junto do mesmo.

"Ele está bem sério quanto a esses Hage-num-sei-o-que" Kinji amenizou o clima. —— Fale baixo, Kinji, não ouviu o que Goro disse? —— Repreendi-o brevemente, mas tão rápido quanto alterei o tom, normalizei-o outra vez. —— Sim, é verdade. Eles são apenas uma faísca, mas basta uma faísca para criar um incêndio. —— Completei, seguindo minha trajetória rumo aos paredões de saída do vilarejo.

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Próximo aos paredões rochosos e ao enorme corredor que era a única entrada e saída de Sunagakure, despi-me de quaisquer adereços que remetessem à Sunagakure e os entreguei à Kinji, que estava comigo e me escoltou até fora do vilarejo.

—— Vejo você em breve, Kinji. —— Despedi-me sem cerimônias para o Chunin, que deu um sorriso amigável. "Sim. Não morra ein." Apenas sorri de volta e comecei minha caminhada.

O deserto de Sunagakure estava quente como sempre, não havia nada de novo nisso, então decidi por amenizar a temperatura para tornar mais confortável aquela viagem, por mínimo que fosse.

Passos intermináveis banhados pelo sol em pino naquele deserto me faziam questionar se não estaria na hora de inventarem um método de viagem mais rápido entre as vilas. A tecnologia parecia estar avançando o bastante para conceberem uma ideia que solucionasse esse problema.

Mas ordens eram ordens, e eu jamais falhava em cumpri-las. Os ventos uivantes pelas dunas desérticas traziam pequenos grãos de areia que grudavam em minhas roupas e me obrigavam a tapeá-las pelo hábito de limpeza e higiene. "Um dia irei congelar esse maldito deserto." A proximidade com o deserto me dava permissão para insultá-lo, mesmo que não permitisse isso vindo de qualquer um que não fosse residente dele.

Minha caminhada estava para chegar ao fim, uma vez que via a silhueta do vilarejo da meia-noite ascender por entre as dunas. —— Finalmente. Estava entediado de toda essa andança. —— Apertei o passo e firmei o capuz acima da cabeça para entrar sem chamar atenção, afinal meus longos cabelos loiros e pele branca eram incomuns em uma área como aquela. Não haviam guardas, como da última vez que vim ao vilarejo, mas tinha de me preocupar com a abordagem desconfortável de Kyoshu e seus capangas, como fizeram anteriormente.

Todavia, não encolhi-me para adentrar, estufei o peito e entrei vila adentro. "Espero que não me tragam problemas." Pelo visto, ninguém estava de olho naquele momento, olhei para os lados e busquei por algum rosto conhecido, mas ninguém estava a vista. "Estão ocupados?" Lembrei-me do que o velho da estalagem me dissera. "Quando Tokio está em movimento, Kyoshu assume a guarda da vila". Se Kyoshu não estava à vista, então talvez...

A mera possibilidade de esbarrar com Tokio me fez apertar o passo, meu último confronto com o renegado havia sido suficiente para ver que ele não era um mero bandido, mas alguém com habilidades e um propósito bem definido; em suma, alguém perigoso. Galguei em direção à velha estalagem da última vez, que seguia pela rua principal, encobrindo metade do meu rosto com o capuz do manto.

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—— Com licença... —— Anunciei minha entrada tão logo pus os pés dentro da estalagem, procurando com os olhos pela figura que cuidava do local, a qual eu conhecia de outras viagens.

"Seja bem-vin... Ah, é você, rapaz!" Mesmo com o capuz, naquele ambiente sem sol para fazer sombra em meu rosto, o dono da estalagem logo reconheceu meu rosto familiar. Não podia estranhar, afinal era um rosto memorável, loiro de olhos e rosto fino. "Você saiu sem nem dormir aqui naquele dia, rapaz, o que houve?!" Indagou o velho, curioso pelo motivo, mas não tão curioso ao ponto de ser intrometido.

—— Bom, houveram problemas e tive de sair. —— Ele deu uma bela olhada e depois ignorou, não parecia interessado nos assuntos pessoais de seus clientes desde que pagassem. "Bom, tudo bem, e o que temos para hoje? Vai querer um quarto e vai usá-lo dessa vez?" Ele deu um sorriso sem dentes, quase rindo.

—— Ham, sim... hoje usarei. Pretendo ficar um tempo aqui. —— Removi os mesmos cem ryous que ele me cobrou da última vez, mas com um gesto de mão o homem afastou o dinheiro. "Você não usou o quarto, então eu pude alugá-lo para outro cliente logo em seguida. Fique com seu dinheiro, minha consciência não me deixaria tomar proveito de você assim." Estranhei a rara atitude complacente do velho, mas respeitei-a e guardei o dinheiro, talvez pusesse o dinheiro em sua carteira quando ele não estivesse vendo, mais tarde.

—— Então agradeço. —— O velho entregou a chave, que coincidentemente ou não, era a mesma chave que havia me dado outrora. Talvez fosse um capricho seu, algo para pagar seu débito que achava ter comigo. Apenas sorri de canto para a ironia, afinal, havia sido ele quem me ajudara com informações na vez passada, mas ele nem sonharia com isso.

Galguei escadas acima e subi para meu quarto, abrindo a porta e sentando-me na cama. "Será que estou sendo observado pelos capangas de Kyoshu? Tenho certeza de que ficaram cautelosos comigo na outra vez, mas nem sinal deles até então" Pensei enquanto olhava para o abajur à minha direita, na cabeceira da cama.

Estava para anoitecer, era a hora perfeita para investigar algo, caso quisesse. Desliguei o abajur e deixei o quarto inteiramente escuro, aproximei-me das janelas com cautela enquanto me esgueirava pelas paredes e dei rápidas olhadas de canto pelas brechas, para averiguar se não havia ninguém me espionando. "Voilá..." Um homem de vinte e poucos anos estava encostado em uma parede de uma casa, queixo baixo e braços cruzados, sozinho.

"Vamos ver quanto tempo você demora para olhar para cá..." Nesse momento, realizei uma aposta mental, e antes que eu pudesse engolir a saliva pela segunda vez, sua cabeça virou em direção a janela. Escondi meu rosto rapidamente para não ser notado, esperei cinco segundos e então olhei novamente, ele estava no mesmo canto. "Cheque." Como em um jogo de xadrez, havia um peão na frente do rei, se fazia necessário removê-lo.

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Tecendo alguns selos de mão simples, ocultei minha presença simultânea à minha imagem real, tornando-me invisível e também inodor. "Vamos virar tabuleiro agora" Fazendo outra analogia ao xadrez, era a hora de fazer o jogo virar contra aquele que me espionava e passar a ser o espião.

Esgueirei-me para fora da estalagem, indetectável, e caminhei calmamente até o indivíduo, desviando de qualquer transeunte ou obstáculo que se colocou em meu caminho.

Ele estava parado do lado de um beco, então fiquei parado dentro da viela e olhei o fluxo de pessoas esperando para que houvesse um momento em que ninguém estivesse nos observando diretamente. Chequei as intenções do espião mais uma vez, para confirmar, e o vi dando olhadas rápidas com intervalos cada vez mais curtos. "Parece estar impaciente, será por que não me mostro faz um tempo?" Até então, dava a entender de que eu havia ido dormir.

Finalmente o momento em que não haveria plateia chegou, e rapidamente avancei no homem com brutalidade. Em primeiro lugar tampei sua boca com minha mão direita e com a esquerda o puxei pela roupa para dentro do beco, saltando e o puxando comigo para a escuridão.

Seus grunhidos foram abafados por minha mão, e para garantir que ele não se moveria, usei de uma manipulação de gelo para prender seus braços e pernas. Assim ele ficou, parado, enquanto minha invisibilidade se desfazia lentamente.

—— Se você gritar ou falar alto, eu o mato na hora, me entendeu bem? —— Falei com seriedade e convicção, removendo uma kunai de minha bolsa ninja e a apontando para o pescoço do rapaz. Lentamente removi a mão que tampava sua boca e ele voltou a respirar normalmente, soltando o ar preso.

—— Me diga, por que está me vigiando? Quem te mandou fazer isso? —— O homem se recusava a falar, apenas virava a cabeça para o lado com um suor de nervosismo escorrendo pela testa. —— Se não me falar, irei cortá-lo pedaço por pedaço. —— Havia um fundo de verdade naquela ameaça, embora não estivesse afim de cumpri-la de fato.

"C-certo! Kyoshu me pediu para ficar de olho em você, pois o viu entrando na vila novamente. Então Kyoshu estava no vilarejo ainda, embora não houvesse dado as caras. —— E por que Kyoshu quer me vigiar? —— Precisava de respostas mas não podia perguntar diretamente sobre a Hagetaka. "Ele acha que você é um ninja de Sunagakure enviado para nos espionar." Eles eram mais astutos do que eu pensava, apesar de todos os meus esforços para encobrir minhas intenções.

—— Um ninja?! Avise a ele que quero ter uma conversa agora, isso não passa de um mal entendido. —— Ainda havia uma chance de remediar aquela situação e descobrir o paredeiro da Hagetaka, ou ao menos ganhar a confiança deles para conseguir informações futuras.

"C-certo, me solte e eu o chamarei." Com um selo de mão, a prisão de gelo se desfez e o capanga correu rapidamente.

Enquanto aguardava, muitas possibilidades tomavam conta dos meus pensamentos. O que faria com Kyoshu? Como reverteria a situação, e qual seria a melhor escolha a se fazer? Era um verdadeiro teste de inteligência para mim.

E então ele surgiu das sombras, me encarando com uma feição séria e disposta a entrar num conflito ali mesmo. "Vejo que tratou bem meu subordinado." Ele iniciou áspero. —— Vejo que a receptividade com visitantes continua amistosa como sempre. —— Retruquei, sem dar o braço a torcer.

"E então, o que quer comigo? Ele perguntou como se toda aquela situação não houvesse sido criada por culpa dele, o que me irritava. —— Parece que continua com o pensamento de que eu sou um shinobi da areia. —— Ele torceu o nariz. "Aos meus olhos, você me parece exatamente com um." Kyoshu parecia confiante de que estava certo, seria difícil dissuadi-lo.

—— Não posso culpá-lo por suspeitar de mim, mas eu os odeio tanto quanto você. —— Estava torcendo para que ele caísse na isca, assim aliviaria um pouco a sua postura defensiva. "... Como assim? Explique-se." Ele pareceu curioso. "Caiu." Pensei de imediato.

—— Nunca tive relações boas com ninjas de Sunagakure, e como sou um viajante, esbarro muito com eles. São arrogantes e constantemente se exibem por aí... Se eu pudesse, eu mesmo os mataria. —— Não acreditava que aqueles absurdos estavam sendo proferidos de minha boca, mas era necessária toda aquela teatralidade para que Kyoshu acreditasse em mim. Enquanto falava, minha expressão era de pura revolta, seguindo de acordo com o que eu dizia.

"E-entendo... parece que eu o julguei mal então... Me perdoe." Kyoshu parecia ser menos inteligente do que imaginei, ou estava se fingindo. —— Tudo bem... Mas por favor, apenas pare de mandar homens me vigiarem por aí. —— Disse enquanto caminhava em direção a estalagem novamente. "Mas me diga então, como você tem todas essas habilidades?" Achar uma explicação para isso era difícil, afinal, poucas vilas possuíam ninjas por ali, e Kyoshu ainda parecia cauteloso.

—— Eu venho do país da neve, tive de sair de lá pois minha família era caçada por suas habilidades. Desde então, sou um nômade sem terras que viaja por onde consegue sobreviver, no momento estou por aqui, é apenas isso. —— Havia de fato retirado aquela história da cartola, e parecia convincente, uma vez que Kyoshu pareceu crer piamente no que acabara de ouvir. "Ainda bem que funcionou." Agradeci mentalmente.

"Mais uma coisa. Você disse que se pudesse mataria eles com suas mãos, não disse? Daqui a três dias, quero lhe apresentar uma pessoa." Era a chance que eu esperava, talvez finalmente me encontrasse com um membro da Hagetaka. —— Certo, esperarei por isso. —— E assim retornei para a estalagem.

Em breve, desmembraria essa organização.

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