Prólogo.

Yume era uma mulher devota. Ela não apenas conhecia as lendas e histórias de nosso clã como zelava por rituais ancestrais, rezava e muitos acreditavam que falava diretamente com os deuses. Se eu acreditava? Nela sim. Era dos deuses que eu duvidava. Eu tinha rezado também, um dia, mas não mais.

A semana começou carregada, meu humor estava insuportável, estava difícil lidar com minha própria presença, sentia uma dor de cabeça horrorosa e os mínimos detalhes estavam tirando minha paz, tentei arranjar silêncio e descanso no quarto mas Hana entrava e saia toda hora querendo minha atenção, tudo que eu queria era um pouco de silêncio…

–Masu-chan - Dessa vez foi Yume que abriu a porta, bufei, com um olhar tão fulminante que deixava clara minha indisposição para qualquer coisa que fosse – Vamos deixar sua irmã na casa de Kuharu-chan, preciso da sua ajuda.

Revirei os olhos —Obaa-chan! Eu to cansada, to ocupada!

Ela levou as mãos a cintura –Está jogada na cama às 15h da tarde de um domingo Masuyo, um cego sabe que não está ocupada. - Suspirei –Ta tudo bem se não quiser ir, mas me ajude antes, vou sair… - me olhou bem  –Posso deixar Hana em Kuharu-chan mesmo assim, e você fica livre, que tal? - Sorriu. Eu sorri de volta, agora sim estávamos conversando!

Quando cheguei na sala, vi duas cestas cheias de ervas e incensos além de imagens de madeira.

–Me ajude a amarrar isso nas costas. – Disse Yume. –Rápido, criança, ou não dará tempo!

Assim fiz, mas quando peguei uma das cestas vi que estava bem pesada — Obaa-chan… o que é tudo isso?

–Vai começar o período da lua rosada, tenho que levar essas coisas para o Buda lá na Montsuyoma.

Arregalei os olhos —Lá em cima? Tudo isso? Obaa-chan! - comecei a ralhar — Ta pesado demais são uma hora de caminhada montanha acima!

Foi a vez dela de me olhar feio –Eu disse que precisava de ajuda!

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Pela maior parte daqueles quarenta minutos de dura subida e camisa suada amaldiçoei cada um dos deuses, que necessidade era essa que tinham de dar tanto trabalho? Escalava a trilha da Montsuyoma com uma cesta de ervas e incensos amarrada às costas e outra nos braços, bem atrás de Yume, ajudando-a sempre que precisava. Por que Yume insistia tanto naquela besteira hein? Se existissem deuses o mundo não seria aquela bagunça “E se existe… é um deus muito, muito do mal”

–Finalmente! - Dizia Yume, inspirando fundo, sorrindo com o rosto  molhado de suor. O fim de tarde alaranjava o horizonte imenso que podíamos ver ali de cima, Konoha e suas casinhas lá embaixo, as planícies e plantações de camponeses que viviam próximos. Não podia negar, era bonito ali.

Apenas mais alguns instantes de caminhada e paramos em frente ao Buda, Yume lançou pétalas sobre ele e começou a organizar as ervas ao redor da pedra velha no formato de uma criatura risonha e gorducha que nunca devia ter tido fome na vida - ria do sufoco de nossa escalada, certeza.

–Masuyo, semana difícil?

Emburrei de novo —Não ué, normal.

Yume apenas sorriu –tem estado impaciente.

—Eu não sou impaciente!

Ela riu de leve –Yare, yare… respire, não é bom carregar energias pesadas como a raiva durante o ritual, terminaremos logo.

Ela enrolava pouco a pouco as ervas secas no fio de lã que tinha tecido, murmurando algum mantra que, por algum motivo, me acalmava. —O que é tudo isso, obaa-chan?

–Um presente, um agradecimento, um pedido. Os antigos celebravam a lua rosada por significar um verão ameno, com sol abundante e boa colheita. E há lendas que…

—Que o que?

Ela sorriu –São apenas histórias, Masuyo. Mas, bem, já estamos aqui… Há lendas de grandes shinobi que refletiam o brilho da lua rosada, se erguiam com ela, e experimentaram grandes poderes… Não apenas Hyuugas, mas você sabe que a lua é muito importante para nós, não é Masuyo? É de onde nascemos, é seu poder que corre nas nossas veias.

—Então… a gente… vai brilhar rosa?

Yume riu –Não, ninguém vai ter um brilho rosa, infelizmente. Como eu disse, são só histórias mas… tenha cuidado na lua rosada, Masuyo, coisas que não compreendemos ainda podem nos afetar, de alguma maneira.

Acendeu os incensos de ervas que tinha acabado de produzir e espalhou a fumaça ao redor do Buda. –Os Deuses são sábios Masuyo, mais do que podemos compreender, são criaturas poderosas, e de temperamento difícil, mas sábios. Eles nos protegem, e peço que te protejam também.

Olhei-a séria, ela não veria a dúvida, a raiva em meus olhos, por já ter fechado os seus. “Nos protegem…” Encarei a imagem do pequeno Buda. “Que excelente trabalho.”

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A descida, por incrível que pareça, deu muito mais trabalho que a subida. Tinha que segurar Yume o tempo todo, com medo que ela caísse. Chegando em casa, minha dor de cabeça havia piorado consideravelmente.

Meu corpo doía, e a pele queimava. Vez ou outra abri os olhos e notei Yume ao meu lado, com um pano molhado, pela janela a lua brilhava num fino C como um riso travesso no céu que acompanhou meus sonhos por toda a madrugada.

No dia seguinte um zumbido me acompanhava, nascendo de dentro do meu ouvido. Estava exausta, irritada e a noite, vinha a febre, cada noite pior enquanto riso da lua se alargava cada vez mais no céu noturno. Rindo comigo. Rindo de mim. Quem é que sabe? Até parar de sorrir, e pairar cheia e imponente no céu.

Acordei suada no meio da madrugada, o corpo trêmulo o frio intenso era substituído por um calor infernal, precisava de ar, precisava sair. Atravessei a porta de casa e encontrei lá fora o vento da madrugada. Seguia tremendo, mas o aperto no peito diminuiu. A lua crescia no céu, me encarava, me chamava.

Cada passo exigia toda minha força de vontade, ainda assim, caminhei em direção à floresta, como se soubesse exatamente o que tinha a fazer. Avancei até a clareira. A respiração fugia ao meu controle e o brilho prateado do luar ofuscava minha visão confusa, a cabeça girava e uma raiva me agarrava as entranhas. Chorava? Não tinha certeza, não tinha nada, nada além da raiva.

Raiva das noites sem sono, raiva da floresta, raiva da mansão e de todos aqueles a quem eu temia, principalmente de um, daquele que me mostrou primeiro e outras vezes tornou a me lembrar o poder do selo amaldiçoado. E para cada flamejar daquele sentimento uma lufada de chakra saia de minhas mãos, num juuken tão intenso e forte como jamais havia atingido ainda, as pernas tremeram, tinha investido chakra demais nos golpes, sabia disso, mas finquei os pés nos chão. Não cairia ainda. “De novo!”

Meus braços dançavam no ar, precisos, as veias saltavam ao redor de meus olhos e sentia que a visão que se abria à minha frente era a mais ampla que já tinha conseguido. Era chakra demais, por quanto tempo manteria aquele ritmo? Não importava, não cairia antes de exaurir toda raiva e desespero que apertavam meu coração agora, me roubando o ar. Raiva da mulher que deveria ter sido minha mãe, e mesmo de Yume, que não tinha poder o bastante para me proteger de verdade, raiva de Hana por me dar tanto trabalho, e principalmente, raiva dos malditos deuses que permitiam tudo aquilo, e muito mais. Por costume levei as mãos à bolsa de kunais em minha perna, mas não havia nada ali, fingi pegá-las e lancei-as assim mesmo. Para minha surpresa, três kunais de um brilho rosado cravaram uma árvore a metros de distância, eu ofegava, só podia ser um sonho.

A confusão me impediu de me mexer, tentava avaliar aquela situação, mas não compreendia nada, um suor escorreu gélido por minha espinha, o corpo pesava a um ponto em que sentia que cairia. Tentaria de novo… as sobrancelhas franzir, os dentes cerraram, as ondas revoltas dentro de mim tomando forma novamente, como se agarrasse uma katana segurei algo em minha cintura e desembainhei o nada.


Mas lá estava ela, uma katana fina e brilhante. Não podia ser real, mas vi quando ela foi diminuindo, transformando-se em uma kunai na velocidade de meus pensamentos, e de uma kunai para uma senbon e desta para uma shuriken. Eu quis acordar, mas descobri que já tinha acordado a muito tempo.

Não eram deuses que mandavam naquele mundo. Era o Poder.

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