Era, como sempre, mais um dia pacato em Kumogakure.

Considerei por muitas horas o que fazer, já tendo finalizado uma limpeza completa em meu apartamento depois de um longo tempo sem ficar no local. Considerei buscar alguma missão, mas meu coração não estava fixado na ideia. Considerei ir até a biblioteca e passar o dia lento, mas por algum motivo hoje eu não queria ficar do lado de dentro...

Decidi passear pela vila. Aproveitar para ver as coisas que haviam mudado depois da guerra. E... Bom, não há o que dizer. Uma guerra perdida sempre traz desgraças consigo. Orfãos, sem tetos, casas abandonadas...

Queria escapar daquela depressão. Sair um pouco desse estado de queda. Queria me sentir bem.

Saí pelos portões da vila, apresentando documentação apropriada, é claro. A saída de um Genin pelos portões era algo bem questionado. Mas, eu havia já preenchido minha cota de missões da semana, e uma folga era bem merecida... Por fim, concordaram, e eu comecei a passear pelos arredores do vilarejo, apenas observando os arredores.

Pequenos roedores, cervos, aves, alguns animais mais exóticos que apareciam raramente... A natureza que nos cirundava.

Eu queria preencher aquele vazio dentro de mim, mas não havia encontrado algo para preenchê-lo. Procurava aqui talvez alguma inspiração, algo para me guiar...

Quando vi, estava á frente de um lago. Tirei meus calçados, caminhei sobre a água, observando as sombras dos peixes que nadavam abaixo... O som da água corrente, a água limpa, a leve brisa... trazia um pouco de calma para mim.

Mas ainda assim...

- “Uma bela tarde, não?”

Escutei a voz que vinha do meu lado, pulei um pouco de susto, mas não me deixei afundar na água. Nem percebi a aproximação do homem que se aproximou de forma tão silenciosa, caminhando sobre a água assim como eu. Vestido no que mais se parecia com uma toga, cabelos brancos encaracolados e levemente manchados pelo sol, uma barba curta, mas densa, olhos azuis, extremamente profundos. Um sorriso no rosto.

Apesar de ter surgido de forma tão repentina... Não sentia nenhuma malicia vindo do homem. Como uma presença... paternal, amigável?

- “Sim, certamente é uma bela tarde.”

O homem ali permaneceu, se aproximando um pouco mais. Olhávamos as formas dos peixes, que circulavam a sombra que deixávamos na água.

- “O que traz você aqui, Jovem? Sinto que você tem um grande fardo que carrega consigo.”

- “De certa forma... Estou apenas procurando me acalmar um pouco.”

- “Sinto que isso é apenas uma fração da verdade. Venha, vamos tomar um chá.”

Com isso, o homem caminhou de volta para a beira, andando em direção á uma fogueira que eu não havia notado previamente. Sem muito questionar, segui ele até onde ele se sentava.

- “Vamos, vamos, não se acanhe, sente-se também.”

E... Assim eu fiz, me sentando em um pedaço de tronco deixado ao lado. Sem mais nenhuma palavra, observei enquanto o homem preparava um chá, com folhas de hortelã, sobre a pequena fogueira. Alguns minutos depois, estava pronto. Ele serviu um copo para mim, e então um para si mesmo. Esperei ele tomar o primeiro gole... e então tomei o meu, experimentando um chá simples, mas agradável.

- “Você está com medo.”

- “Oi? Não estou...”

- “Sim, consigo sentir. Você está tão estressada... Com medo de que as coisas não deem certo. Com medo de que algo aconteça que você não tenha controle. No seu passado, sinto muitas desfortunas... Você quer algo a mais, não?”

- “Como... Como o Senhor sabe disso?”

Com um pequeno sorriso, ele elevou seu olhar, deixando seus olhos focados nos meus.
- “Você não é a única, minha jovem. Muitos, assim como você, acabam se perdendo na estrada da vida... Muitos nunca mais voltam.”

Tomou mais um longo e calmo gole, antes de continuar.
- “Mas, não é isso que você precisa escutar agora, não é? Não, vamos conversar de algo mais agradável. Há tantas belezas nessa vida, por que gastar todo seu tempo com as partes ruins?”

Com uma pequena risada, respondi, afirmando-o.
- “O Senhor não está errado.”

- “Você gosta de jogos?”

Parei para pensar um pouco. Havia aquele homem que eu jogava Hnefatafl na vila, mas á tempos eu não ia visita-lo... Nem sabia qual o estado dele agora.
- “Eu deveria jogar mais.”

- “Intrigante. Vamos, então, já jogou Xadrez?”

- “Eu sei as regras, mas não sou uma boa jogadora."

- “Uma ótima hora para aproveitar o chá, o clima e a natureza, então.”

Com isso, o homem buscou em um saco que estava largado próximo a ele, e sacou algumas peças polidas de madeira assim como um pequeno tabuleiro. Colocou ele na minha frente, dispondo as peças.

Deixei um sorriso aparecer em meu rosto... Parece que seria uma ótima tarde.

Conversamos. Conversamos muito.

Sobre a vida, sobre a morte, sobre o que queremos no futuro.

O homem – Kagayaki, seu nome – Me contou sobre suas filosofias. Não muito diferente de mim, acreditava que a Fortuna era um dos fatores principais que controlavam o universo ao nosso redor. Não via a morte como algo ruim, e via a vida simplesmente como um rito de passagem... Uma fase de nossa vida que teríamos que aproveitar ao máximo antes que chegasse ao fim.

Me contou mais sobre suas crenças... Algo que foi peculiar... Mas não havia motivo para negar.

O Vazio.

Uma força omnipresente, cercando todos nós... Ameaçando o fim de toda a existência.

Mas não de uma maneira ruim.

O fim de tudo, visto de uma maneira positiva.

Uma visão tão peculiar...

O Vazio, da maneira como me contou... Era uma entidade que levava ao progresso de todas as coisas. Afinal, tudo tinha um começo e um fim, e o Vazio terminava esse grande ciclo.

Muito o homem me contou, mas sinto que a maioria acabou por se perder... Muito pouco tempo para tantas novas ideias.

Mas parecia que ele já sabia disso.

E então me fez um convite...
- “Minha Jovem, essa pode ser um pedido meio estranho e repentino, mas eu sou líder de uma Seita. Gostaria que você viesse nos visitar... É claro, fica completamente a seu critério. Se você não quiser vir, eu entendo.”

A solicitação me deixou perplexa, confusa... Era um salto, definitivamente.
- “E-eu acho que eu passo, por hora.”

- “É claro, é claro. Eu sempre visito esse lugar para cuidar das plantas, se você quiser vir conversar um pouco mais, estarei aqui.”

- “Sim, eu voltarei.”

Com isso, me levantei do assento improvisado e ajustei minhas roupas, já me virando em direção ao caminho que retornava a Kumogakure.

- “Foi uma ótima conversa. Passar bem.”

- “Até mais, minha Jovem.”

[ . . . ]

E então... Alguns dias se passaram. Dia e noite, Dia e noite fazendo as funções básicas de guarda e vigia da vila, igual a todos os outros ninjas fora de missões. Me questionei se queria sair em missão algumas vezes... Mas optei em ficar na rotina por mais algum tempo.

As palavras de Kagayaki ecoavam dentro da minha mente. O Vazio, como ele explicou... Não vou mentir e dizer que não me senti afugentada pelo repentino convite de me juntar a, não sei, um culto venerando uma entidade misteriosa?

Foi algo bem estranho... Mas por algum motivo, as palavras daquele homem pareciam tão sinceras. Tão honestas. Parecia que ele queria realmente me ajudar a alcançar aquilo que eu desejo, seja lá o que for isso, pois nem mesmo eu sei mais...

Levantei-me de minha cama. Olhei para fora. Hoje era mais um dia pacato e calmo, com céus relativamente limpos e clima agradável. Quase idêntico ao dia que eu saí da vila...

Suspirei profundamente... O que eu tinha a perder a esse ponto?

Arrumei minhas coisas, me vesti, e caminhei em direção a aquele lago. Vamos ver se as palavras dele condizem com a realidade.

[ . . . ]

- “Minha jovem, o que fez você mudar de ideia?”

- “Com toda a sinceridade, eu realmente não sei. Alguma coisa está me arranhando e me dizendo que esse é o lugar certo para se estar... E eu acho que vou confiar nela.”

- “Claro, claro. Nossos instintos são uma coisa bem peculiar. Diria eu, que é sempre melhor segui-los. Nossos corações conseguem ver coisas que nossos olhos não veem.”

- “Como uma Shinobi... Eu não sei se posso confirmar isso.”

- “Ah, não se preocupe. Algumas verdades da vida você não vai saber mesmo que esteja bem á sua frente, então é melhor só trilhar seu caminho da melhor forma possível. Um dia, elas vão chegar.”

- “...Certo. Para onde estamos indo mesmo?”

E essa era uma dúvida genuína. O caminho que nós seguíamos era calmo, mas passava por algumas partes das redondezas de Kumo a qual eu nunca fui familiarizada.

- “Ora, vamos visitar o resto dos Vazios.”

- “...Os vazios? Esse é o nome da seita...?”

- “...Ora bolas, moça, só por que o nome é brega não significa que você pode ficar jogando na cara!”

Compartilhamos um olhar irritado... antes de explodirmos em gargalhadas.

- “Já estamos quase chegando, não se preocupe. De fato, fica logo depois dessa curva...”

E, ali estava. Após mais uma curva entre o relevo complicado do país dos trovões, diversas casas feitas de madeira rodeando a entrada bem decorada de uma gruta. Já daquele local, poderia ver várias pessoas caminhando pelo local. Crianças, Homens, Mulheres, Idosos. Diferentes tipos, diferentes formas, todos ali, aparentando estar aproveitando seu tempo ao melhor.

- “Devo ceder, é muito mais aconchegante do que eu pensava.”

- “Nós tentamos o melhor para manter nossa casa sempre atrativa. Nunca se sabe as pessoas que vão passar por aqui, mas sempre estamos de braços abertos.”

- “Devo admitir que, no estado do nosso mundo, isso talvez não seja a melhor estratégia.”

- “Tentamos não pensar sobre essas coisas. Sonhos ruins atraem realidades ruins, então tentamos sempre ter uma visão melhor do nosso mundo. Vamos, me siga, vou lhe apresentar ao resto do pessoal. Sinta-se em casa.”

Sinta-se em casa...

Já fazia quase uma semana que eu havia sido introduzida a Seita dos Vazios. Nesses dias, eu vinha a visitar eles quase todos os dias que eu podia, tomando o começo da manhã ou fim da noite.

Nesses dias, vim a conhecer quase todos os membros da seita. De fato, era muito maior do que eu imaginava, com quase cento-e-vinte membros leais às causas e filosofias em que acreditavam.

Porém, notei também que haviam divisões dentro da própria seita. Como se fossem crenças baseadas em uma maior. Conviviam todos em harmonia, mesmo visto as diferenças... Imaginei como seria um mundo melhor, se todos fossem assim. Convivendo e trabalhando juntos para criar um futuro melhor para todos, independentemente das diferenças entra eles.

Quando podia, ajudava com os afazeres da seita, simplesmente por me sentir incluída ali. De certa forma, esse lugar muito me lembrava do vilarejo onde nasci, antes de... bom, tudo aquilo acontecer.

Fora isso, também aprendi muito mais sobre esse ser de que Kagayaki falava, O Vazio.

O Vazio, uma forma antropomorfizada do ‘Fim’, uma entidade superior a todos os deuses, não por invocar ou impor poder maior, mas por ser a finalidade a que todos nós caminhávamos. Mas, toda a concepção que a seita tinha desse ser era de que... ao todo, era uma coisa boa.

Não podíamos escapar do fim. Não havia uma maneira, ou qualquer coisa que poderia ser feita para evadir tal destino..., mas não viam isso de maneira negativa. Não, viam como uma oportunidade. Acreditavam que depois do Vazio começava tudo de novo, que isso era apenas um espaço de transição – e que era nosso propósito nessa terra viver da melhor maneira possível. Não aproveitar o pouco tempo a que nos era dado da melhor maneira possível era o pior pecado.

E, bom, dizer que eu me apeguei às pessoas que ali repousavam não era algo errôneo de se dizer.

Do momento que eu cheguei, eles diziam que eu já emanava uma certa presença, que eu estava apegada ao Vazio como nenhuma outra. De início, eu me senti um pouco assustada por essas afirmações, mas quando comecei a compreender o significado daquelas palavras, notei que eram elogios e bons presságios, e que na verdade do momento em que me viram chegar com Kagayaki, já me consideravam família.

Família...

Suspirei um pouco... Tentei deixar os sentimentos melancólicos de lado.

Voltando ao momento presente, hoje eu estava novamente visitando a Seita. Entrei na gruta, onde várias pequenas estatuetas cercavam estatuas maiores. Foi ali dentro que eu conheci Obaa-chan.

Sim, Obaa-chan. Ela não dava o nome real para ninguém, mas era uma velhinha doce e amigável que sabia tudo sobre a história de todos ali dentro. Me explicou o que eram as estatuetas – imagens das pessoas que já haviam deixado esse mundo. Pequenas bençãos lembrando sua existência.

Já, as estátuas maiores eram histórias inteiras por si só... Aspectos do vazio, era o nome que Obaa-chan me deu. Cada um deles era como se fosse uma espécie de cavaleiro escolhido pelo Vazio para expandir sua influência no mundo, ou apenas mostrar sua existência... ou sua inexistência.

A parte mais intrigante... Foi quando Obaa-chan me disse que os aspectos tinham poderes reais. Esse momento me deixou bastante cética. Sim, eu diria que eu acreditava em seres extra-planares, mas que eles tinham qualquer influência direta sobre nós, que podiam nos conceder poderes...? Eu tive que questionar.

Obaa-chan se manteu convicta. Afinal, estávamos em um mundo em que caminhar na água, invocar bestas incríveis, respirar fogo e voar era apenas mais um fato comum da vida.

Eu não pude mais negar.

Obaa-chan falou que com tempo, um dos aspectos iria me escolher. Talvez demorassem dias, talvez demorassem décadas...

Quando eu perguntei sobre uma estátua a qual poucas estatuetas rodeavam, a mulher quase me estapeou.

- “Mas já, garota!?”

- “E-eu só fiz uma pergunta, Obaa-chan!”

E então, a mulher começou a gargalhar.

- “Não, não é nada disso! KAGAYAKI! CHEGA AI MENINO!”

E em poucos minutos, Ali estava Kagayaki, olhando para nós com olhos arregalados.

- “Oi, me chamaram?”

- “Sua menina aí já tem um Aspecto!”

- “Mas já?”

- “Eu nem sei o que eu fiz...”

[ . . . ]

Horas mais tarde, me encontrava em um santuário interno, uma grande câmara na gruta onde arquibancadas cercavam um pódio no centro. Haviam me explicado que o local era onde eles vinham para fazer reuniões ou cerimônias. Nos lados da câmara, em grandes imagens detalhadas nas paredes, haviam as representações dos Aspectos presentes na parte principal da gruta, dessa vez muito mais detalhadas.

Haviam me deixado em frente á uma das figuras que parecia ser a mais... sangrenta. Uma figura particularmente andrógena, com um colar de crânios cercando seu pescoço. Olhos vazios, seis braços, e uma lâmina em cada mão.

Jashin. O Aspecto da Violência.

Kagayaki e Obaa-chan me explicaram, que assim como todas as outras coisas na vida, as vezes somente esperar não era o mais prático. Muitas vezes na vida, você teria que lutar. Kagayaki me explicou que não era anormal eu me sentir atraída por essa figura em particular, afinal, eu tinha uma grande afinidade com o Vazio, mas minha história, minha vida me levou por esse caminho.

Me contou que Jashin não era unicamente aclamado por nossa seita. De fato, várias interpretações desse ser se espalhavam no mundo, na forma de diversas religiões diferentes. Mas uma coisa era sempre comum para todos que seguiam o Aspecto da Violência – aqui ou lá fora. Eram as imposições. Eles mudavam o mundo de acordo com seus desejos.

Eles criavam o vazio por si mesmos – para então poder preenche-lo com tudo aquilo que desejavam.

Kagayaki, novamente, não aparentou estar surpreso com esse desenvolvimento.

- “Você é um pouco diferente do resto de nós, Nora. Você tem um fogo ardente dentro de você. Você vai se impor ao mundo, e molda-lo da maneira que desejar, da mesma maneira como você molda tudo aquilo no seu interior. Você vai criar esse vazio dentro de você, e você vai conseguir enche-lo com tudo aquilo que deseja... O Aspecto da Violência é apenas um dos vários caminhos que nós usamos para entender mais sobre o vazio. Para muitos de nós, não é uma opção atraente. Nós somos carpinteiros, construtores, fazendeiros... Você, Nora. Você é uma Guerreira. Você é unicamente capaz de fazer tudo aquilo que você deseja.”

Obaa-chan apenas acenou a cabeça.

- “Venha, Jovem. Você ainda tem muito que aprender sobre esse caminho que te escolheu.”

Jashin. O coração do mal. Aquele que preza pelo sangue e destruição. Aquele que tudo domina...

Nunca pensei que um ser envolto em mitologias tão escuras e cruéis podia ser visto de forma tão positiva.

Para a Seita, nada mais se tratava do que um desejo carnal dentro de todos os humanos para modificar e criar um mundo a sua imagem.

“Crie o vazio, preencha o vazio, molde o vazio.” Era o que me diziam.

Os rituais que me mostraram eram tanto quanto... escuros. Mas Kagayaki já me explicou de que dês que eu mantenha o Credo do Vazio em meu coração, a minha voz alcançará, e minhas ações serão recompensadas.

Jashin...

Kagayaki não pode me contar muito sobre a história do Jashin. Me disse que seus seguidores, em geral, eram conhecidos como Jashinkyo, e eu, mesmo uma membra da seita, seria conhecida como tal também.

Me deram o nome de Defensora... Foi algo estranho.

Para os membros da seita, parece que aqueles que servem sobre o Aspecto da Violência são aqueles que os protegem quando palavras não são suficientes para mover os perigos á frente. Quando a diplomacia falha, uma mão de aço é aquilo que é necessário para agir sobre as desavenças em sua frente.

Jashin, Jashin...

- “Nora, Querida? Você está aí?”

Ali ele está, já estava me perguntando a que horas ele iria aparecer.
- “Sim, Mestre Kagayaki.”

- “Ah, ai você está! Eu tenho uma coisa para te mostrar, por favor, me siga... é importante.”

Hum, que estranho... O que será que ele quer me mostrar?

[ . . . ]

Voltamos para aquele grande santuário dentro da montanha, onde sobre o pódio descansava Obaa-chan. Ela me olhou com um sorriso... triste, que me trouxe calafrios.

- “Nora, Querida, por favor se aproxime.”

- “Sim, Obaa-chan. Sobre o que se trata isso, se eu posso saber?”

- “Nora, Você... Bom, você aprendeu tudo o que podemos lhe ensinar. Agora só restam conhecimentos no mundo a fora. Sim, sim, isso é como uma despedida! Você-“

- “Silêncio, Kagayaki!”

- “P-perdão, madame...”

- “Ora, seu bobo, não se preocupe tanto assim... Nora, Querida. Não é uma despedida, pelo menos não para você. Por favor, se abaixe um pouquinho, minhas costas velhas já não alcançam o que costumavam alcançar.”

- “Sim, claro, Obaa-chan”

E assim eu fiz, me aproximando mais da mulher, me colocando de joelhos em frente da idosa. Senti suas mãos passando por tras de meu pescoço, prendendo algum objeto em volta do meu pescoço. Quando me levantei novamente, olhei mais de perto – Era um amuleto, um triângulo circunscrito em um círculo. O símbolo de Jashin.

- “Nora... Você realmente aprendeu tudo que pudemos lhe ensinar, tudo exceto uma coisa...”

Com isso, Kagayaki bufou. Em sua face um olhar perturbado e corado.
- “Precisamos mesmo, Obaa-chan? Vamos fazer isso com a nossa mais nova integrante, mesmo?”

- “Isso é uma escolha minha e dela, cabe somente a nós decidir!”

- “Certo, vejo que tem algo a ver comigo... Posso saber?”

- “Nora... Você eu sei que é uma pessoa de poucas palavras. Vamos direto ao ponto... Para terminar sua introdução á seita dos Vazios, você precisa me matar.”

...Como?
Tropecei alguns passos para trás, tropeçando levemente nas rachaduras no chão, mas me segurando antes de cair. Segurei o pequeno amuleto firmemente em minha mão direita, arremessando olhares confusos e assustados para os dois
- “Como assim? N-Não! Eu não posso fazer algo do tipo!”

- “Nora... Calma...”

- “Não vou tirar a vida da Obaa-chan só por causa de uma crença estranha! Isso não é certo!”

- “É minha escolha, Nora!”

- “...Como assim? Você não pode fazer algo assim-“

- “Nora, Escute... Como você aprendeu, essas figuras, os aspectos, eles têm poder verdadeiro. Cada um deles... O aspecto da Violência exige sacrifícios. Ele alcança para o vazio, afinal... Esse é apenas o último passo para chegar até esse poder. É a última coisa que eu vou te ensinar.”

Eu apenas abaixei meu olhar... Como assim? Teria agora de terminar a vida de uma pessoa que eu vim a respeitar, por causa de uma crença boba? Não, tinha que ter outro jeito...
- “Mas não tem, cara Nora...”

- “É tão estranho como você parece ler meus pensamentos.”

- “Eu sei, eu sei... Eu também não gosto da decisão de Obaa-chan, mas é uma decisão dela.”

- “Mas... Por que?”

- “Eu estou velha, Nora. Velha e frágil. Eu não vou viver por muito mais tempo. Uns quatro ou cinco anos... E mesmo que eu viva, eu vou ser miserável. Eu já estou morrendo, Nora.”

- “Mas isso pode ser tratado, Tem médicos em Kumo que podem tratar a senho-“

- “Mas eu não quero, Filha. Eu não quero. Isso pra mim já ta bom. Eu vivo aqui já fazem quase noventa anos, eu já quero partir pro outro lado. Lá tem família, tem filhos, tem netos... Tem todos aqueles que já faz tanto tempo que eu vi. Do outro lado tem o Vazio aconchegante. Pra mim já deu a hora. Eu tou pronta pra partir.”

Engoli as lágrimas que ameaçavam pingar de meus olhos.
- “C-Certo...”

- “Existe um último ritual. O verdadeiro poder de Jashin. Venha conosco, essa será a sua última aula.”

- “S-sim, Mestre Kagayaki.”

- “Senhor Kagayaki, estou pronta.”

- “Sim, minha jovem... Não se preocupe, vai tudo dar certo.”

- “Heh, já falei como é estranho como você parece ler minha mente?”

- “Mais de uma vez, cara Nora, mais de uma vez.”

Ali estávamos nós, naquele santuário interno da gruta. Á minha frente, Obaa-chan, sentada naquele pódio, enquanto os outros membros da seita vinham em levas para abraça-la, despedir-se dela, desejar muitos sonhos e bom descanso.

Para eles, a morte nada mais era do que uma passagem para o outro lado. Um longo sono... Enchido de sonhos de tudo aquilo que você mais desejou.

Um descanso final e absoluto.

Em minha mão esquerda segurava uma lâmina – um punhal. Feito de material sólido e reluzente, parecido com a prata, mais muito mais pesado. Joias vermelhas detalhavam o punho da lâmina.

Pesado...

Suspirei profundamente. Kagayaki, como sempre, parecia ler meus pensamentos. Levantou a voz e se dirigiu para os outros seguidores. A tensão era fácil de se sentir no ar.

- “Vazios, Escutem-me! Estamos aqui hoje unidos mais uma vez para dar a despedida final para nossa anciã, que irá partir através do véu da lâmina do aspecto da violência e se juntar ao Vazio em um eterno sonho! Vazios! Saúdem!”

E como em um brado da batalha, todos ali unidos gritavam como um só.

- “Esse é o espirito... A lâmina do Vazio hoje é carregada por nossa mais recente integrante, Nora Kumori, a qual se mostrou ser uma defensora de nossos valores. Com esse golpe, ela será eternamente marcada pelo Aspecto da Violência, marcando a chegada da nova Arauta do Vazio!”

Nesse momento, olhares arregalados e sussurros surpresos poderiam ser escutados...

‘Então é verdade...’
‘Ela finalmente chegou.’
‘Já faz tanto tempo...’
‘Os tempos estão mudando.’

- “Nora... Querida. Você se lembra do ritual.”

- “Sim, Kagayaki, está fixado em minha mente... mas eu estou... ansiosa.”

- “Todos ficam assim, no começo. Não se preocupe, vai dar tudo certo.”

- “Ora bolas, Nora! Venha logo! Eu não tenho o dia todo!”

Com a resmungada da velha Obaa-chan, gargalhadas eclodiam e ecoavam em todo o galpão... Parecia que a mulher ainda era a mesma, mesmo quando a morte estava em sua frente.

- “Sim, Obaa-chan. Claro... Vamos começar.”

- “Vazios!”

E com esse brado, todos ali que nos cercavam se ajoelharam, juntando as mãos e fechando os olhos, com as cabeças baixas. Kagayaki se juntou a eles, me dando um olhar de aprovação e confiança antes de fechar seus olhos.

Obaa-chan me deu um pequeno sorriso, e se deitou no pódio, cruzando as mãos sobre seu peito, fechando os olhos.

- “...Nora, Você pode Começar.”

- “...Sim.”

Respirei profundamente. Me preparei... O que viria a seguir, será que eu seria a mesma pessoa depois? Será que eu conseguiria me manter Nora, ou seria apenas uma máscara para outra pessoa? Qual é o caminho adiante? Tantas perguntas que não podem ser respondidas...

Que a Fortuna, para sempre, estivesse em meu favor.

Estufei meu peito, ajustei minha postura, me coloquei ao lado de Obaa-chan. Ergui minha voz, para que todos ali pudessem escutar ela ecoar!


Saquei a lâmina a que mim foi entregue, e com ela, fiz um corte na mão de Obaa-chan.


Trouxe a mão dela até meu rosto, beijando o corte, ingerindo o sangue.


Fiz um profundo corte em minha mão esquerda, senti a dor pulsar pelo meu corpo. Me abaixei. Com o sangue que pingava ardentemente de minha mão, desenhei um triângulo no chão, e um círculo ao seu redor.


Levantei-me. Me posicionei. Me preparei. Respirei. O momento final aguardava... Com a lâmina firmemente segurada em minha mão, me preparei para o momento final...


E então, finalmente, chegou ao fim.

Forcei a lâmina contra meu próprio peito, cortando fundo, fazendo força para que alcançasse até meu coração...

Dúvidas... Questões... Medo... Pânico! Dor! Dor! DOR!

O que eu fiz!? Por que eu decidi fazer isso!?

O Que havia entrado em minha mente!?

...Eu...

Eu... Eu... Eu abri meus olhos. Eu olhei para baixo. A lâmina firmemente presa contra meu peito. Um calor, calor intenso, queimando vinha da ferida, mas a dor... a dor era apenas a consequência menor. Lentamente, saquei a lâmina do meu peito. Esperei ver sangue jorrar da ferida, mas algumas gotas foram tudo que eu recebi.

Levantei meu olhar. Sobre o pódio, o corpo morto de Obaa-chan. Em seu lábio, um sorriso feliz. Em seu peito, abaixo de suas mãos, sangue corria, manchando suas vestes brancas.

...Ela havia ido como desejava.

Minha mão – Minha mão. Minha mão... Tinha um corte. Minha mão devia ter um corte. Minha mão não tinha um corte... Minha pele... Negra?

Meus braços... Negros. Igual o vazio... Mas... Marcas brancas. Ossos. Minhas pernas também.

Andei para trás, saí do círculo que eu havia criado. As manchas desapareceram. Olhei ao redor.

Kagayaki estava pronto.

- “Calma, Calma. Terminou, terminou.”

Me segurou. Ele sabia que eu estava prestes a desmoronar, mas ele estava ali e me segurou.

Colocou suas mãos sobre meus ombros.

- “VAZIOS! LEVANTEM-SE!”

E com este grito, todos ao redor se levantaram, olhando fixamente para mim, e para o que eu havia feito.

Alguns olhares tristes, alguns olhares amargos, alguns olhares desapontados... Mas nenhum deles eram virados para mim.

Para mim, apenas sorrisos. Como desculpas, como parabenizações, como condolências?

- “Após muitos anos, após muitas falhas, finalmente o Vazio nos recompensou. De hoje, até o dia de sua morte, Nora Kumori faz parte de nós. De hoje, até a eternidade, Nora Kumori faz parte do Vazio. De hoje, até o fim dos Tempos, Nora Kumori...”

Ele pausou. Soltou meus ombros, e se ajoelhou em minha frente. Ao nosso redor, o resto dos seguidores da seita faziam o mesmo.

- “É a Nova Arauta do Vazio.”