Uma pequena chama se acendia, tremulando, lançando luz e sombras dançantes no quarto escuro enquanto iluminava o rosto de duas crianças.

Num tempo antigo, as árvores contavam que-

--Num é assim, onee-chan, a obaa-chan di que é o vento que contava. - corrigiu a mais nova.

— Shii - soltei, exigindo silêncio— Hana, é assim sim, é como a kaa-san contava, ouça a história.

--Eu góto mais quando o vento que conta…

Num tempo antigo, as árvores contavam de uma criança, nascida na madrugada do 25º dia da última lua, com um chakra tão poderoso que fez brilhar a estrela do Norte, e que estava destinado a transformar para sempre aquele mundo. Diziam que a luz derramou-se sobre ele dos céus, projetando uma sombra de mil milhas ao Sul e mil milhas ao Oeste. E que quando se tornasse um homem, reinaria sobre cada centímetro que sua sombra tocou trazendo uma paz de décadas.

A profecia se cumpriu, e todo o território da Primeira Sombra conheceu a paz. Em seu aniversário, quando a estrela do Norte brilhava no céu noturno, a alegria e a tranquilidade transbordavam na Terra, e todos os homens eram felizes. À esta noite, deram o nome de Natal.

--E foram felizes pa sempe?

— Shii, ainda não, deixa eu contar…

Mas a primeira sombra era só humano, com o tempo suas costas se curvaram, seus braços se enfraqueceram e sua sombra encolheu, encolheu… até que chegou o dia em que uma pira foi acesa, e suas últimas sombras dançaram num grande palácio no coração do país. Quando a última sombra dançou, torceu-se e desapareceu, restou apenas o pó, carregado pelos ventos, fecundando as Terras do País do Fogo.

O mundo mudou. E a floresta virgem de outrora experimentou o sangue, e sangrou também, por séculos e séculos. Sangrou por tanto tempo que as pessoas se esqueceram do Natal.

--Ah não, onee-chan, eu não góto dessa história! - Soltou a pequena chorosa, se aproximando do meu colo. Eu a recebi acariciando seu cabelo enquanto a vela flamejante brilhava.

—Paciência, pequena, paciência.

Um dia, um casal de guerreiros descobriu que teriam um filho. Mas a esposa chorou, o marido, desconsolado, perguntou o que podia fazer para dar-lhe a felicidade. Ela chorou ainda mais, maldizendo aquele mundo para o qual teria que trazer seu filho, um mundo de dor e sofrimento. O marido sentiu seu coração se partir vendo a dor de sua esposa, e prometeu a ela que aquela criança conheceria a felicidade.

A irmã mais velha da mulher, no entanto-

--Nee-chan! Não é a irmã, é o irmão!

—Você quer contar a história ou vai me deixar terminar? - a mais nova bufou, aninhando-se de volta em meu colo.

A irmã mais velha da mulher, no entanto, não sentia que os esforços do cunhado eram suficientes e saiu numa jornada, decidida a encontrar a felicidade e presenteá-la para o sobrinho e a irmã. Ela prometeu que não retornaria até encontrar o Natal.

Ela procurou por meses e meses, até os meses se tornarem anos, e os anos traçarem linhas em seu rosto e fios brancos em seu cabelo, sem nada encontrar. Um dia, quando já estava desacreditada-

A luz do quarto se acendeu --Aí estão vocês! Que estão fazendo no quarto escuro uma hora dessas?

--Obaa-chan! Estagou o final da histolia! -- Respondeu Hana contrariada.

--Historia? Ah! Masu-chan, será que pode nos ajudar? O sol logo vai se pôr e se continuarmos nesse ritmo não vai dar tempo!

Sorri —Hai, obaa-chan! -- Beijei a cabeça de Hana — Eu termino a história hoje a noite, tá bem?

--Não! Se num termina agora a irmã vai fica perdida, sem nunca encontra o Natal! Como vai volta pa casa?

—Não se preocupe, ela é uma shinobi muito forte, e também… as luzes à noite vão ajudar a encontrar o caminho.

A família toda estava trabalhando. Alguns construíam com bambus e palhas um pequeno corredor circular coberto, para o caso de chuva ou neve, o centro ficava aberto, ali se empilhavam toras de madeira para a fogueira de mais tarde. Eu ajudava Kotetsu a prender pequenas velas nas janelas, e luzes coloridas nas árvores e telhados. Cada casa exalava um cheiro típico da estação, pinhão, carnes, caldos… até vinho aquecido para os adultos e suco de uva para as crianças. Yume tratava dos coelhos que eu havia conseguido na noite anterior, enquanto Keisha dava uma bronca nas crianças, recuperando uma bandeja de doces que eles sorrateiramente confiscaram da cozinha.

Quando a noite finalmente caiu, a pequena vila da Secundária cintilava, imitando o céu noturno. As crianças corriam soltas, lançando bolas de neve umas nas outras enquanto os adultos se organizavam ao redor da pira de madeira, dedilhando kotos, assoprando shakuhachis e fazendo cantar os taikos com seu som imponente, os casais dançaram e dançaram, até a poeira erguer-se do chão e o suor escorrer pelos corpos. Finalmente, a fogueira foi acesa em meio à vivas animados.

Yume ergueu uma mão, cessando a música. Tomou a palavra, e voz nenhuma, por mais arranhada que a dela estivesse, ressoava mais alto.

–Os antigos contam de um tempo em que a Lua desceu à terra, e apaixonada pela humanidade, deu-lhe dois filhos. Aos seus herdeiros, eu digo, mais uma vez é Natal. – derramando um pó branco nas chamas, fez erguer-se uma fumaça prateada – Esta noite nos juntamos em homenagem aos nossos guerreiros que este ano lutaram e venceram, aos que voltaram e aos que estarão para sempre em nossas memórias. Travamos grandes batalhas neste ano, e juntos vencemos. – Yume, era a obaa-chan em todos os outros dias do ano, mas na noite do dia 24 nos lembravamos de quem ela realmente era. Citando cada um pelo nome, lembrava suas conquistas, arrancando sorrisos orgulhosos dos citados, às vezes também algumas travessuras, e o riso se espalhava ao redor da fogueira. E independente do ano, lembrava a todos quem éramos nós. –A fogueira está acesa, e a palavra é de quem tomá-la.

Os primeiros a falar eram sempre os mais respeitados, shinobis ou não. Suas palavras traziam histórias e lições, desafios, mas à medida que a palavra rodava, tópicos menos urgentes entravam em pauta. Lendas, piadas, e até o jovem Kotetsu jurando, entre risadas e reviravoltas, ter salvado a vida do próprio Kaden-sama na última guerra, sem que nem ele mesmo pudesse deixar de rir enquanto inventava os acontecimentos mais extraordinários que podia imaginar. Enquanto comíamos, alguns falavam das novas vidas que estavam esperando, outros da falta das vidas que perdemos, alguns lembravam histórias antigas, enquanto outros dividiam seus planos para o novo ano. Eu observava Hana correndo de longe, suas brincadeiras com as demais crianças, forçando-a a se aproximar vez ou outra para comer e beber, momentos em que ela apontava para as decorações e pisca-piscas animada, fazendo eu me orgulhar do trabalho de mais cedo. E a vida seguia em frente como as horas do relógio.

E a cada tic do relógio, puxando sobre nós o manto da madrugada, diminuíam o ritmo das conversas, das risadas e das crianças à nossa volta, as famílias se aconchegavam, vencendo o frio pela proximidade.

Hana já estava quase fechando os olhos em meu colo. --Nee-chan… e a irmã? Conseguiu trazer de volta o Natal?

—Na verdade, Hana… Vem, vou te contar o final da história. - Retomei a narração.

Um dia, quando já estava desacreditada, com o coração amargo e o corpo gelado pelos anos de solidão, decidiu voltar para casa.

Ela chegou arrastando os pés cansados pela neve, o corpo pesando os invernos passados, mais alguns passos e avistou o antigo portão que escondia sua vila. Ainda o mesmo. Ainda igual. Que mais permanecia ainda, sobrevivendo às provas do tempo? Ao entrar na aldeia, sentiu um cheiro familiar de pinhão e vinho quente, virava esquinas na mesma ordem que as tinha percorrido em sua mocidade, velas cintilavam nas janelas de todas as casas, e bonecos de neve sorriam pelo caminho, aquelas luzes a envolviam, a aqueciam. Era a 25º noite da última lua.

Quando ela bateu à porta de sua casa, quem abriu foi um rapaz, já moço, de cabelos negros e olhos idênticos aos de sua irmã. A irmã, que espelhava as mesmas marcas do tempo que a mulher carregava, os sulcos no rosto, o branco do cabelo, ao notar quem era, correu para envolvê-la num abraço e derramou lágrimas doces de felicidade. E então comeram juntos, e beberam juntos enquanto a estrela do Norte brilhava no céu noturno, e foram felizes, não só naquela noite, mas por todas as outras que vieram. E as irmãs entenderam, que o que buscavam esteve sempre ali, só tinham se esquecido.

Um instante de silêncio. --Mas… aí veio a paz?

—Não Hana, isso demorou mais algumas décadas para que eles encontrassem, até que uma sombra ainda maior que a primeira ergueu-se no mundo, e com ela uma paz ainda mais duradoura. Mas mesmo antes disso, em toda a 25ª noite da última lua, a terra cintilou, e as luzes lembraram a todos a promessa de um novo mundo, sem guerras e sem tristeza.

Ouvia apenas o crepitar da fogueira agora.

--Não góto dessa história, onee… é muito triste, ela não acha o Natal, não acha a paz…

—Mas ela achou, Hana. Alguns anos são ruins, outros são bons, mas o Natal é sempre o Natal… se estivermos juntas e estivermos felizes, é tudo que importa.

--Eu não entendo… -- respondeu a pequena já de olhos fechados.

—Tudo bem pequena, sem pressa, logo logo vai entender...

Yume sorriu, dando-me um beijinho na cabeça. --Feliz Natal, minha menininha.

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