O sol raiava pela janela do seu quarto e a luz ofuscante ignorou a cortina fina, atravessando-a por entre-furos e seguiu o seu trajeto como se ela nada fosse. Os primeiros raios preencheram o pequeno cômodo do esconderijo, iluminando cada tijolo mau colocado e também aquele jovem que ali tentava prolongar o repouso. O clarão revelou seu corpo esguio, mostrou cicatrizes antigas e também marcas de um castigo auto infligido. Por semanas Ryoma treinou, se forçou ao limite, mas naquela quarta-feira ele decidiu que lhe presentearia com um belo e desmedido descanso. Salvo engano, pois junto com a luz do sol, vieram os sons das espadas que não o deixaram dormir até tarde.

O ritmo no esconderijo era acelerado, e os subordinados de Shishio treinavam de forma exaustiva. Os castigos, treinamentos duros e também o cheiro de sangue... Uma rotina que não mais pertencia ao Jounin infiltrado, mas que ainda o fazia sentir o passado apenas por ouvir cada ruído de dor. Ryoma estava em outro patamar, mas ainda se sentia como uma pobre gema em processo de lapidação. De ouvidos atentos as lembranças borbulhavam, e inevitavelmente ele se questionava se era mesmo merecedor daquele descanso. Ora, se todos ainda treinavam a ferro e sangue, por que ele próprio haveria de não estar entre todos? Afinal, Ryoma passara por uma derrota recente, e nada mais amargo do que uma derrota para confirmar que ainda não era o momento para qualquer recesso.

Assim, Ryoma levantou-se e se vestiu com o kimono antigo, surrado, abandonou as vestes de Jounin e se preparou para se juntar aos demais. O baixinho abriu a porta e tateou as paredes de um corredor, despedindo-se do resto de luz que ainda iluminava o início. Caminhou por entre o esconderijo do seu mestre e com boa memória não errou a maçaneta da porta de saída. Ao força-la, Ryoma a ouviu ranger e também escutou os sons das batalhas e treinamentos ainda mais fortes... E quando pisou seus pés na grama, foi inevitável não perceber os olhares curiosos daqueles que desaceleraram o ritmo para conferir se era mesmo verdade... se era mesmo o precioso Ryoma a trajar aquelas roupas de anos atrás, quando ainda era apenas mais um recruta de Shishio.


- Shishio-sama, eu gostaria de retomar o meu treinamento. – dizia ele com sua voz baixinha, mas precisa aos ouvidos do mestre.

Shishio olhou aquela figura tão enganosa e sorriu orgulhoso de sua obra... frágil à vista plena, trajado de falsa inocência e pequeno como uma criança, mas... em essência... um assassino formidável.

- Hahaha você não tem mais nada a praticar com estes palermas, meu estimado filho. – respondeu com um sorriso cheio de dentes.

Ryoma suspirou e balançou a cabeça em negação.

- E como espera que eu me torne mais forte? Como posso servi-lo dignamente e não falhar mais em minhas missões? – visivelmente incomodado, Ryoma não conseguia deixar para trás o seu revés contra a viúva de Tobirama.

Shishio caminhou até Ryoma e deu sinal para que todos voltassem ao treinamento, e logo seus cães obedeceram sem rosnar. O velho homem tocou em seu ombro e olhou fundo em seus olhos azul-tristeza.

-  Você ainda me é útil, Ryoma-kun. Aquela mulher esta além de suas capacidades... mas você ainda é útil para mim. – disse ao jovem.

Aquelas palavras cortaram-lhe o peito.

“Além das minhas capacidades... eu... ainda sou útil? Apenas isso? Não... eu não aceito isso, eu fui criado para ser a arma perfeita... não posso ser fraco, não mais... ” seu semblante entristecido foi acompanhado de pensamentos tão melancólicos quanto.

Não satisfeito, Ryoma se retirou em direção à uma área arborizada. O Jounin sentou-se sob uma árvore e repousou, observando de longe o treinamento dos demais subordinados.

Quando o relógio indicava meio dia, um forte estrondo pôde ser ouvido por todos. O barulho vinha de uma montanha ao norte, e o balançar das árvores indicava que algo muito grande se mexia por ali. Logo, um ser de tamanho colossal emergiu do verde e bateu suas asas para alcançar os céus. Aquilo parecia ter saído de algum livro mitologia, um réptil enorme de coloração negra, asas que bloqueavam o sol e olhos que mais pareciam esferas de fogo. Seu nome era Viserion, um Dragão antigo que por anos hibernava naquela região.

Todos os capangas e o próprio Shishio interromperam as atividades para vislumbrar o vôo daquele monstro. Impressionados, muitos sorriam e gritavam eufóricos por presenciar o despertar da criatura que só saía para caçar a cada sete anos. A presença de Viserion era conhecida por todos os habitantes da região, e Shishio sempre instruiu a todos para não incomoda-lo. Seu poder estava muito além do que um shinobi poderia lidar, e por isso a ordem sempre foi a de não ficar em seu caminho e jamais enfrenta-lo.

Ryoma levantou o rosto e o encarou até vê-lo sumir no horizonte. Enquanto observava a criatura, uma fagulha de esperança e coragem brotou em seu coração.

“É isso que preciso fazer... eu vou provar para Shishio que sou a sua ferramenta mais valiosa... vou trazer para a nossa mesa o coração de Viserion. Farei isso... farei isso com minhas próprias mãos.” Ele pensou.

Do outro lado do campo, Shishio observava Ryoma com desconfiança, como se pudesse ler os pensamentos do seu filho adotivo.


Durante a noite seguinte, Ryoma não conseguia dormir, e em meio às suas confusões internas, o jovem pegou a lâmina de kusanagi e partiu rumo à montanha mais alta... rumo ao encontro da grande besta alada.

Os detalhes da batalha entre Ryoma e Viserion são muito mais profundos do que se pode descrever neste breve conto, assim como as suas consequências que vão muito mais além do superficial. Aquele acontecimento marcaria o menino do gelo para todo o sempre, e gota de sangue derramada inundaria um rio de histórias que definiriam o futuro de Ryoma no mundo ninja.

O que posso lhes contar é que Ryoma perdeu... perdeu o seu corpo, destroçado por Viserion, e fora deixado aos pedaços em uma poça de sangue... uma lagoa vermelha irrigada por dois líquidos vitais, o sangue de Ryoma e o sangue do Dragão. No entanto, a besta lendária também teve o seu fim, perfurado por inúmeras estacas de gelo que venceram sua armadura natural e rasgaram-lhe os órgãos internos. Aquele embate sem vencedores, no entanto, daria origem a um futuro impactante.

Shishio encontrou o filho moribundo em seus últimos suspiros, e por um momento pensou em dar fim ao seu sofrimento. Porém, um brilho nos olhos e uma palavra mal pronunciada fez ascender a esperança do velho homem, que ao tocar o rosto de Ryoma revelou um afeto que nunca antes fora demonstrado. Mesmo velho e cansado, Shishio tomou o que sobrou do filho em seus braços, carregando seu corpo mutilado pelas matas em direção ao esconderijo de sua organização criminosa. Aos gritos, Shishio chutou a porta da frente e clamou pelos nukenins médicos, além de exigir que outros dois capangas encontrassem um único homem.

- Viktor... me traga Viktor! RÁPIDO! Encontre aquele homem louco e o traga até aqui. Se falharem, não precisam voltar! – ordenou aos dois coitados.

Duas horas depois, Ryoma ainda respirava com a ajuda das técnicas médicas que lhe foram aplicadas, mas seu corpo já estava entrando em colapso. Mas felizmente, o barulho da porta se abrindo abruptamente fez Shishio suspirar aliviado... aquele por quem ele chamou, finalmente havia chegado.

Da penumbra pôde-se ver um humanoide magro, com todo o corpo coberto por uma armadura tecnológica e ao mesmo tempo viva. Aquele ser parecia uma fusão perfeita da tecnologia mais ambiciosa e a magia mais profana... mas não se engane, mesmo vítima dos próprios experimentos, Viktor ainda era um homem.

O cientista e Shishio se olharam por um instante, e Shishio parecia já saber o que Viktor precisava. Ainda cansado, Shishio caminhou até um armário de corpos e abriu uma gaveta que continha um corpo coberto por um pano branco. Viktor removeu o lençol e emitiu um som que talvez representasse um sorriso. O corpo era o de um jovem, tão novo quanto Ryoma, mas algo havia algo diferente naquele cadáver... o cientista forçou suas pálpebras e confirmou o pensamento, descobrindo olhos brancos vazios e sem pupila, característicos de um membro do clã Hyuga.

- Entendo... Shishio, você guardava consigo este tesouro. Bem... vamos fazer isso, então. – falou o homem.

Viktor pediu privacidade para que o processo fosse feito com perfeição, e logo todos saíram da sala. Shishio olhava desconfiado enquanto caminhava até à saída, mas  acatou o pedido do cientista e deixou seu precioso Ryoma em suas mãos.

O procedimento atravessou a noite, e só era possível ouvir o barulho de máquinas e impulsos elétricos eclodindo sucessivamente, mas ao nascer do sol a porta daquela sala se abriu. Shishio foi o primeiro a avançar na direção do cômodo que agora estava escuro. Ele alcançou o interruptor e arregalou os olhos quando as luzes se acenderam.

Lá estava Ryoma, sentado de olhos abertos em uma maca, mas a sua nova aparência nada tinha em comum com o seu antigo corpo. Ryoma agora parecia exatamente como Hyuga Shinzo, o verdadeiro Hyuga que à anos fora assassinado pelos homens de Shishio.

O velho correu para perto do filho e segurou o seu rosto confuso. Ryoma permanecia atônito, inerte, com seus byakugans arregalados e sem dizer uma palavra. Shishio finalmente o abraçou e repousou a mão em sua cabeça, olhando em volta e percebendo que o antigo corpo de Ryoma e o próprio Viktor haviam desaparecido.

Shishio então sorriu e sussurrou...

- Maldito Viktor... eu já devia saber... aquele homem sempre cobra o seu preço, e dessa vez o preço foi o Hyouton. –

A partir daquele dia, Ryoma tinha um novo caminho a traçar, vivendo com um novo corpo e carregando um poder incrível em seus olhos. Tratava-se de um difícil recomeço, mas o apreço demonstrado por Shishio para salvar-lhe a vida, certamente compensaria o esforço de Ryoma para trilhar a sua nova jornada.

Agora, como Hyuga, até onde o pequeno assassino poderá chegar?

RYOMA