—‌ O que faz sozinho aqui, garoto? ‌—‌‌ Senti um certo susto ao ouvir aquelas palavras. Pensava estar sozinho, mas quando me virei me deparei com um homem com metade de seu rosto coberto, dando para ver apenas a parte inferior da mesma. —‌ Eu vim, treinar. ‌—‌ Era estranho conversar com ele, mas aos poucos me sentia mais calmo. —‌ Não seria melhor treinar dentro da vila? ‌—‌‌ Balancei a cabeça negativamente, com um olhar um tanto triste. —‌ Não o que eu quero treinar. ‌—‌ Ele sinalizou para que eu me aproximasse um pouco mais, e quando o fiz ele demonstrou uma certa surpresa. —‌ Ah, já te vi há um tempo atrás. Você é aquele garoto que derrotou alguns nukkenins. ‌—‌‌

Não tinha como negar, senti um leve frio na espinha ao ouvir aquilo. Apenas sinalizei que sim para ele, vendo o senhor se sentar pouco depois. —‌ Agora entendi. Não consegue controlar o seu poder, não é mesmo? ‌—‌‌ Sim, aquele era o motivo de estar ali. Ele não falou como sabia aquilo, mas demonstrou certo conhecimento. —‌ Acho que você quer manter o controle, certo? ‌—‌‌ Meus olhos se fecharam um pouco antes de respondê-lo com um sim. —‌ Bem, creio que eu possa te ajudar com isso. Aceita treinar? ‌—‌‌ Balancei a cabeça positivamente, vendo-o suspirar. —‌ Está certo, tudo faz parte da concentração e do contato que você tem com o seu eu interior. Consegue fazer isso? ‌—‌‌ A verdade era que, não sabia dizer.

Já me encontrava sentado naquela altura, com os olhos focados no mais velho. —‌ Então, a primeira coisa é fechar os olhos. Respirar fundo é o segundo passo, dessa forma você consegue se concentrar. Precisa limpar toda a sua mente. Se conectar com o seu interior não é algo fácil. Sinta o vento tocar seu rosto, o cheiro das plantas, o canto dos pássaros, o cheiro da terra e por aí vai. Não perca o foco. ‌—‌‌ Comecei a fazer da forma que o mais velho foi me dizendo,não tendo tanta facilidade em me concentrar graças a uma pequena voz que me incomodava.

Considerações:

Era mesmo tudo muito estranho. Quanto mais focava em meu próprio interior, mais controlado e calmo eu me tornava. Adentrar em um estado zen se tornava cada vez mais simples, mesmo que aquela voz sombria se mantivesse em minha mente. O senhor que me ajudava falava o menos possível, se limitava apenas a alguns poucos conselhos quando via que era necessário, mas nada que me tirasse da concentração. Durante alguns dias retornei até ali, já que o homem me convidou para treinar. Não pude negar, pois queria perder o problema que tinha devido ao poder herdado.

Foram em torno de três dias consecutivos. O primeiro foi algo mais complicado, onde mesmo com o bom clima eu não conseguia me manter tão calmo e quieto, sentindo algumas partes do corpo se movendo involuntariamente como se estivessem vivas. A voz em minha mente também era mais forte, o que certamente contribuia para tal ação da minha parte.

No dia seguinte eu fiz as mesmas coisas, e também não houve tanta diferença assim. No entanto, sentir aquela sensação agradável de estar no meio da natureza, me fazia sentir que estava em casa. Toda aquela pressão em minhas costas aos poucos sumia, e no terceiro dia ela quase desapareceu completamente. Isso não aconteceu, já que uma sombra negra tirou-me da concentração ao aparecer diante de mim. Não literalmente na minha frente, já que eu estava de olhos fechados, mas apareceu para mim.

O resultado de tal aparição foi que as extremidades direita do corpo começaram a tomar uma coloração escurecida, seguindo pouco a pouco para o resto do braço quase alcançando o tronco. Se não fosse o mais velho me ajudando, talvez eu entrasse na transformação sem nem mesmo perceber. Não seria bom, é claro, mas eu percebia que havia algo acontecendo. Se era bom ou ruim? Isso eu já não conseguia ter certeza, porque sentia que era ambos.

Considerações:

A sensação de estar sendo vigiado se tornou quase que sufocante ao longo dos outros dias. Já se passara uma semana desde que iniciara o treinamento, e não era pelo fato de estar sendo visto pelo senhor que me ajudava. Havia algo a mais, algo em mim mesmo que gerava essa sensação desagradável. Todos os dias em que apareci no meio daquela floresta eu me sentei, e procurei me concentrar o máximo que conseguia. Após o terceiro dia as coisas começaram a ficar estranhas. Meu corpo começava a se transformar sem a minha intenção, e o barulho em minha mente se tornava quase que audível. Era ruim, bem ruim.

Apesar disso, o mais velho estava lá para evitar que as coisas piorassem, e conforme os dias foram passando eu passei a travar uma batalha contra a sombra que aparecia para mim. Ele não precisou mais me ajudar a evitar a dominação do poder sobre o meu corpo, era como se eu estivesse lutando contra uma versão sombria de mim dentro da minha própria mente, e enquanto isso acontecia meu corpo se mantinha transformado parcialmente.

A metade direita do meu corpo se mantinha enegrecida, enquanto a outra se encontrava normal. Dia após dias lutava para não ser dominado por completo, e em alguns eu pensei que perderia. Claro, limpar toda a minha mente e aceitar o que estava acontecendo me ajudou bastante. Fora isso, tinha também o fato de eu não querer desistir de forma alguma. As cenas dos meus amigos morrendo e eu perdendo o controle foram um tipo de âncora para mim, mantendo-me são.

Considerações:

Se tratava de uma luta entre o bem e o mal, a loucura e a sanidade, as duas faces de uma mesma moeda. Só que era estranho, não parecia que algum dos dois iria vencer. Já se passaram duas semanas, e mesmo que eu conseguisse aproveitar todo o clima agradável, junto dos diversos aromas tranquilizantes e os cânticos diversos, não sentia que tinha total controle sobre mim mesmo. Não era tão bom assim, mas até então não tinha perdido o meu eu. O mais velho apenas observava, já tinha me ajudado com seus conselhos e nas vezes em que não permitiu que eu perdesse o controle. Ainda não sabia como era seu rosto, mas também não me importava mais.

Dia após dias os testes de controle eram feitos, e até então nada de ruim ou de bom acontecia. Tinha a certeza de que eu terminaria aquilo com aquele grande defeito superado, mas havia algo estranho. Depois de vários dias em sua companhia, ele então falou. —‌ Você aprendeu a se concentrar, a não perder totalmente o controle. Você está travando uma batalha entre você mesmo. Só que há uma outra coisa, tentar vencer nem sempre é a melhor opção, ou a forma de se ganhar uma luta. Pense nisso. ‌—‌‌ Aquelas palavras foram o bastante, entendi bem o que ele acabara de me dizer.

Fechei meus olhos mais uma vez, e foi então que aquele ser escuro reapareceu na minha frente com um largo sorriso em seu rosto. Não iniciei uma luta, na verdade eu me aproximei dele. Suas mãos pousaram sobre os meus ombros e aquela massa de energia que o cobria passou a se estender em minha direção. Flui através dos meus braços, tomando a metade superior do meu tronco. Aos poucos pegou a parte interior, e somente do nariz para cima ficou livre. Ali eu também fechei meus olhos, e então pensei na mesma sensação que sentia ao receber o chakra natural em meu corpo.

A energia que o ser sombrio emanava começava a adentrar em mim, sendo absorvida pelo meu corpo enquanto eu passava a olhar no fundo de seus olhos vermelhos. Ele se surpreendeu com aquilo, não tinha noção do que estava acontecendo, mas eu podia dizer. Aquele ser era parte de mim, uma parte que eu tentava esconder na profundidade da minha alma. Só que também fazia parte de mim, e eu não queria lhe alimentar. Quando passei a aceitá-lo como a mim mesmo eu entendi, aquele poder era meu e não o contrário. Naquele momento me tornei um, e ao abrir os olhos a transformação tinha se tornado completa. O mais velho estava em pé a minha espera, e tudo o que fiz foi abrir um sorriso satisfeito.

Considerações: