A viagem da garota – agora, ao que tudo indicava, algum tipo de renegada – estava seguindo o curso da aleatoriedade. Não sabia até onde seus pés a levariam, apenas desejava que encontrasse oponentes fortes pelo caminho, nos quais poderia testar sua força. Por alguma razão, sentia que apenas ao entender mais sobre seu poder seria capaz de entender mais sobre si mesma, e assim, quem sabe, descobrir qual era seu nome.

Sem prestar atenção a passagem do tempo, cruzando por florestas e vales, uma hora deu conta que seu caminho estava ficando cada vez mais alto, o que a levou a pensar se não tinha dado meia-volta sem querer e voltado ao País do Relâmpago. Mas não, aquela era uma terra diferente. A neve caia constantemente, a obrigando a usar camadas extras de tecido sobre o corpo.

Passou por pequenas aldeias, que pouco chamaram sua atenção, parando apenas para repor seus suprimentos e comprar mais agasalhos. Até finalmente avistar uma estranha formação rochosa, formada por três montanhas quase idênticas. E foi quando se aproximava delas que avistou alguns estranhos soldados de armadura, mas decidindo os ignorar por completo. Quando passou por eles, entretanto, descobriu que os mesmos não compartilhavam de sua intenção de deixar para lá.

— Alto lá! — Exclamou um dos homens de armadura. Seu porte lembrava o de um guerreiro altivo, esbanjando orgulho. — Em nome de Vossa Alteza, o Shogun, eu ordeno que...


Liberando seu Sakki ao virar o rosto por cima do ombro, a garota fez com que os dois homens recuassem dois passos. Se a poucos instantes mantinham a postura confiante, agora as mãos que repousavam sobre o punho das espadas tremiam, assim como seus joelhos sob o peso das pesadas armaduras.

Mudando a postura para um sorriso, mas sem abaixar a aura de intenção assassina, a garota se virou completamente e deu alguns passos em direção a eles.
— "Vossa Alteza"? "Shogun"? O que isso significa? Por favor, me contem.

— D-d-demônio! — De alguma forma um deles conseguiu se libertar parcialmente dos efeitos do Sakki, puxando sua espada katana e entrando em posição de combate, com a guarda levantada.

A garota deixou sua cabeça tombar levemente por cima do ombro esquerdo, observando, intrigada, as reações do guerreiro. O medo que tomava conta de seu corpo era palpável, tal como ocorreu com os shinobis em Kumogakure; ainda assim, diferente daqueles ninjas, estes estranhos soldados estavam lutando contra os impulsos enviados por seus cérebros ordenando a fuga.

Movida inteiramente por sua curiosidade e infantilidade intrínseca, a garota continuou se aproximando dele, mantendo aquele mesmo olhar e postura maníaca. O homem tremia cada vez mais, tendo seu coração consumido pelo pavor a medida em que a distância entre seus corpos era encurtado. Até que, finalmente, a represa dentro dele estourou, a pânico foi demais para continuar imóvel, e seu instinto primitivo agiu.

— AAAAAAAAAHHHHHHH!

O golpe feio limpo, preciso, mirando exatamente no pescoço da garota. Com sua lâmina envolta por chakra teria sido um corte perfeito e tudo estaria acabado. Mas, assim que estava próximo o bastante para encostar em sua pele, a lâmina do guerreiro encontrou resistência. O som agudo de aço se chocando contra cristal preencheu o vale daquele terra pálida, e já próximos o bastante para se abraçarem os olhos do guerreiro e da suposta criança se cruzaram.

— C-como?

— Assim — com a Kesshō no Yoroi ativada sobre seu corpo, a renegada desferiu um soco contra o rosto protegido do homem. Ela não era fisicamente forte, mas a estrutura sólida da armadura reforçava seu golpe, que foi o bastante para atravessar a máscara do guerreiro e destruir o crânio sob ela.

Com o corpo já sem vido caindo no chão, ela voltou sua atenção para o segundo homem, que ainda estava preso no efeito de seu Sakki. O sorriso demente em seus lábios era tudo que precisava dizer a respeito de suas intenções. Quando ele tentou fugir, ela o alcançou e saltou para cima dele, agarrando uma mão em sua nuca e fazendo sua cabeça colidir de encontro ao chão. O peso extra da armadura de cristal da garota foi tudo que precisou para que a cabeça dele fosse reduzida a uma massa disforme de sangue e miolos.

A renegada olhou então para o caminho marcada na neve, de onde os guerreiros pareciam ter vindo. Os dois foram presas insignificantes, um desperdício de chakra. Mas, será que ao final desta trilha encontraria alguém com quem valesse a pena lutar?
Decidiu que queria descobrir.


A garota sem nome galgava calmamente pelas escadas de pedra da fortaleza da cidade, vendo perfeitamente os samurais que a esperavam lá no topo. A julgar pela forma como tremiam perante seu Sakki, não eram mais fortes do que os dois que havia encontrado ao cruzar as fronteiras desse país.

Um deles, o mais corajoso – ou burro – avançou primeiro contra ela, empunhando sua espada com toda dignidade que um homem apavorado pode reunir. Seu golpe apenas roçou inofensivamente no exoesqueleto de cristal da garota, o desequilibrando pela resistência inesperada. Ela então o golpeou na altura do estômago com o punho envolto por cristal, destroçando sua placa de armadura e atravessando seu tronco com o antebraço.

Sangue espirrou para os lados, manchando suas roupas. Puxou o braço, deixando o corpo do samurai tombar ao chão.

— Se não houver alguém aqui pelo menos dez vezes mais forte do que esse cara, irei pedir que me poupem do trabalho e cortem suas gargantas vocês mesmos nesse momento. Obrigada.  

De maneira tola, os dois guerreiros restantes recusaram sua proposta, reunindo coragem para atacar. Com um suspiro, desapontada pela falta de desafio daqueles sujeitos, ela se concentrou em usar o chakra que saia de seu corpo para cristalizar a umidade do ar ao seu redor em duas estacas, que então foram arremessadas contra a dupla. rápido demais para que sequer tivessem percebido o que acontecera, os cristais os perfuraram na altura do peito, os matando na hora.

Havia restado apenas o portão de ferro entre ela e o interior da fortaleza. Dedicando um rápido olhar para a ornamentação daquela peça, a renegada concentrou chakra em seu punho revestido pela Kesshō no Yoroi e golpeou o metal com um soco. A força do impacto rompeu as pesadas trancas, quase derrubando todo o portão no processo. Sorrindo, com os olhos brilhando tal como uma criança em uma excursão da academia, a garota adentrou no salão admirando a decoração e como era bem iluminado.

— Quem ousa invadir minha fortaleza? — Indagou uma voz grossa vinda lá do fundo. Apenas o notando agora, ela voltou sua atenção para o homem sentado em um trono, ladeado por dois guardas. Todos eles usavam armaduras samurai, mas, apenas julgando pelos ornamentos, ela podia dizer que eram de castas diferentes dos que ela enfrentou lá fora. O homem no trono, principalmente. Sua armadura era vermelho-sangue, com diversos detalhes em negro, decorada com pedras de ônix. — Está perante o Todo-Poderoso Gomi Shogun, Líder Supremo de Tetsu no Kuni, General dos Exércitos. Aclamado Soberano das Três Montanhas. Ajoelhe-se agora, invasora, e lhe concederei uma mortae rápida. Resista, e passará o restante de seus dias miseráveis apodrecendo nas masmorras frias deste castelo.

— Espera — ela balançou as mãos na frente do corpo, pedindo tempo. —, desculpa, eu estava admirando seus vasos. Falou comigo?

— Criatura insolente! Vão, acabem com ela!

Como se fossem a própria alma da obediência, os dois samurais avançaram. A maneira como resistiam bem ao seu Sakki já os colocava em posição superior os demais. Mas quão grande seria essa diferença?

A garota bloqueou o primeiro ataque com o antebraço, e, pela primeira vez, sentiu a força do impacto contra sua defesa. Satisfatoriamente surpresa, deixou um sorriso ainda maior escapar, pensando, enquanto se esquivava do golpe do segundo, se deveria se soltar um pouco mais. Se aqueles eram os dois adversários mais fortes até então, ela gostaria de testar como resistiriam a extensão de sua força.

Deu um passo para trás, deixando a guarda aberta. Interpretando erroneamente como uma abertura, os dois samurais atacaram ao mesmo tempo, dispostos a encerrar aquilo de uma vez. Quando estava a menos de quatro metros de si, a garota enviou um pico de chakra para sua armadura, fazendo com que dela crescessem, em velocidade absurda, diversos espinhos de cinco metros para todas as direções. Pegos de surpresa pelo Shōton: Harinezumi, suas armaduras não tiveram a mínima chance contra a força avassaladora do jutsu da renegada, e seus corpos foram perfurados em múltiplos locais. Com todos – senão a maior parte – de seus órgãos internos alvejados, os guerreiros morreram em poucos instantes após receberem o golpe.

Então, finalmente, o homem no trono se levantou. Com a expressão tomada pela fúria por ter seus guarda-costas massacrados em sua frente como se não fossem nada, ele liberou seu Sakki sobre a invasora, que, ao sentir toda aquela intenção assassina, pela primeira vez ficou verdadeiramente animada.


Ele era rápido, essa foi a primeira coisa que a renegada notou. Seu primeiro ataque chegou até ela sem que a mesma sequer tivesse conseguido vê-lo se mover. A lâmina dele a acertou na altura do peitoral, e, ainda que não tenha atravessado sua defesa, a empurrou para trás.

— Acabei de perceber, você é forte — ela disse, passando a mão pelo arranhão feito na Kesshō no Yoroi. Com o mais divertido sorriso até então, a garota finalmente se colocou em posição de combate, afastando as pernas para formar uma boa base, com a coluna levemente dobrada e as mãos pendendo na frente do corpo.


A luta então se seguiu com mais uma investida do samurai; dessa vez, porém, a garota não quis simplesmente esperar para receber o ataque, e usando sua Kekkei Genkai fez com que o chão entre eles fosse cristalizado, e dele se erguesse um enorme dragão chinês de cristal. O Shōton: Hashō Kōryū avançou de encontro ao homem, e quando seus ataques se chocaram o dela prevaleceu. Era a Sōsai no Ri, a Lógica da Contrabalança, que ela havia estudado antes de sair de Kumogakure.

O impacto jogou o homem para trás, indo a colidir com força contra a parede e o deixando seriamente ferido. Entretanto, com um olhar admirado, ela notou que ele ainda estava vivo. Ela começou a caminhar em sua direção.

— Q-quem é você? — Cuspiu, com sangue escorrendo de sua boca e por entre as placas da armadura.

— É o que eu venho tentando descobrir — disse, enquanto ao seu redor a umidade presente no ar daquele terra gélida era cristalizada em cinco estacas. — Achei que um oponente forte me faria entender mais sobre mim.

Sem dizer mais nenhuma palavra, ela direcionou as estacas contra o homem, que teve o corpo empalado em múltiplos pontos. E, simples assim, estava morto.

A garota olhou para o trono vazio, indo até ele e se sentando, apenas por capricho. Foi nesse momento que ouviu passos, dezenas, talvez centenas, e das portas laterais do salão jorraram um sem-número de samurais. Cutucando sua bochecha esquerda, a renegada se perguntou se deveria matar todos eles também, mas antes que fizesse qualquer coisa um homem se destacou na multidão, caminha à frente dos demais.

— Permita que me apresente — seu modo de falar era refinado, denotando uma origem ou educação nobre. — Sou Nagumi Ogosho, servindo como humilde administrador deste palácio. Servi a Gomi Shogun, e agora suplico que permita que eu sirva a nossa nova Shogun com igual lealdade.

— Ehhh? — Ela não achava ter entendido direito.

— Pelas leis do País do Ferro, aquele que for capaz de derrotar o defensor destas terras em um combate individual terá o direito de reivindicar seu título. Sendo assim, como devemos chamá-la, Vossa Alteza? — Questionou o administrador, com uma mensura respeitosa.

A garota sem nome levou um dedo as lábios, erguendo o olhar para o teto em uma expressão pensativa. De fato, precisava de um nome provisório, ao menos até conseguir descobrir qual o seu verdadeiro. Mas como deveria se chamar? O nome teria que ter algum significado? Um simbolismo especial? Sendo ela mesma a escolher, como gostaria de ser chamada? (Sim, sua aleatoriedade natural a levou a aceitar muito fácil aquela situação).

— Nekoromi... Neko. — Disse, por fim, voltando a olhar para eles com um sorriso. Sim, havia gostado da sonoridade.

— Sua Excelência, a Toda-Poderosa Neko Shogun! — Anunciou o administrador.

Desafivelando as bainhas das espadas e as deixando cair a frente de seus corpos, enquanto se colocavam todos sobre um joelho, as centenas de samurais reunidos no palácio exclamaram, em uníssono o título que por gerações fora passado entre a nobreza de Tetsu no Kuni, e que agora se referiam a kunoichi renegada de Kumogakure:

— Shogun!
— Shogun!
— Shogun!

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