Dias difíceis. Mio jamais teve contato com tamanha dor, pelo menos não até onde conseguia se lembrar. Não era aquela dor física que vinha depois de horas de treinamentos intensos. Não era uma dor ocasionada por ferimentos de batalha. Era uma dor inexplicável, talvez na alma. A sensação era de que alguém estava a apunhalando por dentro com uma kunai. Sem contar o vazio e a tristeza notável em seu olhar.

Soma-se à isso, a insônia. Desde que recebeu a marca da maldição como herança de seu pai, nunca mais conseguiu ter uma noite tranquila de sono. Sempre que fechava os olhos, tinha pesadelos. Nesses, ela era possuída por um demônio com uma longa cauda; perdia totalmente a consciência de si e acabava matando incontáveis pessoas, incluindo aqueles mais queridos por ela. Sem dúvidas, atormentador.

Naquela tarde, a Yamanaka encontrava-se sentada ao lado do túmulo do seu falecido pai adotivo. Desde a sua morte, essa era a rotina da garota. Assim que terminava suas obrigações, ia ao cemitério para deixar algumas flores e conversar com ele. Contava seus medos, suas novas aventuras, como andava sua mãe e coisas outras assuntos que a incomodavam no dia-a-dia. Ali, era o momento e o local que se sentia mais acolhida.

— Sinto muito pela sua perda, Yamanaka Mio. — Ouviu uma voz muito próxima à ela.

A Yamanaka olhou para a direção da voz. Era um homem, aparentemente jovem, com longos cabelos negros e brincos nas orelhas. Vestia-se com um quimono todo preto de mangas longas e calçava chinelos. Seu rosto era belo e gentil. Suas mãos estavam escondidas pelas mangas do traje, mas pareciam estarem sobrepostas à frente do peito.

— Você é? — Perguntou.

— Apenas mais um perdido neste mundo. — Mio levou as mãos à bolsa de armas, colocando-se em posição de guarda. — Calma, calma… não sou um inimigo. Não seria louco de entrar na Folha sem ser convidado, não? — A garota se acalmou. — É triste perder um homem como Nagara. Ele fez coisas incríveis como shinobi, embora algumas deles foram crueis até mesmo para o nosso meio.

— Calado! Meu pai é uma boa pessoa.

— O bem e o mal são relativos, não? Você é boa para sua vila ao eliminar um invasor que certamente traria problemas. Mas e para a familia dele? Será que eles te considerariam uma boa pessoa? — Ele mantinha o semblante sereno. — De qualquer forma, com o passar dos anos Nagara parece ter se redimido e foi capaz até mesmo de escolher como e quando morrer. É curioso que ele tenha confiado tal poder a você, depois de tantos problemas que isso o trouxe. — Revelou as delicadas mãos, apontando o dedo para a marca no peito da jovem.

— Por que você diz isso? — Questionou, intrigada.

— Você sabe o que é essa marca no seu peito?

— Você mesmo já disse, é um poder que meu pai me confiou.

— Só isso? Não sentiu nada diferente? Tem conseguido dormir? — Questionou.

Mio refletiu por alguns segundos. — Eu estou tendo pesadelos todas as noites. Na verdade, é sempre o mesmo pesadelo, todos os dias. Isso tem a ver com esta marca? — Perguntou.

— Sim. Nagara colocou uma maldição em você, esse é o Juinjutsu. Deixa eu ver uma forma mais simples de te explicar isso. — Colocou a mão no queixo e inclinou a cabeça para cima. — Digamos que agora há a aura de alguns demônios dentro de você e que, o tempo todo, eles estão tentando tomar o seu lugar, ou seja, te possuir. Ao dormir, você se torna mais vunerável a vontade deles. Os pesadelos nada mais são do que a materialização dessa vontade. — Passou por alguns instantes em silêncio. — Nesse estado que você está agora, está facilitando as coisas para eles. Tenho certeza que Nagara te alertou dos riscos. Vai mesmo permitir que seu pai morra em vão ou pior, vai querer que a cena dos seus pesadelos se tornem verdadeiras?  

— Não. — Disse quase que sussurrando.

— Eu posso te ensinar a controlar esses demônios. Claro, tudo tem seu preço. Em troca da minha boa vontade em te ajudar, você ficará me devendo um favorzinho.

— Que favor?

— Não sei ainda, mas um dia vou precisar dele. Se estiver mesmo interessada, basta me seguir. — Virou as costas e passou a caminhar à passos lentos.

Decidida, Mio o seguiu. A jovem caminhou o tempo inteiro atrás do estranho, observando cada passo ou gesto com muita atenção. Algo, porém, era estranho. Curiosamente, os passos do rapaz não emitiam nenhum som. Mas, iria piorar. Quando finalmente chegaram ao destino: uma cabana de madeira que estava caindo aos pedaços ao sul da vila, a porta se abriu sem que ele fizesse nenhum movimento.

O lado interno era tão maltratado quanto o externo. Havia apenas um sofá velho, todo rasgado; um colchão em um dos cantos e uma pequena mesa no centro. O estranhou virou-se para a Yamanaka e esperou que ela falasse alguma coisa.

— Então, como eu faço para controlar isso?

— Bem, é simples. Sua aura tem que ser mais forte que a deles. Mostre que é você quem manda em seu corpo e em sua mente.

— E se eu não conseguir? — Ele riu.

O moreno, novamente, revelou uma de suas mãos, fazendo um meio-selo. — Bons sonhos. — Logo após sua fala, Mio apagou.


— Está tudo tão escuro. Onde é que eu estou? — Olhou todos os ângulos possíveis à procura de qualquer fonte de luz e não encontrou nada. Começou a correr. Correu por incontáveis minutos, até que, ao longe, identificou dois focos de luzes vermelhas piscando em intervalos de segundos. — Finalmente! — Acelerou o passo, precisava enxergar alguma coisa antes que aquela escuridão a sufocasse.

Quando a alcançou, a genin se surpreendeu. As luzes vermelhas eram os olhos de uma figura humanoide cujo corpo era inteiramente preto.

A criatura nada disse, apenas extendeu uma das mãos e fez um sinal para que a Yamanaka a seguisse. Assim ela fez, observando fixamente as costas e a cauda que o ser possuía. A cada passa da jovem, flashes de imagens vinham à sua mente. Em um primeiro momento, ela via o humanoide causando as mortes de algumas pessoas, inclusive de sua mãe. Depois, as imagens se repetiram em forma de vídeos e agora não era mais o estranho ser que agia, mas sim Mio.

— Está vendo? Esse é o futuro. Você é fraca, garota. É isso que vai acontecer com todos que você conhece, com todos que você ama e com toda a sua vila. Todos irão morrer… e pelas suas próprias mãos. Eu acho que você não quer isso, não? Então me deixe te ajudar. — A genin estava paralisada e com os olhos fixos em algum ponto aleatório em meio aquela escuridão.

— E como você pode me ajudar?

— Poder. Eu posso te emprestar meu poder, você o quer?

— É claro que eu quero, eu não posso deixar que isso aconteça.

“Não dê ouvidos à ele”.
“Acorde, Mio”.
“Filha”.
“Você é mais forte que isso, não deixe que ele tome seu corpo”.
“Eu te coloquei essa maldição, porque eu sei que você é capaz de superá-la”.

Aos poucos, a Yamanaka começou a ouvir a voz de seu pai, como sussurros. Logo após, ele apareceu bem no ponto em que ela estava olhando. Era possível ver seus gestos de incentivo e que mostravam que ela deveria lutar. A jovem fechou as mãos e voltou seu olhar para o humanoide. Então, correu em sua direção, socando-o e o arremessando para longe.

— Como se eu fosse deixar você me enganar. — Sorriu.


Enquanto isso, na cabana, o rapaz de longos cabelos negros estava sentado sobre sofá olhando para o corpo de Mio. A marca abaixo do pescoço da jovem, aparentemente havia se expandido e estava se espalhando, em formato de linhas que se interligavam, pelo corpo inteiro. Essas linhas queimavam feito fogo.

Além disso, seu corpo exalava uma espécie de chakra em tons de preto e roxo. Era um chakra frio e intimidador. Porém, o estranho parecia não se incomodar com aquilo.

Passados alguns minutos, a intensidade do chakra diminuiu e parou de ser visível. As linhas espalhadas pelo corpo da Yamanaka pararam de queimar e se tornaram negras. Então, ela acordou.

— Simplesmente, esplêndido. Eu sabia que não ia me arrepender de ver isso. — O homem batia palmas, caminhando em direção a jovem. Do meio de suas vestes, ele retirou um pequeno espelho de bolso e apontou para ela. — Você conseguiu, isso significa que meu trabalho está feito. Nos vemos quando eu precisar daquele favor, Yamanaka. — Após terminar sua fala, ele fez outro meio-selo de mão e desapareceu.

Mio, pegou um chiclete em sua bolsa. Sentou-se sobre o pobre sofá e permaneceu ali por muito tempo, tentando assimilar o que aconteceu.