Era noite quando o pergaminho da próxima missão chegou. Nele informava que dois gennins recém aprovados e após cumprirem seu períodos de experiência com missões rank C, Higa Matahachi e eu, teríamos que caçar e eliminar os javalis que perturbavam a floresta a oeste de Konoha. Naquela noite dormi tranquilo e, no dia seguinte, logo cedo, me arrumei rapidamente a fim de sair rumo ao ponto de encontro: portão oeste de Konoha.

Ao chegar no portão, Matahachi já estava me esperando. Nos conhecemos na academia e já fizemos uma missão juntos, nossa primeira. Ele era um jovem magro, esbelto, e de cabelos negros. Os olhos eram bem escuros e seu corte de cabelo não era muito extravagante. Diferente da última vez, hoje ele estava com uma espada na cintura. Notei e perguntei:

- São falsas como as minhas? – desembainhei uma das minhas guardas sem lâminas pra mostrar que minhas espadas eram só “enfeites”.

- Sim! – conforme ele puxou o cabo da katana, mais a lâmina se tornava visível. – Hehehe – ele riu. – Eu vi suas espadas, achei que eram de verdade e achei que eu poderia me dar bem como espadachim. Venho treinando desde então.

- Entendi. Vamos, está na hora de começarmos a patrulha em busca dos javalis.

Sorri por educação enquanto já estava perdido em meus pensamentos sobre meu passado. Koji, Miyamoto-sensei, o renegado...

Logo saímos da vila e começamos nossa busca aos javalis que estavam perturbando a cidade e destruindo as arvores naquele local.

Depois de uma hora de caminhada e busca, encontramos algumas arvores partidas no chão. Claramente haviam sido derrubadas violentamente e não com o uso de machados ou qualquer artifício. Aquilo era obra de força bruta. Matahachi me sorriu amarelo, como quem estava ansioso com aquela situação. Eu não reagi ao sorriso e me aproximei de dois troncos que estavam a menos de meio metro de distância um do outro. Analisei cuidadosamente e vi marcas de presas na base dos troncos, eram como lacerações em carne.

Me ergui e comecei a olhar os outros pontos de mata mais densos pra ver se eles já haviam estado por aquela área. Há uns 50 metros foi possível ver algumas arvores derrubadas. Naquele lugar, eram em maior quantidade. Mesmo de longe era possível chutar que haviam pelo menos uma dezena e meia de árvores no chão.

Percebi que Matahachi estava em pé observando ao redor também. Falei com meu companheiro:

- Matahachi-san, eu acho que eles devem voltar aqui. Não sei porque não estão por perto, mas naquele outro ponto da floresta alí – apontei – eles derrubaram muito mais árvores. Eu acho que eles devem voltar em breve.

- Eu sei... – disse Matahachi com uma voz um tanto trêmula.

No mesmo instante compreendi a postura de Matahachi. Eles já estavam voltando. Ao longe comecei a ouvir galopes firmas num volume crescente. Me virei para observar onde Matahachi estava pousando os olhos e vi: três Javalis vinham em nossa direção. Mas não eram javalis quaisquer. Eles deviam ter pelo menos trinta porcento a mais de peso e tamanho que os javalis comuns. Suas feições também pareciam alteradas. Eu não sou nenhum especialista em javalis, mas ver aqueles três vindo em nossa direção com um foco absurdo, como se sequer percebessem nossa existência. Fora isso, aquela quantidade de saliva que eles despejavam não era normal.

Conforme se aproximavam, vi que um deles era maior que os outros dois. Este devia ser algo em torno de dois terços maior que um javali comum. As presas dos três reluziam ao sol. Como Matahachi e eu estávamos observando completamente parados, ele por ansiedade e eu por foco, os javalis se aproximaram cada vez mais. A pouco menos de dez metros de nós Matahachi mudou de postura e se preparou pra sacar sua Katana. Esse movimento àquela distância assustou os javalis que estavam cegos em seu frenesi até então. Eles correram como se tivessem visto seu pior pesadelo. Sem pensar duas vezes, eu e Matahachi começamos a correr atrás deles na maior velocidade que pudemos.

Foram cerca de sete minutos de perseguição. Fomos tenazes e rápidos, mas aqueles porcos não eram normais. Nós, ninjas principiantes, perdemos essa corrida pra eles. Eu me recostei ofegante em uma arvore e falei:

- Matahachi-san... A gente precisa pegar eles... de... outro jeito... – mal conseguia falar – Não dá pra seguir...

- Fhhhhh... – era o barulho que a respiração de Matahachi fazia – Ssssim... Musashi-kun... Melhor a gente... descansar... e pensar...

Com isso nos sentamos na sombra das árvores que estavam próximas de nós. Foram dez minutos de silêncio pra que pudéssemos falar normalmente sem que parecêssemos à beira da morte. Matahachi começou a falar sobre suas ideias pra podermos emboscar os javalis. Enquanto ele falava acabei percebendo o quanto ele se parecia com Koji. Ainda mais agora que estava acompanhado de uma Katana. É uma formalidade de chamar Koji de primo. Na verdade, ele era meu irmão. Fomos criados assim. Vivemos assim.

Após as explicações do outro ninja, conferi seus planos e adicionei os meus detalhes:

- Então, iremos procura-los de cima das árvores, de forma furtiva e iremos emboscá-los um de cada lado, pra evitar que fujam. De preferência, deixaremos um Bunshin nas outras posições cardinais pra pensarem que estão sem saída, certo? – Esperei o aceno de Matahachi – Certo. Depois disso iremos focar os dois menores e procurar derrubar o grandão juntos.

Meu companheiro confirmou com a cabeça de forma firme. Sua postura já não era mais de medo, ele agora parecida determinado a resolver aquele problema como o ninja que se tornou. Eu pensava exatamente como ele.

Depois dessa conversa, totalizaram 25 minutos de descanso. Isso era o suficiente pra podermos nos locomover tranquilamente de novo. Nos levantamos e aproveitamos que dali em diante, na direção em que os javalis foram, era possível pular de árvore em árvore sem muito esforço, o que evitava barulhos também.

Foi mais meia hora de busca até que encontramos os porcos numa clareira a cerca de 15 metros. Eu olhei para Matahachi que já esperava o olhar. Acenamos afirmativamente um para o outro. Sabíamos o que fazer.

Antes que fôssemos confrontar os javalis, Matahachi e eu descemos das arvores e posicionamos um Bunshin cada um, eu à leste dos javalis e Matahachi a oeste. Rapidamente subimos outra vez nas arvores e nos preparamos pra descer novamente, na posição norte e sul, e enfim confrontar os porcos selvagens. Aquela era uma abertura excelente já que eles estavam confusos por terem fugido de nós e estarem há um tempo sem nos ver. Nosso Bunshins não chamaram a atenção deles, já que estavam virados uns para os outros no centro da clareira.

Quando descemos das arvores e nos preparamos pra atacar, Matahachi lançou uma kunai com Kibaku Fuuda o mais alto possível conforme o combinado. Assim que o selo explodiu, compreendi que era hora de agir. Os javalis se assustaram com o barulho e tentou ir cada um para um canto. Por sorte, os dois menores vieram um em minha direção e outro na direção de Matahachi. O maior deles foi na direção leste – rumo ao meu Bunshin. Há poucos metros ele parou e ficou encarando a minha imagem ilusória. Era tudo que nós precisávamos pra poder lutar em paz com os menores.

Me preparei para o impacto do Javali que vinha em minha direção, já que vi que ele não iria parar e me encarar como o maior fizera. Talvez por não ser altivo como o líder, ele estava totalmente tomado pelo impulso de agir. Respirei fundo e esperei o porco se aproximar. Quando estava há um metro de mim, tentei agarrar suas presas e jogar o peso do meu corpo por cima dele, na intenção de dominá-lo e neutralizá-lo. Porém o javali acelerou um pouco mais do que o calculado e ele conseguiu me jogar para o lado com uma cabeçada. Fui arrastado no chão gramado por alguns metros e fiquei tonto, mas não podia ceder àquele ataque. Ainda era só o começo.

Após a cabeçada o porco me encarava e ciscava o chão, ensaiando a próxima corrida. Eu me levantei e peguei uma Kunai da minha bolsa ninja. Encarei o javali e esperei o momento de agir. Dada hora, ele projetou um movimento mas acabou desistindo por insegurança. Aquela era minha deixa. Mesmo que o porco não se movesse, corri em direção a ele com toda a velocidade que tinha. Meu kimono se esticava no ar enquanto eu me aproximava do porco que agora começou a vir em minha direção para outra cabeçada. Era um animal insandecido, isso estava claro. Mas não era burro, iria tentar a mesma estratégia que deu certo antes. Chegando à mesma distância da última vez, ao invés de fazer o movimento agressivo de tentar montar e dominar o animal, eu simplesmente saltei num mortal e, quando estava de ponta-cabeça, estiquei a kunai, meio ao voo, procurando achar o focinho do javali.

Tive sucesso. Minha kunai se inseriu no crânio do animal logo acima do focinho, abaixo da altura dos olhos. O ímpeto daquele javali foi o que o matou. Com minha kunai perfurando seu crânio e seu movimento contrário, abri um corte até o primeiro terço do torço dele. Seu movimento e força se esvaíram assim como se iniciavam: de uma vez. O animal caiu de lado. Guardei minha arma ensanguentada e conferi se não estava ferido. Vi que não tinha sido perfurado naquela primeira cabeçada e decidi que podia seguir em frente.

Corri em direção onde Matahachi estava e ele estava andando em minha direção, mais inteiro do que eu.

- Tá tudo bem, Musashi-kun? – perguntou

- Sim, foi só uma cabeçada. – Disse com tranquilidade olhando pra ele.

- Então vamos pro chefão.

Meneei com a cabeça e fomos em direção ao javali maior, que ainda estava trocando olhares com meu Bunshin. Subi novamente nas árvores para dar a volta no animal enquanto Matahachi continuava seu caminho rumo à retaguarda do animal.

Depois de dar a volta no javali, esperei Matahachi se posicionar pra descer de onde estava. O olhar fixo do animal em meu clone era sinistro. Era como se olhasse através dele, mas não conseguia ignorar a possibilidade de ter alguém ali de verdade.

Quando meu companheiro estava a uma boa distância do Javali eu desci da árvore justamente sobre meu Bunshin, que desapareceu imediatamente. Aquela cena deve ter sido confusa pro animal, tendo em vista que ele desatou a correr na direção contrária, de Matahachi. Ele já estava preparado pra possibilidade e abriu uma bela base de espadachim, segurando o cabo de sua lâmina, numa postura de Iaijutsu. Aquele era um movimento arriscado. Talvez ele devesse ter derrubado o menor com essa técnica, e provavelmente foi o que aconteceu, dada a confiança do ninja. O grande javali ignorou a postura de Matahachi e foi para cima com tudo.

Antes que meu companheiro pudesse sacar sua katana, o javali o cabeceou, jogando-o para a esquerda. Matahachi bateu seco em uma arvore, soltando um som seco. Ele procurava o oxigênio enquanto corri até ele.

- Você tá bem? – perguntei enquanto mantinha meus olhos fixos no javali que corria em direção ao clone de Matahachi.

Ele acenou com a cabeça e eu o ajudei a levantar. Começamos a correr logo em seguida. Não queríamos deixar ele fugir novamente. Como eu era o mais saudável, corri na frente. Dessa vez fui por meio das arvores, paralelamente ao caminho que o javali estava indo. Ele diminuía a velocidade porque estava vendo a imagem do clone da Matahachi à distância. Isso me possibilitou ultrapassá-lo e da paralela onde estava eu inflei o peito enquanto realizava selos, sem tirar os olhos do animal.

- Katon!! Goukakyuu no Jutsu! – expeli um jato de fogo em direção à lateral do javali.

O fogo tocou o animal que ficou um pouco em chamas. Aquela situação acabou por tirar o resto de sanidade que o grande porco tinha. Ele urrou com a lateral com chamas que consumiam seu pelo e o lesionava. Isso se transformou numa corrida novamente em direção a Matahachi. As chamas se apagaram enquanto o Javali corria. Outra vez Matahachi tentou o mesmo movimento.

- MATAHACHI!! ISSO NÃO VAI FUNCIONAR COM ELE – berrei com toda a força que tinha

O ninja me olhou com profundidade como se dissesse “vai dar certo”. O porco selvagem se aproximou e, como eu estava atrás dos dois, demorei um pouco pra compreender o ocorrido. Por um instante achei que o sangue voando era o do Javali, que havia reduzido a velocidade. Mas em seguida percebi que sua presa esquerda estava atravessando a área abaixo da costela de Matahachi. O sangue escorria colorindo a presa do animal. Com um movimento brusco de cabeça do javali meu companheiro foi jogado para o canto. O javali seguiu alguns metros em trote leve e se virou em minha direção. Sua confiança havia sido majorada.

Sem me preocupar com o javali, corri até Matahachi. Olhei em seus olhos, um pouco baixos, sonolentos. A imagem que vi foi a de Koji desfalecendo no canto daquela estrada, próxima a Konoha. Meu coração estava acelerado. Eu perdi um pouco a noção do que estava vendo e por poucos minutos eu não vi o tempo passar. Essa sensação parou quando Matahachi tocou meu ombro com sua mão ensanguentada:

- Musashi-kun? Tá tudo bem... Que... cara é essa? – Matahachi parecia mais assustado com minha expressão do que com o próximo ataque do javali – Eu nunca te vi assim... Não sabia que você podia fazer uma cara que não fosse a de paisagem. – Riu. Seu riso ajudou a perfuração que teve a expelir um pouco de sangue.

- Você não vai morrer, Koji. De novo não.

Me virei e encarei o porco desgraçado. Peguei uma kunai limpa da minha bolsa de armas com minha mão esquerda. Com o olhar perdido em fúria, focado no animal, peguei a outra kunai, já suja do sangue do javali menor. Imediatamente percebi que minha provocação funcionou. O cheiro do sangue de seu companheiro foi o suficiente pra fazer o porco vir em minha direção.

Ele corria com um vigor que não tinha apresentado até então. Estava enfurecido, assim como eu. Aquela seria uma disputa irracional. Das duas partes. Conforme o animal galopava em minha direção, eu sentia a minha raiva aumentar, tomar conta de mim. Eu ficava mais e mais ofegante. Meu coração batia cada vez mais forte. Bufei com ódio.

Repentinamente, o grande javali diminuiu drasticamente sua velocidade. Isso me desconcentrou. Olhei ao redor e percebi que tudo estava mais lento. Matahachi estava com a mesma feição, mas seus movimentos estavam muito mais lentos. Não podia me preocupar com aquilo naquele momento. Era uma bênção e eu devia aproveitar. O porco estava cada vez mais próximo e eu me preparei para aparar o ataque dele, que vinha numa velocidade muito fácil de acompanhar. Quando ele chegou a meio metro de distância, dei uma passada com a perna esquerda, girando o quadril em um movimento de noventa graus. Durante esse movimento eu me ajoelhei enquanto esticava um braço para baixo e outro para cima, como se formasse uma mandíbula. A kunai da mão direita, ensanguentada, foi com toda a força na laringe do javali. A direita perfurou a parta superior do pescoço. E num urro eu puxei as mãos em direção contrária, abrindo o pescoço do animal de fora-a-fora. O sangue que jorrou permitiu que eu visse algo diferente em meus olhos. Eles já não eram a cor azul profunda de sempre. Eles estavam vermelhos como o sangue que agora cobria minha face. E nele, havia um símbolo que se assemelhava a uma vírgula. Aquele era o Sharingan.

Com o animal no chão, eu me levantei guardando as duas kunais sujas de volta na minha bolsa ninja. Ignorei a presença do animal morto e também o que havia acontecido. Fui em direção a Matahachi ver como ele estava. Sem falar nada puxei seus braços do ferimento e levantei seu uniforme para ver a profundidade do corte. Por sorte, não era profundo.

- Musashi-kun... – chamou Matahachi. Olhei para ele e ele dei um pequeno sobressalto. Deu uma risada – Então você é um Uchiha legítimo mesmo. – Olhou meus olhos com profundidade – Não é muito comum ver um desses hoje em dia.

- Você tá bem? – ignorei a fala dele completamente.

- Tô, tô!

Ele pareceu irritado com aquela preocupação da minha parte. Nesse momento percebi que havia parado de gastar chakra. Havia uma pequena quantidade sendo gasta constantemente, desde a luta com o javali, que eu não tinha percebido até que ela acabasse ali e agora. Me adiantei e peguei fios de aço da bolsa de Matahachi e amarrei os javalis entre si. Com a outra ponta do fio, amarrei em minha cintura. Iria tracioná-los até a vila. Ajudei Matahachi a levantar e o apoiei. Estávamos a cerca de 700 metros da vila. Conferi mais uma vez o ferimento de Matahachi e, de fato, não era profundo. Ele não estava correndo risco. Mas seria bom evitar qualquer esforço. Por isso o apoiei, enquanto tracionava os animais, até chegar na vila.

O guarda do portão nos viu à distância e veio correndo nos ajudar. Ele tentou pegar meu companheiro mas eu disse que preferia que ele desse cabo dos javalis, conforme o Hokage preferisse. Eu mesmo levaria Matahachi ao hospital. Não falei nada durante o caminho até lá, e Matahachi estava muito cansado pra puxar assunto e ser o falastrão costumeiro.

Depois que deixei meu companheiro de missão no hospital e que fui avaliado, fui pra casa. Aquele tinha sido um dia marcante. Foi a primeira vez que senti que era Uchiha. Então aquela era a sensação de usar o Sharingan. Aquele era o poder do Sharingan. Ainda não tinha entendido muito bem o que aconteceu.

Assim que cheguei em casa, tomei um banho e fui para frente do espelho. Me olhei profundamente e não vi nada além dos meus pesarosos olhos azul-marinho. Direcionei chakra para os meus olhos com sutileza e senti acontecer. Minha íris ficou vermelha e ao redor de minha pupila apareceu um aro com a “vírgula” que vi mais cedo. Aquele era o Sharingan. Aquela era uma face de mim que jamais tinha visto.