— Mãe, pega um chá pra mim? Por favor! — berrou o Mizukage do seu quarto, ocupado demais para fazer a bebida sozinho já que cuidava de umas papeladas que não teve tempo de revisar no gabinete. O pequeno Uchiha deixava sua rubrica desajeitada por várias páginas, lendo as letras miúdas e deixando a sua aprovação ou reprovação. Harumi caminhava com a caneca de chá de mirtilo até o quarto do seu filho. Bateu à porta e, mesmo sem Senko consentir a sua entrada, girou a maçaneta e entrou. — Aqui está o seu c... SENKO?! — gritou, vendo o delicado pincel que Senko usava rolar pela mesa e cair no chão. O garoto não estava mais ali.

Quando piscou os olhos, abanando os braços para dissipar a fumaça branca que lhe rodeava, já poderia sentir os calafrios percorrerem seu corpo. Os poros da sua pele alva fechavam-se e os pelos arrepiavam-se. Engoliu seco. Só havia um oceano de animosidade naquele local. O cheiro putrefato dos corpos em decomposição, a figura horrível daqueles cadáveres que conseguia ver ao longe. Pisava em algo viscoso, lama abaixo dos seus pés – quer dizer, o garoto torcia para aquilo ser só lama e não algum resto de estômago animal -, o que obrigava o rapaz a andar em passos longos para não se sujar.

De repente, um bater de asas o assustava e o reconfortava ao mesmo tempo. As penas pretas de um bando de corvos o rodeavam, transmitindo uma mensagem não tão... legal. “Seja bem-vindo a nossa casa!”. Senko “se alegrava” em ver os pássaros que tanto amava naquele lugar sombrio, mas saber que viviam nesse monte horroroso não era algo que o animava.

— Olá, amigos! — Falava, num tom de voz um pouco amedrontado. — Por que me trouxeram aqui...?


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Os corvos continuavam a rondar o garoto de forma muito atípica. Raramente transmitiam mensagens e, na esmagadora maioria das poucas vezes que isso aconteceu, era por iniciativa de Senko que pedia informação do ambiente para ajudar em alguma missão. “Hm... escolhido? Como assim?”. Escolhido pra quê?

— Karasu Sennin? — respondeu, ouvindo a explicação do bando que se transfigurou em sua frente numa figura humana. Estranhamente, o rapaz que representava aqueles corvos na técnica de transformação era bem semelhante ao pequeno Mizukage. Era até estranho para Senko ver no homem feições similares. — Que chakra natural é esse que vocês estão falando? Parece tentador e uma grande honra ser condecorado... o Sábio dos Corvos, mas... quais são esses riscos?

O Uchiha não queria parecer estar recusando ou fazendo alguma desfeita, então, momentos depois de perguntar sobre os perigos dessa tal energia natural, voltou atrás e reiterou a sua posição diante o convite. — Bom, tanto faz se tem riscos ou não... Se vocês acham que eu sou capaz, por todo esse tempo que estivemos juntos, devo confiar em vocês. Eu... eu senti uns meses atrás uma coisa diferente enquanto meditava, algo totalmente diferente, uma comunhão com a natureza. Tem algo a ver? Porque... — ele olhava ao redor, sentindo a pressão negativa que aquele lugar transmitia. Senko não estava confortável naquele meio. — Enquanto meditava, nunca imaginei um lugar assim. Por que tão sombrio?


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Com um ar misterioso, os corvos apenas pediram para que Senko o seguissem e o garoto apenas concordou com a cabeça, replicando os passos da figura humana. O Uchiha mantinha uma respiração um pouco agitada, incomodado com aquele lugar. Claro, já era bem melhor do que antes, com o passar do tempo já ia se acostumando com o breu e a negatividade que aquele lugar transmitia, mas ainda assim...

— Sim, acho que sim, mas... eu pensava que a natureza era apenas feita do calmo e do belo. Isso é tudo tão... diferente do que eu tinha imaginado. — Aquela pressão que sentia era, apesar de diferente – e isso pode até ser uma antítese –, muito semelhante ao que sentiu enquanto esteve meditando no Yoga Magic Resort & Spa. — Eu acho que sinto sim algo que eu já senti antes, mas é completamente o oposto, não sei... estou confuso.

Os corvos estão continuavam a explicar ao rapaz o que aquela energia natural significava. “Sennin Mōdo... interessante. Essa coisa de sábio parece legal, será que eu ganho uma capa? Eu gosto de capas.... Hm, não, isso não faz sentido, essa coisa de chakra natural não deve ter nada a ver com roupas.” O Uchiha sonhava e estabelecia suposições sobre o que eles queriam dizer com atributos, sem ainda compreender tudo o que os corvos tentavam ensinar-lhe.

— QUE?! — berrou, arregalando os olhos num susto. — Como assim me transformar em rocha?! — O menino parou imediatamente de andar.

— Ei, Senko, acho que consegue me ouvir, né? — uma voz masculina excessivamente aguda acessava a consciência do Mizukage, conversando telepaticamente com ele. Era Saiken. — Desde aquele dia não conversamos, mas queria te alertar sobre uma coisa: se você fizer merda aqui e acabar morrendo, eu morro também. Já aconteceu outras vezes comigo e é um saco. Você parece legal, pequeno Mizukage, tome cuidado conosco.

Ficou em silêncio por alguns segundos, pensando no que os corvos tinham acabado de dizer e no alerta que o Saiken tinha acabado de dar. Ele queria realmente fazer aquilo? Arriscaria a sua vida para ser esse tal Karasu Sennin?

— Desculpe... só tive um lapso, vamos continuar. — Pensou no que estava por vir, pensou na tal da Lilith. Ele não podia parar. Se aquilo iria aumentar o seu poder, tinha que continuar, os riscos não importavam.

— Tsc...

Continuando a caminhada, suava frio ao encontrar-se no tal Poço do Inferno. Foi ao fundo da ravina também, determinado a começar o treinamento. — Ok... vamos meditar... — Aquele lugar era o último ambiente no mundo que Senko escolheria para meditar. Horrível, mas... não questionaria.

Então, sentando-se na lama, começou a meditar. Tentou sentir aquela tal energia natural que tanto foi mencionada. A sua respiração ficou mais profunda, seus músculos estavam relaxados e a sua mente estava limpa de pensamentos. Estava em completa paz, mas... as imagens daquela multidão de gente morta, as caveiras, o cheiro de corpos em decomposição começaram a entrar em sua mente. Seu peito começou a doer, a respiração voltou a ficar a agitada e os músculos se contraíram. Senko tentava manter o controle.


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— Não! Não, não, peço desculpas, não era isso que eu queria transmitir! — O garoto sentia-se culpado, não queria que os corvos se sentissem assim. Não os rejeitava, mas... sim, não estava nada confortável. Olhou para baixo, para os crânios atolados na lama, esperando uma resposta. Só ouviu o silêncio.

Alguns minutos se passaram, sem nenhum ruído. O Uchiha aproveitou a oportunidade para refletir nessa dualidade da natureza. “O que ele quer dizer com isso da moeda?”. Senko imaginou o formato de uma moeda de 500 ryous, a moeda de maior valor. De um lado, o numeral gravado em dourado e, do outro, a imagem de uma planta endêmica. Não, aquilo não funcionou. Pareciam dois lados que andavam em harmonia, não conseguia estabelecer alguma comparação com a situação que estava vivendo.

Sentou novamente e se colocou em posição de meditação. Ainda tentava compreender o sentido daquelas palavras. Depois de horas sentado sem nenhum resultado, o Mizukage estava prestes a se enervar. Contudo, parecia ter finalmente compreendido. “Acho que... acho que tem a ver com aquela coisa de Yin e Yang, né? O dia e a noite, a luz e a sombra, o pesado e o leve, a água e o fogo, o Céu e a Terra, o amor e o ódio. A vida e.... a morte.”. Era o que ele ponderava ser. Ao pensar nisso, conseguiu aceitar a natureza como ela é e parar de julgar o ambiente ao seu redor.

— Peço desculpas mais uma vez, mas... eu finalmente entendi.

Permitiu-se. Senko se permitiu sentir o poder da natureza. A energia entrava pelos seus poros e preenchia o seu ser com vigor. Respirando lenta e profundamente, mantinha a sua paz interior na meditação. Passaram-se alguns minutos e, mesmo sem que ele percebesse pelo alto nível de concentração, seu nariz começou a ficar mais pontudo. No mesmo instante, os corvos se aproximaram e começaram a bicar o garoto.

— EI, EI!! QUE ISSO?! Ah... — pode ver o seu reflexo numa poça de água no fundo daquela ravina. O nariz voltava ao normal. “Hm... ok, não posso pegar demais, eu acho.”. — Esqueçam, entendi o porquê. Obrigado pela ajuda.


Sentou-se outra vez e repetiu o processo. E o mesmo acontecia. De novo. De novo. Mais uma vez. Ficaram ali por horas, talvez um dia inteiro. Dois dias. Quase três. Tudo voltava ao ponto de partida.

— Estou preocupado... já estamos aqui faz muito tempo. Tô com uma fome da desgraça e nem sei como minha vila está sem mim, devem estar preocupados. Você tem alguma dica? — perguntou, desesperado, mas logo depois de perguntar, sugeriu algo também. — Talvez eu pudesse fazer alguns clones, não sei. Será que ajuda? Eles sempre fazem o trabalho chato por mim.


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Ao mesmo tempo que os corvos gostaram da ideia de usar o clone, Senko entendia o porquê era tão complicado usar esse tipo de técnica para um treinamento tão árduo quanto esse. Ele sabia que nada poderia substituir o seu próprio esforço, e ele pensava que esse não era o problema. “Bom... desde sempre, tudo o que eu fiz com o meu clone acaba sendo passado por mim, será que...”. Ele se assustou, mas decidiu perguntar primeiro. — Olha, isso que dizer que se o meu clone virar pedra... eu também irei, não é? — Por um momento, o Mizukage desistiu da ideia.

Ficou alguns minutos em silêncio, refletindo se devia ou não fazer aquilo. Porém, pelo o que estava vivenciando até ali, se fosse demorar o quanto estava pensando, era um risco que aceitava tomar. — Bom, eu aceito o perigo. Eu vou dar o máximo de mim para isso, espero que me ajudem também. Mesmo sem entender muito, eu quero ser o Sábio dos Corvos. Há anos somos ligados e se acreditaram no meu potencial até aqui, não vou decepcionar agora. Eu vou usar os clones. — Terminou a fala e juntos ambas as mãos para formar o selo especial que realizava o jutsu. — Kage Bunshin no Jutsu!

Três clones se formaram. Sentaram-se em posição de meditação, lado a lado. Exercitando a respiração e a paz interior, Senko entrou num estado quase que alucinógeno, tentando entrar em perfeita calma com seu eu. Sentia que todos os seus clones eram de fatos partes de um mesmo ser, já não sentia as distinções dos corpos físicos. Quando os clones apresentavam sinais de transformações os corvos prontamente bicavam até eles serem dissipados e Senko fazia outros.

Depois de longas horas imobilizado, era como se Senko fosse cego, surdo e mudo. Só havia silêncio, concentração. O bom é que ainda havia o tato. Sentia novamente a energia natural passando por todos os seus tenketsus, mas dessa vez não tentou rejeitar, procurou apenas o equilíbrio entre a sua profunda respiração.

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“Você conseguiu”, as palavras dos corvos despertaram o menino do seu estado de meditação e ele desfez os clones. Calmamente, o Mizukage abriu os olhos e encarou a realidade em sua volta, estava em perfeita comunhão com a natureza. Olhou para o lado na direção daquela pequena poça onde pôde ver o seu reflexo anteriormente e viu que tinha um detalhe a mais em sua aparência: seus olhos completamente negros. Sua íris já era preta, mas sua esclera também já tinha escurecido. Além disso, ganhou uma sombra escura em volta dos olhos. Era engraçado como um shinobi tão pequeno já era capaz de carregar uma energia tão forte e negativa dentro si.

— Obrigado por confiarem em mim. — disse, levantando-se e sentindo a energia natural que corria em seu sistema de chakra.

— Talvez você queira testar suas capacidades. Talvez você se sinta mais forte, ande, tente carregar aquela pedrinha. — Apontaram para uma grande rocha. Se fosse mais cedo, Senko certamente faria uma piada ou debocharia do termo que utilizaram para designar aquele grande objeto. Mas não discutiu, manteve-se sério.

Colocando as mãos por debaixo da rocha, fechou os olhos e respirou fundo. Ao colocar a pressão nos músculos, exalou com força e flexionou os joelhos. — Incrível... — Disseram, observando o Uchiha levantar aquela rocha.

— É importante notar que talvez você consiga sentir os outros seres vivos ao seu redor... você consegue? — Perguntaram.

Não tinha muita coisa viva naquele lugar, mas Senko, mesmo de olhos fechados, era capaz de sentir a presença dos corvos. — Sim... isso é... engraçado. — Ainda estava se acostumando com aquela nova habilidade. — O que mais eu posso fazer?

— Na sua meditação, trabalhamos muito a aceitação dessa energia negativa, das duas faces duma mesma natureza. — Os corvos se aproximaram do garoto. — Você é treinado para resistir à essa realidade. Os seus oponentes... não.

— Entendi... obrigado pela dica. — Senko estava pronto. Virou de costas, procurando a saída, mas antes queria fazer mais uma pergunta. — Só mais uma co... — *Puff* O garoto teve a invocação reversa desfeita e voltou ao seu quarto. A xícara fria estava sobre a mesa. Pela janela, o garoto conseguiria ver a luz vermelha que irradiava da lua.

— Que... que merda é essa? — Durante seu treinamento, o mundo ninja entrava em caos.

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