|クソ野郎





Antes que meus olhos se abrissem, notei que muitos acontecimentos não se encaixavam na rotina comum do meu despertar pela manhã. Era realmente estranho. O sol parecia bem mais claro e quente, como se não houvesse vidro na janela. Da mesma forma, o canto dos pássaros soava tão alto que eles só poderiam estar dentro do quarto. Essa pedra também não era lá muito confortável como travesseiro. Eu disse pedra? Ah, não…

De súbito, sentei-me e abri os olhos, surpreso. Senti todos os meus músculos queimarem com o simples movimento, então me deitei de novo na terra batida, cobrindo os olhos com o antebraço para escondê-los da luz solar.

— Foi um ótimo sono, pra falar a verdade — Comentei para mim mesmo, entendendo o que havia acontecido sem muita demora. Afinal, eu já deveria esperar que em algum momento meu corpo não aguentaria um treinamento tão rígido quanto o que eu estava me submetendo. Na madrugada anterior, por exemplo, dei sequência a mais uma atividade que me aprimoraria a estamina e velocidade, levando-me à exaustão e adormecendo nos arredores do vilarejo, prostrado no primeiro lugar que caí.

Durante a corrida noturna, o breu manteve escondido todo esplendor do topo daquela cordilheira, então no fim ter desmaiado ali havia valido totalmente a pena. Eu adorava aquela vista. Você já esteve sobre as montanhas e se sentiu pequeno ao olhar toda a imensidão? Eu sim, agora. Tão alto sobre o mundo que eu não conseguia ver o fim da descida. Na planície onde estava, era possível observar um cenário composto em sua maioria por pedras, bosques com a vegetação rala e árvores baixas que não forneciam muita sombra. Aquelas eram as famigeradas Terras Altas, como alguns comerciantes gostavam de dizer. A vila próxima às nuvens, onde o vento soprava leve e em paz, silencioso sobre o mundo.

Até que, então, a quietude foi quebrada pela brisa que trouxe um som de choro. Não como o de uma criança, era mais como uma mágoa profunda e sincera. Procurei com os olhos de onde vinha o barulho e encontrei, sobre uma pedra alta próxima a mim, uma ave - era uma galinha? - que cobria seu rosto com as penas de suas asas e se lamentava.

— Porque, ó meu deus? Tão novo! Ele não merecia ter partido tão jovem! — Gritava, dramático. Ao ver que eu me movimentava para colocar o chapéu na cabeça e o fitava com curiosidade, o choro foi deixado de lado —  Ih, qualé. Tu tá vivão, pô? Aí, mó vacilo ficar deitado aí largadão. Achei que tu tava morto, irmão.

A galinha parecia mais feliz agora. E de todas as bizarrices, aquela foi a que mais me surpreendeu: Galinhas podiam sorrir?

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— Que maneiro! — Foi o que expressei, empolgadamente absorto pela existência daquele ser que dirigia a palavra à mim no momento. Agora que eu havia reparado melhor, ele era mais como um... Frango. Sua postura era relaxada e sua fala lenta, como se tivesse andado por algumas plantações duvidosas por aí. Me levantei de súbito, colocando-me em pé e sentindo os músculos arderem mais uma vez, o que trouxe uma feição de desconforto ao meu rosto — Ai, cacete.

— Pô, irmão… Uma hora teu corpo não aguenta mesmo, aí. Acho que tu tá se cobrando demais, tu tem que relaxar meu parceirinho — Ele abriu suas asas, quase imponente o suficiente para eu pensar que ele alçaria vôo, mas na verdade foi só para que ele planasse do topo da pedra para perto de mim — Eu te vi treinando pelas redondezas nesses últimos dias, cara. Mó fita pesada.

Bati a poeira do corpo e do rosto. Era possível ouvir um rio por perto, então coloquei a pequena bag de uma alça só no ombro e fiz menção de começar a caminhada. Foi só então que eu senti a bandagem que agora enrolava minha perna esquerda, protegendo o ferimento - que agora já estava limpo e esterilizado - adquirido no treino anterior.

— Você cuidou de mim quando eu estava desacordado? — Dei um sorriso descontraído e me abaixei para ficar na mesma linha de visão que a ave falante — Você é um cara muito sangue bom. Meu nome é Koda, obrigado pela força.

— Dá nada, rapá. É tudo nosso, sempre! Foguete não dá ré. Tu tava precisando de ajuda e eu só ajudei. Pega nada. Nós, falantes, temos que dar cobertura um pro outro mermão — Eu não entendia muito bem a forma como ele falava, mas seu tom era bastante amistoso. Ele continuou: — Me chamam de Flango, eu até que gosto, aí. Mas me conta, pra onde tu tá indo agora?

— Eu quero continuar treinando. O foda é que eu não vou conseguir me movimentar direito hoje, pelo que você pode ver — Mostrei a limitação dos meus movimentos devido às doces musculares — No momento, não vou preocupar com isso. Só quero achar o rio pra me lavar e encontrar algumas frutas pro café da manhã.

— Pô, irmãozinho… Tu é mó focado, né? E não tá errado não, mas tem outras coisas que você precisa treinar pra ser forte também, cara — Ele começou a caminhar em direção à água e eu o acompanhei — Eu vou ser o maior samurai que esse mundo todinho já viu. Se quiser, a gente pode treinar junto.

— Aí, Flango, quer saber? Eu adorei a ideia.

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