Irako Seigen passeava pelas ruas chuvosas de Amegakure, parecendo não se importar com o grande volume de água caindo. Seus passos eram lentos e sua expressão sempre melancólica, mas para Seigen aquele era um dia razoável. O rapaz queria relaxar, e por isso escolheu um canto escuro em baixo de uma sacada. Seigen se sentou, respirou fundo e observou a chuva engrossar.

O vento gelado passava por sua pele pálida e o emblemático Jonin não movia um músculo, já habituado naquele clima inóspito de Amegakure no Sato. O sopro da ventania limpava a rua junto com a enxurrada que corria com violência, Seigen apenas vislumbrava e imaginava se a água subiria ao ponto de molhar os seus pés, quase como se desejasse aquilo. Era um dia comum, um dia sem problemas, e as vozes em sua cabeça pareciam descansar até então.

Como uma aparição fantasmagórica, um homem de meia idade trajando um sobretudo vermelho apareceu ao seu lado, sentando-se da mesma forma que o Jonin e abrindo um largo sorriso repleto de dentes. Seigen continuou em silêncio, parecendo apreciar a companhia.

– Mais um dia úmido. – disse o homem.

Seigen permaneceu calado.

– Sinto falta do calor do escaldante. – Insistiu aquele senhor.

Seigen continuava flertando com o silêncio.

– Você não sente? – questionou o desconhecido.

Naquele momento Irako Seigen virou seu rosto na direção da sua petulante companhia.

– E como eu sentiria, já que eu nunca saí de Amegakure no Sato? – disse Seigen. – E a propósito, por quê eu não consigo ver os seus olhos, senhor? – perguntou ele.

O homem virou seu rosto para Seigen e revelou orbitas completamente vazias, eram como buracos negros na face de um cadáver. Qualquer um se assustaria na presença daquela criatura, mas diante daquele vislumbre Seigen sorriu.

– Lindos olhos, eu prefiro assim. – Aquela sentença aparentemente simples revelava um traço marcante da personalidade doentia do Jonin. Seigen sorria pela ironia, pois aquela seria uma vítima sem globos oculares para arrancar. Sem tal tentação, talvez fosse possível terem uma boa conversa

O homem cadavérico sorriu. O vazio de seus olhos era quase hipnotizante, dois abismos escuros que contrastavam com um sorriso largo e reluzente. As presas amareladas tilintavam enquanto aquela bizarra figura gargalhava com o comentário de Irako Seigen. Este, no entanto, permanecia apático, pois no fundo o que disse não era de tudo uma piada.

– HAHAHAHA! De fato, jovem Seigen. Meus olhos estão a seu gosto, vazios, assim como acabam os olhos de seus inimigos... porém olhos vazios como os meus não podem saciar a sua fome. Bem... Não como os olhos rubros de Uchiha Sazen um dia lhe satisfizeram, não é mesmo? – Disse o homem em tom de provocação.

Seigen se levantou lentamente, esticando as costas e estralando os ombros.

– Então é disso que se trata? Veio aqui para insultar o meu passado e me fazer abrir outros buracos em seu rosto? Hoje não estou afim de brincar. Você não tem nada para me oferecer, velhote. – Disse o Jonin.

O velho homem, no entanto, permanecia abafando uma incontrolável risada. Suas mãos enrugadas subiam de encontro ao rosto na tentativa de amenizar toda aquela graça que ele sentia. Um encontro de loucos, talvez. A peculiar figura daquele senhor também ergueu seu corpo e continuou a vomitar palavras.

– Eu tenho muito a lhe oferecer, criança... muito mais do que imagina. Mas a pergunta é o que você tem para me oferecer em troca? – disse o velho.

Seigen o olhou de cima a baixo, sem entender a onde aquele homem queria chegar. Lentamente ele virou de costas, dando um passo a diante naquela tempestade, esta que pareceu aumentar o ritmo ao tocar o corpo do shinobi que se preparava para ir embora.

– Não tenho muito para oferecer a ninguém, menos ainda a um desconhecido. O que eu ofereço para as pessoas é sempre a mesma coisa... sangue, desespero e morte. É a minha natureza. Uma bela natureza, não acha? – Disse o Jonin com enfado.

A resposta do velho foi agressiva e imediata. Seu corpo esguio e acinzentado se embaralhou com o manto rubro, turvando-se em uma investida feroz e impassível de reação. O velho avançou num movimento tão rápido que transformou aquele jogo de cores em um vulto escuro enquanto se jogava contra Seigen. Em linha reta. Um único e preciso bote. Como uma serpente feroz e sedenta por sua presa.

Seigen sentiu algo perfura-lo no pescoço. Sentiu subir o frio na espinha que congelou seus movimentos e nublou a visão. Rendido pela furtividade do desconhecido, ele caiu. Sua face tocou o solo molhado de Amegakure, enquanto seus cabelos desgrenhados se ensopavam com a água corrente que por ali passava.

Seria o seu fim?

A dor incapacitante tomou conta daquela alma escura. Seigen se retorcia enquanto a chuva caía em ritmo acelerado, enquanto o homem desconhecido sorria e gargalhava sistematicamente ao passo que o Jonin sofria e se desesperava. Os trovões de Amegakure mal abafavam os sons dos gritos e das unhas que marcavam o chão, e após cada clarão de luz, era possível ver a face aterrorizada de Irako que se deformava em horror.

– Esse é o meu presente, minha criança! É o primeiro passo da sua nova vida, da sua mais nova morte. Nara Jinpachi! Yamanaka Sakuraba! Masato Senju! UCHIHA GENNOSUKE!!! E... é claro... Irako SEIGEN!!! – O velho homem festejava naquele cenário morfético.

Seigen lutava para respirar e manter a consciência. Lutava para não cair naquele abismo.

– Que... o que são esses nomes? Quem são eles!? – Indagou o rapaz.

– Eles? Ah, minha criança... Todos... todos eles são você, e você é todos eles! – disse o velho.

Seigen rasgava a carne do próprio rosto, correndo suas unhas em um rastro de sangue.

– Que... quem sou EU?!? – Perguntou. – Quem sou EU!?!? – Aos gritos ele insistiu.

– Que nostálgico! “Todavia o messias o interrogou: qual é o teu nome?” E ele respondeu de tuas entranhas “O meu nome é Legião, porque somos muitos!” HAHAHAHHA!!!! – O desconhecido se deliciava, gargalhando e saltitando enquanto uma fumaça escura saía do corpo de Seigen, através dos olhos, nariz, boca, ouvido e pelos poros de sua pele gelada. – O inferno também tem seus santos, meu rapaz... e os santos um dia retornam! – disse ele.

– Faça parar!!!!HAHAHAHHA FAÇA!! FAÇA PARAR!!! AHHHHHAHHAHAHAHA! – Em um estado de loucura, Irako Seigen chorava, gritava e sorria. Sem nenhuma noção da realidade ele implorava pelo fim, enquanto ansiava pela continuidade.

– Aproveite o nosso primeiro presente! Comemore a dádiva que lhe entrego... Faça valer e arranque os olhos deles, se lave com o seu sangue e desgrace suas familias! Deixe a loucura fluir... Receba as marcas do mundo atual, os novos estigmas que reverenciam o inferno! Seja instrumento da revolução! Relembre quem tu és! E vá atrás das memórias de Jinpachi, Sakuraba, Masato e Uchiha Gennosuke... se reencontre na vilania e faça Baal sorrir! A primeira marca lhe foi dada! Tengu no Juin... o diabo recebe os céus! Voe para as profundezas, Irako Seigen! –

Tão misteriosamente quanto surgiu, aquele velho diabo desapareceu nas sombras sem deixar nenhum rastro de sua visita. No reflexo da água no chão Seigen viu marcas negras enfeitando o seu corpo, uma trilha de estigmas que pulsavam do negro ao vermelho, como cicatrizes recebidas direto das trevas. Despois de toda dor o Jonin sorria, num misto de loucura e excitação, numa sinfonia de dor e gratidão.

O Juinjutsu estava completo em seu hospedeiro!