A atmosfera úmida da Vila da Chuva é como a dádiva dos domingos, quase anseio por sua vinda. Durante as chuvas, as gotas formam córregos estreitos na beirada das ruas e se entrelaçam com a sujeira, a levando embora. Minha mãe goza até hoje desse poder da chuva, de levar consigo as imundices corriqueiras da semana. Quando era pequeno, costumava ver a chuva da varanda. Eu abria a veneziana e quase cutucava as gotículas d'água com meus olhos curiosos, eu queria saber sobre a chuva, saber como algo assim tinha tamanha importância, era meu pequeno mundinho querendo abrir-se para horizontes que meus olhos saboreavam.
Hoje é tão tempestuoso quanto todas as vezes. Todas as semanas, todos aqui vêem essa chuva, que toca nossas cabeças e escorre até nossos pés, é quase como observar por dentro das gotas meu eu de anos atrás abrindo a veneziana e olhando a chuva cair, simplesmente encantador, uma chuva atemporal e infinda como o oceano. Eu me pergunto se talvez essa chuva seja o pequeno mundinho de nossa Aldeia, querendo expandir seus horizontes para onde nossa vista alcança.
Eu saí de minha casa agasalhado com meu hatori e com minha sombrinha, queria ir até a biblioteca da vila estudar um pouco. Me lembro que meu pai dizia que as memórias são como armas que nunca perdem a afiação, uma pena que eu deteste suas analogias a armas. Eu entro um tanto molhado e atando o aramado do guarda-chuva. Se não me engano, a bibliotecária se chama Asuka Chitsuna. Eu me dirigo até as estantes e começo a procurar por alguns livros de meu interesse. Começo por economia — Sempre quis aprender sobre as ciências econômicas — E parto para livros de estratégias. Reconheço poucos dos títulos que seleciono, mas consigo dizer o quão reconhecidos são. Eu separo uma sacola plástica e vou colocando os livros de meu interesse. Sinceramente, essa quantidade de opções para escolher me traz ansiedade.
Eu alugo as obras e vou as pressas até minha casa, deixando meus sapatos molhados no genkan, pouco antes do vestíbulo. Eu jogo os livros em minha cama e passo o resto da tarde lendo cada um deles ao som das gotas d'água batendo contra a veneziana. Eu mantenho um ritmo de leitura acelerado, concentrando-me enquanto escrevo algumas anotações em meu caderninho para memorizar o conteúdo dos livros. Eu passo o resto do dia deitado em minha cama lendo aquelas obras.
Eu percebo que a noite cai na Aldeia por não ouvir mais aquelas gotas baterem em minha janela com tanta frequência. Eu abro a veneziana e ainda chove, mas apenas uma pequena chuva de primavera. As luzes nos imensos edifícios ascendem como fósforos, é quase uma obra de arte pronta. Eu recolho os livros estirados em minha cama e os coloco organizadamente em uma cômoda próxima dela.
Decido ir até a sala pegar alguma coisa para comer rapidamente. Minha mãe estava bebendo chá ajoelhada no tatami próxima a lareira, aquecendo-se. Eu pego alguns pãezinhos assados deixados em uma cesta por minha mãe.
Eu olho as horas e vejo que em alguns minutos, a biblioteca fechará. Eu volto para meu quarto, recolhendo os livros e os colocando novamente em uma sacola plástica: — Mãe, eu vou sair e já volto! — Eu digo enquanto carrego os livros com a alça em meu antebraço direito e minha sombrinha na mão esquerda.
Eu caminho aos passos ligeiros passa conseguir chegar a tempo, mas correr nunca foi meu forte. Ao chegar, a bibliotecária já estava retirando-se da propriedade: — Senhorita, um momento porfavor! — Digo tentando manter o fôlego e ofegante. Ela nota minha aproximação e me reconhece: — Eu vim devolver os livros, se não se importa. Eu serei breve. — Digo enquanto peço permissão para entrar. Eu coloco os livros em seus devidos lugares nas estantes. Antes de sair eu me curvo para a senhorita Chitsuna que envergonha-se pela cordialidade.
Eu me despeço dela e volto para casa agora, aos passos lentos. É quase místico o quão tocante a chuva é para mim, para minha família, e talvez para todos na Aldeia. Ela acalma ao mesmo tempo que traz ânimo, tão memorável quanto algo jamais visto, é a magia da Aldeia Oculta da Chuva. Talvez da próxima vez eu passe o dia só a vendo cair nos arredores, e talvez eu não contemple-a sozinho, porque aposto que se eu perguntar, a senhorita Chitsuna também assistiu a chuva pela vidraça da biblioteca.