As coisas tinham se tornado estranhas desde o encontro com Inari. Talvez tivesse sido melhor entregar seu corpo para as autoridades do som, mas isso definitivamente não era assunto deles. Se encontrassem seu corpo próximo dos limites da vila ainda assim não poderiam fazer muita coisa. Ele não era um dos nossos afinal de contas.

Naquele mesmo dia eu precisei fazer uma escolha. Não sou o mais apegado do mundo com meus pais e como eu bem sei não precisei de nada deles desde que sumiram — ou morreram, no caso, como bem foi confirmado por Inari. Talvez eu estivesse estranhamente emotivo por ter enfim tido a confirmação de que eles não voltariam, uma mentira que eu me forcei a acreditar desde novo. O ponto é que pela primeira vez em vez em anos eu decidi ir até o nosso porão. Ali era o local onde há muito anos eu movi todos os pertences deles e não toquei em nada desde então, vencendo a curiosidade que me foi ensinada pelos próprios por algum tipo de honra que eu sequer entendia direito.

Eram muitas caixas. Eu lembrava vagamente de como eu tinha separado cada uma delas, mas assim que me aproximei eu notei que tinha as etiquetado. Sempre fui muito organizado, então apenas agradeci ao meu gênio por aquilo já que facilitaria e muito o meu trabalho.

Depois de algum tempo procurando finalmente encontrei as caixas em que separei os poucos resquícios de suas pesquisas que deixaram em casa. Estava tudo muito empoeirado e irritava o nariz. Naquele momento eu desejei não ter trocado a máscara por um chapéu, mas improvisei uma proteção à frente do nariz com uma mão enquanto puxei a caixa com a outra.

Eu abri a caixa assim que que consegui a posicionar no centro da sala. Lamentei quando percebi que muitas das folhas acabaram sendo muito afetadas pelo tempo. Algumas mais destruídas que as outras, mas todas com alguma marca amarelada que indicava a minha falta de cuidado. Minha franja caiu sobre os meus olhos quando inclinei o rosto para frente tentando ver dentro. Quando retirei o cabelo da frente com uma mão, meus olhos bateram num amontoado de folhas presas com um barbante.

Elas estava marcadas exatamente onde o fio passava por elas. Felizmente, a primeira folha e a última eram apenas capas, então sua deteriorização acabou não sendo tão impactante. Eu sabia dos estudos sobre chakra dos meus pais, mas ainda assim me chamou a atenção o nome dado àquele projeto.

— O Vazio.

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Antes de ler tudo com calma eu optei por apenas folhear e me certificar de que todos aqueles papéis estavam em bom estado. Assim que confirmei a real possibilidade de leitura, retornei para a primeira página e comecei a ver tudo com atenção. O Projeto chamado de O Vazio era basicamente o trabalho da vida dos meus pais. Eles se dedicaram aos projetos da organização de que faziam parte, sim, mas aproveitavam os contatos e materiais privilegiados que chegavam em suas mãos para avançar a sua própria pesquisa pessoal. Até onde eu consigo lembrar, o líder antigo — o que veio antes de Inari, que tentou praticamente vender a organização — não se importava que seus colaboradores tivessem projetos paralelos. Muito porque o objetivo da organização era mesmo o conhecimento, e de modo geral eles levavam a pesquisa e suas descobertas como a maior lei entre eles.

Avançando pelas páginas introdutórias, ali estavam expostas informações que também já eram de meu conhecimento: o objetivo do O Vazio era conceber uma forma nova de absorver o chakra de outros seres vivos para diversos propósitos. Meus pais eram bastante idealistas no que diz respeito ao chakra, e acreditavam muito na ideia do Sábio de que o chakra existia para conectar as pessoas. Eles começaram essa pesquisa quando minha mãe levantou a hipótese de que uma troca de energias pudesse ser a forma de aproximar as pessoas novamente. Um trecho específico da introdução citava que o chakra até mesmo carregava memórias. Eles queriam alcançar ao fim de tudo aquilo criar uma forma transcendente de empatia em que todos realmente podem desfrutar dos sofrimentos e alegrias uns dos outros.

Ler aquilo tudo me fez abrir um sorriso bobo. Eles realmente eram pessoas boas e corajosas, mas hoje eu vejo que a sua vontade era por demais utópica. Eles queriam que as pessoas se compreendessem da forma mais profunda possível, mas em um mundo de ninjas algo desse tipo jamais poderia existir sem ser corrompido e transformado em arma. Até mesmo pessoas são transformadas em objetos vivos em prol de disputas por influência, com isso aqui não seria diferente.

Continuei avançando as folhas e ali estavam dispostos termos técnicos demais para que eu pudesse compreender tudo completamente. Alguns trechos específicos eram mais simples, mas aqueles que explicavam toda a interação entre o chakra e a forma que se manifestava me pareceu complexo demais. Eu estava meio que perdendo o interesse naquilo acreditando que todo o restante teria essa linguagem técnica, mas então um símbolo que recentemente se tornou familiar surgiu em uma das folhas.


Era um novo capítulo intitulado "Liberação da Escuridão".

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Ergui minha mão esquerda até a altura dos meus olhos. Eu soube de imediato o motivo daquele desenho nos arquivos ser tão familiar: era a mesma marca que tinha surgido em minhas mãos quando Inari pareceu liberar meus poderes adormecidos. Cerrei o punho e apertei com força enquanto pensava em todo o caminho que trilhei até ali sem ter conhecimento do meu verdadeiro potencial.

Na verdade, eu ainda não tinha a menor ideia do que era aquilo, mas algo dentro de mim parecia me dar um direcionamento. Chame de instinto ou do que quiser, mas eu lembro muito bem da forma que Inari morreu ao meu toque. Para ser sincero, fiquei temeroso de que isso fosse descontrolado de fato. Como médico, se eu não pudesse mais tocar em meus possíveis pacientes então minha carreira provavelmente teria acabado ali. Por isso eu precisava daqueles documentos: tinha que entender tudo que fosse possível sobre esse poder que me foi dado.

Abri a mão novamente e a posicionei ao lado da folha. De fato, era exatamente a mesma coisa. Retornei a leitura, e então começou a explicação do que era aquilo de verdade. A Liberação da Escuridão mencionada no título se tratava de uma kekkei genkai elemental. Percebi então que aquele kanji que entendi como liberação estava mais pra elemento, mas ainda assim não fez muito sentido o que aconteceu com Inari ter sido fruto de alguma manipulação elemental.

O texto pareceu entender a minha dúvida quando explicou que ainda que Meiton fosse um elemento, a maior dificuldade envolvida em reproduzi-lo em laboratório é que ele não funciona de forma muito similar a outros elementos. Não só isso, mas sendo um elemento secundário ele deveria ser fruto da junção de pelo menos outros dois elementos primários, mas estes eram desconhecidos. Uma anotação que percebi ser a grafia da minha mãe dizia que foi muito mais difícil desenvolver o requisito elemental dessa forma abstrata do que realmente criar a sua principal habilidade. Virei a página para ver do que se tratava e então tudo começou a fazer sentido: o Elemento Escuridão tinha como poder absorver o chakra alheio, seja puro ou em forma de jutsus.

Mesmo que eu tivesse suspeitado disso, ter a confirmação de que tal poder agora estava em minhas mãos acabou fazendo minha cabeça doer por alguns instantes. Eu treinei para aprender o Kugutsu no Jutsu e até dois dias atrás era tudo o que eu sabia fazer. Agora meus anos de treinamento tinham sido jogados fora para que um poder que sempre esteve comigo pudesse tomar conta. Eu me sinto grato por ter recebido tal presente dos meus pais, mas naquele momento eu me questionei com muita força se eu não tinha desperdiçado todo o meu esforço até ali. Comecei a rir ansioso em pensar que mesmo odiando me esforçar demais eu o fiz, mas agora teria que começar tudo do zero.

— Maldito seja você, Inari. Espero que esteja pagando por tudo isso no inferno. — reclamei pro vento, embora não acreditasse nessa coisa de céu e inferno. Esfreguei a mão esquerda no rosto antes de continuar a leitura.

Meiton usufruía da uma habilidade incomum chamada Chakra Kyuin e a potencializava. Algumas pessoas especiais tem essa habilidade de se alimentar do chakra de outros naturalmente, e foi a partir dessa habilidade que os estudos dos meus pais conseguiram ter um avanço. Kyuinjutsu era praticamente metade do caminho andado, então quando eles finalmente dominaram os segredos sobre esse poder a pesquisa deu um belo salto.

Mas a Escuridão vai além. “Não apenas absorve chakra”, tinha escrito lá com a grafia do meu pai. “Ela também armazena jutsus que absorva e permite que ele seja lançado de volta em toda sua integridade”, completou ele no trecho seguinte. Eu arregalei os olhos e fiquei encarando esse trecho por vários segundos. Eu não só neutralizo jutsus e me alimento deles, como existe a possibilidade de jogá-lo de volta?

— Mas isso é... Não, não faz sentido. O potencial disso é infinito. Eu posso usar qualquer jutsu? — me questionei em voz alta, para logo em seguida perceber mais anotações avulsas. O Meiton absorve técnicas, sim, mas apenas aquelas de chakra puro e elementais primárias. Além disso, não absorve outras possíveis heranças sanguíneas elementais. Suspirei depois do susto, mas ainda estava completamente impressionado. O potencial disso ainda é incrivelmente avassalador.

O dia se seguiu e eu simplesmente nem comi, tudo por estar completamente imerso naqueles documentos e anotações. Eu precisava entender o que eu tinha em mãos — literalmente —, e quanto mais eu lia mais impressionado eu ficava com aquilo tudo.

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