O dia tinha começado monótono como qualquer outro. Eu estava sentado na mesa da cozinha enquanto a água esquentava da chaleira. Em minhas mãos as correspondências do dia. Abri o jornal de um lado e coloquei as cartas ao lado dele. Enquanto passava envelope por envelope, checando se não existia algum chamado para missão entre os papéis ou alguma conta que talvez eu tenha esquecido de pagar, eu ia intercalado com alguns segundos de leitura do jornal para ficar sabendo de todas as notícias relevantes da vila. Em certa parte, o anúncio de que uma seleção para aulas de Iryouninjutsu estariam ocorrendo em breve. Apesar de ser do meu interesse, dei de ombros. Se era uma seleção, significava que existiria alguma competição, e eu honestamente não estava afim de algo do tipo no momento. Com o aviso sonoro da chaleira tomando conta do ambiente, pude finalmente terminar de preparar meu café.

Enquanto o bebia, virei minha atenção para as cartas. Entre anúncios de lojas e serviços abrindo pela vila e uma ou outra conta, estava um envelope que identifiquei ser da própria vila. Acreditando ser algum chamado de missão eu o abri, e para minha surpresa eu tinha sido um dos selecionados para ter as tais aulas de Ninjutsu Médico. Eu não lembrava de ter me inscrito em nada do tipo, mas aparente a escolha foi feita com base no histórico e não por pedido formal. Acabei supondo que a senhorinha da biblioteca acabou informando o gabinete sobre meus dias estudando anatomia, já que ela sempre estava por lá contratando missões. Fazia sentido, né?

Nesse caso, se já estou dentro, é claro que tenho interesse em aprender técnicas médicas. Eu sempre tenho interesse em aprender, independente do que seja. Que tipo de pesquisador eu seria se desperdiçasse uma oportunidade dessas? Tatsuo seria o professor, e seu nome é tão grande no meio que mesmo sem ter me inserido nele ainda eu posso dizer que já ouvi falar dele. Aprender é incrível, mas aprender com um alguém que realmente sabe do assunto? Aí eu não tenho nem palavras. Terminei de beber o café com um sorriso no rosto, bastante animado para começar o mais rápido possível.

Assim que terminei, sequer lavei as louças que sujei. Apenas as deixei ao lado do dia e terminei de me arrumar, seguindo para fora de casa rumo ao hospital. Eu sabia o caminho, uma vez que realizei uma missão de colheita de material para que os médicos de lá produzissem suas pílulas. Eu estava tão animado com aquilo que sequer coloquei meu capuz, caminhando de forma até que bem apressada para chegar de uma vez. Ajustei minha máscara no rosto, sem sequer entender o motivo de eu estar querendo parecer mais arrumado que o normal. Não é do meu feitio me importar com essas coisas.

Sem saber exatamente para onde eu deveria seguir, parei na recepção. Esperava que pudessem me indicar o caminho correto para que eu pudesse chegar logo no local da aula.

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Entreguei de prontidão o panfleto que provava a minha seleção para aquela aula, e assim que a recepcionista se levantou pedindo para que eu a seguisse, assim o fiz. Ajustei a minha máscara pela segunda vez naquele dia. Usar uma máscara no hospital não seria necessariamente algo estranho, se não fosse o bico alongado que a minha apresentava. De qualquer maneira, eu me sentia mais confortável com ela. Passo a passo, acompanhando minha guia pelos corredores brancos, parecia que eu estava cada vez mais perto de ter algum tipo de revelação. Eu estudei anatomia por pura curiosidade, e tal estudo agora estava me levando para uma aula com um médico renomado. Se alguém me dissesse que algo assim aconteceria, de certo eu não acreditaria. Passei a mão pelo meu capuz, como se fosse colocá-lo, mas balancei a cabeça negativamente e não o fiz. Chegamos enfim em uma sala.

Eu estava um tanto nervoso, sim, o que não é do meu feitio. Ainda assim, ajeitei minha postura e girei a maçaneta quando me foi dada a liberdade para tal. Com a enfermeira atrás de mim, abri a porta devagar e observei brevemente antes de falar qualquer coisa. A pequena luminosidade que adentrou a sala, no entanto, foi o suficiente para denunciar minha presença. Sim, eu tinha visto a placa em cima da porta, eu sei que eu estava prestes a entrar em um necrotério. Não, eu não me sinto estranho por estar em tal lugar. Todo mundo morre, não existe motivo para ficar alarmado por isso.

Com a bronca de Tatsuo, eu curvei um pouco a cabeça e então dei o primeiro passo para o lado de dentro do ambiente. Se minhas mãos estavam suadas, logo começaram e enxugar pelo mero contato com o ambiente frio do lado de dentro. Estreitei um pouco os olhos, tentando bisbilhotar o que residia nos cantos escuros da sala, mas Tatsuo parecia não ter tempo para a curiosidade de um simples Genin.

Ele pediu para que eu me apressasse, e de pronto o obedeci. Apertando o passo para checar mais perto de onde meu provável novo mentor estava, olhei de relance para o corpo esticado naquele mármore. Sucção, ele diz? Eu não tenho a menor ideia do que se trata. Mas sou astuto, assim penso. Eu movo os olhos rapidamente pelo ambiente e procuro algum equipamento que, pela lógica, faça jus ao seu nome. Alguma coisa que tivesse uma bomba acoplada ou que de alguma forma parecesse ser capaz de sugar algo. Durante minha busca, localizei um tipo de pedal no chão e acompanhando a mangueira ligada a ele, cheguei enfim em um equipamento específico. Na minha cabeça, aquele pedal era o que ativava a tal sucção, então peguei o aparelho de onde ele estava disposto e o estendi.

E se quer saber, eu não tenho medo de errar. Como estudioso, eu entendo que o erro é apenas uma etapa do aprendizado. Se pretendo ser aprendiz de alguém experiente, devo esperar que alguns fracassos acontecerão pela jornada.

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Olhei para minhas mãos assim que me foram cobradas as luvas, percebendo que de fato tinha esquecido de vesti-las. Eu bem que gostaria de dizer que o motivo para não estar as usando é porque me apressei com o chamado de Tatsuo, mas eu estaria mentindo. Para ser sincero, aquela era a minha primeira vez em contato de fato com um corpo para ser estudado. Não tenho experiência com essas coisas, e apesar de sempre ver médicos e enfermeiros usando luvas e toucas, eu como aprendiz em sua primeira aula não me toquei de que deveria o fazer. É certo que com o tempo, quanto mais eu me aprofundar nesses estudos, eu vou me acostumando com essas regras que devo seguir. Regras são importantes no fim das contas, e nós como ninjas temos que saber obedecê-las. Se não existissem regulamentos obrigatórios tudo seria uma bagunça... E eu odeio bagunça.

Franzi as sobrancelhas em confusão quando Tatsuo disse que o cadáver era um paciente sem tempo. Inclinei a cabeça olhando para o médico, e então meus olhos seguiram em direção ao corpo desfalecido ali na minha frente. Com a sua risada, voltei a olhar para Tatsuo. Aquilo parecia ser engraçado para ele, mas eu realmente não entendi o que de tão legal tinha no comentário feito. Talvez fosse uma piada, mas eu não sou muito sagaz quando se trata desse tipo de coisa. Normalmente eu riria para não me passar por estranho, mas imagino que, naquele caso, o estranho mesmo seria rir.

— Me chamo Kiseki, senhor. — respondi, com minha voz monótona e abafada pela minha maáscara.

Virei-me de costas e fui em busca das luvas então, aproveitando para pegar também uma máscara adequada — deixando a minha em um canto, guardada — e limpar o meu corpo com álcool, tal qual me foi instruído. Passei o líquido esterilizante por toda a extensão dos meus braços, voltando para próximo de Tatsuo rapidamente. Fiquei observando o cadáver pelos instantes que se seguiram enquanto meu tutor parecia estar fazendo algo com o coração dele. Mesmo de máscara, era fácil sentir o cheiro forte que saía daquele corpo. Apesar de não ser algo que realmente me afetou, ainda assim achei desagradável. No entanto, aproveitei a chance para repassar mentalmente todos os conhecimentos teóricos que aprendi sobre anatomia naquele momento.

Mesmo quando Tatsuo se virou para pesar o coração, eu continuei atento observando aquele corpo aberto bem na minha frente. Embora seus órgãos não mais se movessem, ainda assim a estrutura ainda era fácil de identificar. Comecei a mapear mentalmente cada ponto daquele organismo, nomeando tudo aquilo que eu sabia e repetindo mentalmente tudo isso, junto das funções de cada uma daquelas partes. Meu estudo solitário foi interrompido pela voz de Tatsuo que tinha se aproximado novamente. Com o bisturi estendido em minha direção, ele anunciou que seria minha vez de tentar. Mas eu não sabia o que fazer.

— Nunca fiz isso antes, mas acredito que consigo. — comentei, tomando aquela pequena lâmina por entre meus dedos.

Eu sabia como segurar o bisturi, sim. Mas não tinha experiência o manuseando, muito menos sabia como retirar órgãos são danificá-los. Na minha cabeça, aquilo requeria uma grande finesse, coisa que eu não possuía naquele momento. Ainda assim, apenas respirei fundo e me movi para o lado do corpo. Assim que inclinei minha cabeça um pouco mais para frente, o cheiro forte de antes se tornou ainda mais perceptível. Fechei os olhos por não mais que dois segundos, tentando me concentrar, e assim que os abri minhas mãos já estavam apoiadas no corpo do cadáver. A mão esquerda mais acima, pronta para realizar o primeiro corte.

Apoiando a lâmina com o dedão para ter mais precisão, tentei localizar a traqueia. Não foi difícil, sendo necessário apenas seguir o centro do pescoço até o local. De meus conhecimentos anatômicos, eu sabia que ao final desta, para os dois lados, estariam os brônquios. Se a ideia era remover os pulmões, deduzi então que eu deveria começar cortando ali. Comecei a tremer um pouco, tendo sido necessário respirar fundo para me concentrar e tremer menos. Assim que posicionei o bisturi acima do ponto que achei que era o certo, antes mesmo de realizar o movimento de corte, virei o rosto na direção de Tatsuo esperando por alguma reação.

Se negativa, eu pararia por ali mesmo. Agora, se neutra ou positiva, eu daria prosseguimento ao ato.

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Meus sentidos estavam quase que completamente focados em uma única coisa: realizar a extração dos órgãos que me foi pedido. Por isso, quando Tatsuo faz seu comentário sobre aquilo ser um teste, eu ainda levo alguns segundos antes de processar o fato de que eu não deveria dar prosseguimento. É só quando o bisturi finalmente encosta nos brônquios que eu pareço me ligar no que foi dito, e então recuo. Minha mão esquerda, a que estava segurando a lâmina, repousa ao lado das outras ferramentas quando eu a solto. Meus olhos se movem na direção do médico, ouvindo agora com mais atenção o que ele estava dizendo. Outros vomitariam, ele diz? "É, o cheiro é realmente bem desagradável", concordo mentalmente. Mas acontece que fora isso não existia nada demais naquilo tudo. Provável que isso seja somente minha falta de tato com o socialmente comum agindo novamente... Mas se foi, bom, eu só tenho a agradecer então por ter um traço de personalidade tão incomum.

Agora que não preciso continuar aquela extração, me permito respirar fundo em alívio. Compreendo que aqueles órgãos estavam sendo retirados e guardados para caso alguém precisasse no futuro. Eu odiaria danificar algum deles. O que foi? Posso não ter muitas habilidades sociais, mas ainda tenho meus princípios. Não me parece certo um futuro médico ter uma atitude conformista com um assunto que envolve a vida de alguém. Nos filmes eles costumam tentar até o fim, certo? Então eu deveria prezar por cada etapa desses procedimentos, mesmo uma "por trás dos panos" como esta.

O teste parecia ter acabado. Tomando a dianteira, Tatsuo realizou o procedimento que outrora pediu para que eu fizesse. Dei a volta naquele espaço, indo para o outro lado afim de poder observar de perto e sem atrapalhar meu mentor. Evitando ficar na frente dos equipamentos de iluminação, inclinei meu corpo para frente para observar mais de perto. Parecia ter todo um jeito para realizar tais procedimentos. Percebi que minha intenção estava realmente no caminho certo, mas com certeza eu não conseguiria terminar o ato de forma satisfatória se tivesse dado continuidade. Ainda bem que mantive a calma e não me afobei.

A demonstração continuou com os equipamentos me sendo demonstrados, junto de seus nomes. É claro que conforme Tatsuo ia explicando eu tentei memorizar todas as informações. Me arrependi de não ter trazido um caderno, seria ótimo poder fazer anotações. Como isso não seria possível, tentei apenas manter a atenção para absorver a maior quantidade possível de informações. Provável que eu não lembrasse o nome logo na primeira tentativa, porém a imagem de cada instrumento ficou bem guardada na minha mente. Eu planejava pesquisar cada um deles mais a fundo na biblioteca, quando tivesse a chance.

Quando me foi pedido para costurar o corpo, precisei dar a volta na mesa novamente. Com Tatsuo me auxiliando diretamente sobre a forma que eu deveria segurar a sutura. Segurei a agulha com a mão esquerda da forma que me foi explicada. Passei a linha pela ponta e então pude fazer a tentativa. A agulha de sutura — nome novo que aprendi no momento, tendo sido mencionado por Tatsuo — era diferente de uma agulha de costura pela sua ponta curvada. O médico explicou que essa curva facilitava o processo, pois permitia passa de um lado da pele para o outro em um simples movimento. Ao compreender aquilo, eu pude me inclinar para mais próximo do corpo. Juntar a pele não foi necessariamente difícil, mas me foi explicado que não era só a pele que deveria ser costurada. Várias suturas seriam feitas, começando pelos músculos rasgados para se checar aos órgãos.

Depois de um bom tempo realizando o procedimento sem apressar nada, estava finalizado. Não comentei nada sobre a vida do ninja morto após Tatsuo tentar puxar esse assunto. Não o conhecia, não tinha nada a falar. Mas movimentei a cabeça verticalmente, concordando sobre este ser o fim de todas as pessoas. Isso é tão óbvio e mesmo assim as pessoas tentam fugir de tal destino. Tolas.

Com as coisas concluídas ali no necrotério, era a hora de seguir. Fui até o canto de antes, onde peguei as luvas, e retirei aquelas em minhas mãos para então descartá-las adequadamente ali no lixo. Esterilizei com álcool minha máscara usual, que estava ali do lado descansando, e então segui Tatsuo. Não coloquei a máscara logo no rosto, deixando-a pendurada embaixo do meu queixo.

Mais uma vez nos corredores brancos, evitei questionar para onde íamos. Se Tatsuo não tinha falado nada, deduzi que assim deveria ser. Me surpreendi quando chegamos na biblioteca do hospital. Primeiro porque eu nem sabia que aquele lugar tinha algo do tipo, e como pesquisador não conhecer um lugar assim, na minha cabeça, era um absurdo. Já dentro, me foi pedido para que encontrasse os livros sobre ninjutsu médico. Apesar de nunca ter ido naquela biblioteca em específico, aquele ainda assim era o meu território. Rapidamente fui em direção às prateleiras, passando um dedo pelos livros enquanto procurava pelo título desejado. Com alguma dificuldade pelo peso, reuni quatro livros — sendo um deles enorme! — em meus braços e voltei até Tatsuo.

Uma vez que deveria responder de imediato, sem ter tempo para me informar nos livros, eu tomei algum tempo para organizar os pensamentos. Ninjutsu médico... O nome já diz tudo. Acreditando ter a resposta, ousei externalizá-la.

— Nós aprendemos na academia que podemos fazer diversas coisas com nosso chakra. A maioria das pessoas manipula elementos da natureza a partir dele, eu os utilizo para movimentar bonecos, enfim. Ninjutsu Médico, como o próprio nome diz, deve ser a modalidade de uso de chakra que envolve feitos de cura e bem-estar. — disse, tentando um linguajar mais sofisticado por mais que parecesse estranho uma criança falando assim — Você mesmo disse que o destino de todos é morrer. Porém, como ninjas, é nosso trabalho servir à vila o máximo que conseguirmos. Minha opinião sobre Ninjutsu Médico é que são essenciais para a tarefa shinobi, já que nos permite viver para realizar uma outra missão. — finalizei, por fim, dando no processo também minha visão do que é ser ninja. Já comentei sobre as regras e como as prezo. Um shinobi tem suas regras para serem seguidas, também. Somos uma arma em prol da vila. Se temos a chance de prolongar a nossa saúde afim de sermos mais úteis, então assim devemos o fazer.

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A bibliografia da área de medicina por si só já era bem extensiva, e quando se pensa que existem ainda mais opções quando se utiliza o chakra... Sim, tem muito material para ser estudado. Porém, como alguém acostumado a ler diversos livros, eu tinha meus truques para não me enrolar todo com os títulos que estavam na minha lista. Acenei positivamente para Tatsuo, porém inclinei um pouco a cabeça em confusão quando ele puxou um cigarro. Eu já tinha entendido que ele não era um médico comum, seu jeito foi bem destoante desde o início, mas quebrar uma das regras do hospital assim sem mais nem menos?

Inaceitável. Abri um pouco os lábios, me preparando para falar algo sobre isso, afinal não suporto aqueles que quebram as regras. Mas então ele me cortou, dizendo qual seria minha próxima atividade. Relaxei a boca novamente, desistindo — por enquanto — de reclamar formalmente daquilo. Da mesma forma que era uma regra não fumar naquele ambiente, também era uma regra não ser petulante com seus superiores. Não importava a forma que eu visse tal situação, Tatsuo ainda era alguém de patente mais alta que a minha. As convenções não me permitiam questioná-lo, mesmo que estivesse errado. Visivelmente incomodado por tal dilema, me levantei como se fosse pegar um novo exemplar nas prateleiras, mas apenas quis me afastar dele um pouco. Retornei com um livro qualquer sobre ervas, que repousei ao lado dos outros reunidos.

Foi a vez do próprio Tatsuo se levantar e me trazer alguns exemplares. No fim das contas, diversos títulos estavam dispostos à minha frente, e agora eram muito volumosos. Era óbvio que eu não conseguiria concluir aquele estudo em um dia. Não, eu não conseguiria ler aquilo tudo nem em uma semana. Precisaria de mais tempo. Olhei para Tatsuo, me perguntando se ele entendia isso ou agiria de forma imprudente até mesmo com meus estudos. Sim, eu o achava incrível pela sua trajetória, mas agora vendo mais de perto era fácil perceber que ele não era alguém para se inspirar, sobretudo quanto à personalidade. Mas tudo bem, eu acho, não é como se tivesse mesmo grandes expectativas quanto a outras pessoas. Eu tinha ido até ali aprender ninjutsu médico, e assim seria.

Alguns dias se passaram, e comecei pelos conceitos básicos. Agora com um caderno disponível, realizei diversas anotações e desenhei diversos esquemas que facilitavam a minha compreensão. Ficaram bons até, sempre tive predisposição para desenhar. Um titeriteiro precisa ser habilidoso com as mãos no fim das contas. Quando achei que já tinha aprendido o suficiente, começando pelo conceito básico de conversão do chakra comum para o chakra médico e passando pelas formas de aplicá-lo para os mais diversos ferimentos, marquei de me encontrar com Tatsuo no hospital novamente. Ele disse que faria perguntas ao fim, mas não disse quais. Portanto...

— Estou pronto para responder o seu teste. — comentei, me sentando na mesa que me foi indicada.

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Eu esperava que as perguntas de Tatsuo fossem mais voltadas para a medicina shinobi que realmente assuntos de biologia básica, mas se ele esperava me surpreender com isso... Bom, não conseguiu. Os livros que me foram dados eram bem diversos e falavam de tudo um pouco. Serviu muito para aprofundar meus conhecimentos anteriores sobre anatomia, além de ter adicionado novas noções no meu repertório. Tatsuo fez então sua primeira pergunta que envolvia os tipos de transporte de membrana.

Existindo o transporte ativo e o passivo, o primeiro acontece desgaste de energia, o chamado ATP, uma molécula chamada Adenosina trifosfato que é responsável por fornecer energia. A pergunta que foi feita, no caso, falava sobre o transporte passivo, onde a ATP não está presente, uma vez que não possui gasto de energia para acontecer. Sabendo quais não gastavam energia, eu saberia então qual daquelas opções existia tal gasto. Exemplificando, a difusão simples e a difusão facilitada são transportes passivos, onde não existe gasto de energia. A difusão é basicamente a passagem de substâncias de uma célula para outra, passando pelas membranas destas. Ele ocorre sem esse gasto por causa de um princípio em que o ambiente mais concentrado tende a ceder para o ambiente menos concentrado até que ambos estejam equilibrados. Assim, as substâncias fluem de uma membrana para outra sem precisar gastar ATP, valendo-se apenas dessa reação química. Passei uma mão na testa, jogando a franja para trás. Convicto, ousei enfim responder algo.

— Fagocitose, senhor. — disse, olhando nos olhos de Tatsuo. Eu ainda estava meio decepcionado pelo cigarro da outra vez — ainda que ele não tenha o acendido —, mas ainda era o meu mentor. Deveria respeitá-lo.

A segunda pergunta era sobre contração muscular. Essa pergunta me deixou pensativo, tentando relembrar os assuntos. Os movimentos do corpo acontecem por essa ação de contração dos músculos, quando a actina desliza sobre a miosina. A questão em si era estranha, pois eu poderia falar vários filamentos que em nada tinham a ver com contração muscular e a resposta estaria certa. Porém, baseado nos livros que Tatsuo me entregou, o filamento que era mencionado era a...

— Glicocálix. Ele realiza o conhecimento celular, tem nada a ver com contração muscular. — respondi novamente, desta vez sem tanta convicção assim uma vez que, como dito, existiam diversas respostas. O gligocálix especificamente existe em células eucarióticas (as chamadas células complexas) e sequer é um filamento. Ele também existe nas células estomacais, por exemplo, e sua resistência a ações químicas é o que protege a parede do estômago da ação dos ácidos ali presentes.

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E finalmente estávamos encerrando a parte teórica para enfim ingressarmos na prática. Apesar de ler livros ser a minha atividade favorita, chega um momento em que você se cansa de só ficar no campo das ideias e precisa partir para a ação. Quer dizer, não que jutsu médico seja realmente a modalidade de ninjutsu mais ativa de todas, mas acho que deu pra entender o que eu quis dizer. Eu me aproximei devagar e observei Tatsuo desenhar um diagrama com vários círculos e um triângulo no centro com o kanji para cura ali gravado. Das leituras que fiz até aqui eu sabia que aquilo não era necessário para se realizar um ninjutsu médico, e do pouco que sei de Fuuinjutsu também consigo assumir que aquele não era exatamente um selo de invocação. Apesar de não questionar do que aquilo se tratava, eu assumi que, de alguma forma, aquilo iria facilitar o meu processo de aprendizagem na utilização do chakra médico. Sim, porque eu não tenho a menor ideia de como canalizá-lo.

Me aproximei do polvo e respirei fundo antes de cruzar as mãos acima do seu corpo. Fechei os olhos e me permiti respirar fundo uma segunda vez antes de liberar meu chakra em minhas mãos. Como usuário de Kugutsu, concentrar chakra nas extremidades não é necessariamente um problema para mim tanto quanto é para as outras pessoas. Por isso, assim que comecei a canalizar o chakra ele apareceu de forma visível rodeando minhas mãos, em um tom de azul claro. Por ter um bom controle de chakra, foi nítido para mim quando minha energia pareceu estar sofrendo interferência. Seria o selo especial desenhado por Tatsuo? Não soube dizer naquele momento, porém foi claro quando meu chakra oscilou por alguns segundos para a cor esverdeada. A sensação foi diferente naquele momento, e tentei repetir o processo afim de senti-la novamente.

O polvo parecia ainda não estar sendo afetado durante as primeiras tentativas, mas serviu para eu registrar mentalmente a sensação de quando ele oscilava para o chakra médico. Com isso em mente, tentei me concentrar naquele sentimento e liberei meu chakra mais uma vez. Desta vez, consegui manter ele na versão verde por mais tempo. Levaram alguns vários dias para que conseguir mantê-lo de forma consciente e natural.

Mas isso não era o suficiente, porque só liberar o chakra especial não era a única parte daquele processo: eu ainda precisava saber o quanto de energia deve ser liberada para que o processo não se torna um problema para meu futuro paciente. Percebi que era humanamente impossível ter êxito naquilo de primeira. É, o polvo acabou morrendo de depois de várias tentativas falhas de minha parte. Mas não tinha o que fazer: era tudo questão de me acostumar com aquilo. Foi um grande tentativa e erro, mas no fim deu tudo certo.

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Eu não fiquei decepcionado por não ter dado certo porque, como eu disse, essa etapa não passa de uma grande maratona de erros e acertos. Eu acertei na parte de conseguir canalizar o chakra médico. Tudo certo. Errei por não saber fazer isso de forma eficiente. Sem problema também. O polvo começou a se debater e eu no auge da minha falta de habilidade social apenas continuei olhando para ele com uma expressão de nada no rosto. Inclinei a cabeça observando quando Tatsuo resolveu acabar com o sofrimento do animal, mantendo uma feição despreocupada. Dito isto, estava pronto para a próxima logo em seguida.

O médico veterano desenrolou mais polvos, e ao comentário de ter quantos eu quiser para matar eu acabei sorrindo. Não é toda piada que eu entendo a graça, mas essa parece que atingiu a parte do meu cérebro responsável pelo humor e conseguiu me arrancar alguma reação. Me aproximei então do segundo polvo e cruzei as mãos sobre ele exatamente como antes. O lance é que Tatsuo resolveu dificultar as coisas e fez algo — provavelmente um genjutsu — para o animal parecer um humano. Uma garota, na verdade, que gritava pelos pais em agonia. É bem desconfortável, sim, e olhei para Tatsuo por alguns segundos como quem perguntava "o que você tá fazendo"? Entendi que o conceito era para simular um tratamento de verdade e, sendo assim, respirei fundo de olhos fechados e aproximei minhas mãos da garota.

Seus gritos mais desconcentravam que realmente me afetavam negativamente. Eu não sentia pressão com esse tipo de coisa. Assim como o cadáver que dissecamos no necrotério foi fácil de entender, afinal é o ciclo da vida, eu estou pronto para enfrentar isso aqui de novo. É claro que para ser médico eu preciso de mais acertos que erros. Mas o que posso fazer? Concentrei o chakra novamente, para uma nova tentativa. Estava atento.

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Mantive os olhos atentos à criança gritando enquanto realiza o processo de cura. Ela esperneava, chorava e se debatia, mas isso não retirava meu foco. Quer dizer, não da forma que Tatsuo esperava, porque como não gosto de barulhos exagerados aquilo se tornava bem estressante. Aprendemos na academia que o chakra está diretamente ligado às nossas emoções e que precisamos nos manter estáveis em uma luta, senão vamos ter mais dificuldade de controlá-lo. Eu tentava abstrair o barulho ao meu redor e me focar só no jutsu médico, o que em alguns momentos funcionava mas em outros eu acabava vacilando e o chakra se desordenava. Muito provavelmente o motivo de eu ter tipo algumas falhas ao final da tentativa foi por causa desses pequenos lapsos de concentração que tive.

Se tem uma coisa que aprendi durante aqueles últimos dias tentando usar o chakra médico, essa coisa é que ele não deixa brechas para aqueles que não conseguem ter foco. Estalei os dedos enquanto Tatsuo retirava o polvo de antes e trazia mais dez. Meu olhar passou pela mesa em que eles foram exposto, analisando um por um. Só quando Tatsuo explicou que às vezes precisamos escolher quem vamos salvar eu entendi o que ele pretendia fazer com aquele número elevado. Virei os olhos para os polvos novamente, já antecipando que eu seria alvo do mesmo genjutsu de antes.

E não deu outra.

Se o barulho de uma criança já era chato, imagine o de dez pessoas gritando desesperadamente? O negócio é que por estar de sobreaviso e saber que não são pessoas de verdade, talvez o objetivo de Tatsuo não funcionasse da forma que ele queria. Sim, os gratos atrapalhavam eu concentrar o chakra, mas eu não senti a pressão sobre ter que escolher. Na verdade, não sei se foi por já esperar aquilo ou por não ter mesmo aquele traquejo social. Parando pra pensar agora, é meio estranho alguém como eu ser médico, não é? Não ligo o suficiente para o sofrimento alheio e no entanto estou aqui, aprendendo a amenizá-los. No fim, acho que é isso que me faz ser eu. Não ser igual aos outros é legal.

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A pergunta de Tatsuo me pegou de surpresa, o que interferiu na minha concentração mais do que os gritos — que eu já estava conseguindo abstrair — e me fez interromper a canalização de chakra. Insinuar que ali eram mesmos pessoas e que na verdade ele as disfarçou de polvos e não o contrário foi repentino. Da convivência com Tatsuo nesses últimos tempos, eu não duvidava em nada da sua capacidade de realmente fazer essas coisas. No entanto, eu acredito que seja contra as diretrizes do hospital permitir que um aprendiz que mal sabe usar o chakra médico direito seja responsável por tanta gente. A ilusão era muito convincente, o que facilmente me faria acreditar que de fato aqueles eram pacientes. Por isso, eu me agarro na minha lucidez e crença que de os responsáveis pelos feridos da nossa vila não permitiria que algo tão horrível acontecesse.

Porém Tatsuo esperava uma resposta. Eu penso um pouco, escolhendo as palavras que saíram pela minha boca.

— Se forem realmente pessoas, então eu espero que você assuma tão logo eu faça algo de errado. — eu disse, mostrando saber, sim, que ele como médico veterano era quem deveria me guiar para o caso de serem pacientes de verdade. Nos livros que me foram indicados tudo isso tinha sido explicado, sobre as regras que todo iryounin deve seguir. Tatsuo também estava submetido a elas, mesmo ele claramente não gostando disso.

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Tatsuo entendeu errado o meu ponto, e minha única reação naquele momento foi me virar novamente na direção dos pacientes, de costas para ele, e revirar os olhos. Eu não pedi em momento algum para que ele resolvesse a missão no meu lugar. Eu odiaria que ele o fizesse, aliás. Mas na atual situação que ele colocou em termos que fingir que aqueles eram mesmos pacienteis — porque sim, eu ainda não acreditava na ideia dele de aquilo ser um genjutsu —, eu tentei ser prático. Se ele era o veterano e o mais experiente, em uma situação de verdade seria muito mais adequado ele tomar a frente caso um outro médico menos experiente estivesse em dificuldade. E não porque ele como veterano deve fazer tudo, mas sim porque, segundo o livro que li, a vida de um paciente deveria ser a prioridade e não a mera aprendizagem de alguém.

Foi isso que eu quis dizer, mas acabou me rendendo foi um sermão sobre culpa. Para ser sincero, a única culpa — talvez mais pra arrependimento — que senti na vida foi quando perdi a oportunidade de adquirir uma coleção rara de livros sobre Kugutsu. Fora isso, eu não sou exatamente o tipo de pessoa que fica remoendo esse tipo de sentimento. Melhor, eu duvido mesmo da minha capacidade de senti-lo tanto quanto as outras pessoas. Como eu já disse, a morte é parte do ciclo da vida. É claro que eu não desejo que um paciente morra estando em minha responsabilidade e vou dar o meu máximo para evitar tal coisa. Mas se vier a acontecer, bom, eu com certeza aceitarei a situação como ela deve ser. Sou um ninja no fim das contas. Ninjas não devem se deixar levar por sentimentos.

— Sim, senhor. — respondi com o meu a esse ponto já usual tom de voz monótono. Desta vez, ao invés de cruzar as mãos e concentrar o chakra, eu as posicionei uma do lado da outra afim de aumentar a área que meu chakra médico estava atingindo. Com os dedos quase tocando o peito do paciente, tentei regular minha respiração e manter os olhos focados em um só ponto, para não ter com o que me distrair. Eu estava me esforçando, isso era claro. Uma gota de suor começou a escorrer pela minha testa e descendo pelo lado do nariz, o que me incomodou, embora eu não pudesse parar o tratamento para resolver aquilo.

Simplesmente continuei.

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Não vou dizer que foi fácil conseguir chegar até ali. Foram vários dias — semanas, na verdade! — para alcançar aquele nível ainda básico da modalidade de ninjutsu médico. Ouvir de Tatsuo que meu desempenho tinha sido incrível foi uma grande conquista. É verdade que depois de algum tempo eu tinha perdido um pouco da idolatria que eu tinha por ele — tal qual possuo com qualquer grande estudioso —, mas ele ainda era um dos maiores médicos da atualidade e o seu reconhecimento tem, sim, muito valor. Ainda que eu estivesse bem satisfeito com toda a situação, mantive minha expressão facial séria. Não forçadamente, mas porque mesmo sendo uma nova conquista e eu me sentir realizado, ainda assim não conseguia evitar de não reagir como as outras pessoas. Já vi muita gente mostrar pelo menos um sorrisinho ao conseguir realizar algo que queria muito, como foi meu caso aqui, mas bem... O que posso fazer?

— Obrigado pelos ensinamentos.— eu disse depois de me virar para poder olhar Tatsuo nos olhos. Em meio a uma reverência completa tal qual se faz para professores, eu movi uma mão em direção à máscara pendurada abaixo do meu queixo e a ajustei em meu rosto. Minha característica máscara de corvo, um animal que sempre achei interessante pela sua dualidade: representa a morte e o mau agouro enquanto ao mesmo tempo representa sabedoria e astúcia. As virtudes eram algo que eu tentava ao máximo incorporar na minha carreira como ninja, enquanto a parte negativa eu carregava como uma marca para nunca esquecer de que sou apenas uma ferramenta para a vila que sirvo. Isso é ser shinobi.

Levantei a cabeça então, e com a ordem de Tatsuo me virei em direção à recepção. Em passos curtos, me aproximei da bancada e perguntei sobre a atividade que teriam para mim naquele momento.

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Segui a enfermeira sem falar ou perguntar muita coisa. Eu ainda não me sentia seguro para trabalhar sozinho, isto é, sem a supervisão de Tatsuo ou algum outro veterano me guiando e corrigindo meus erros. Minutos antes eu tinha conseguido concentrar o chakra suficiente bem para não matar o polvo, mas ainda existiam falhas. Sendo assim, eu não achava que seria seguro ser escalado imediatamente para ajudar no hospital. Ainda assim, me encostei na bancada da recepção e expliquei a situação: sobre eu ser o aluno de Tatsuo e que ele me enviou ali para auxiliar nas atividades necessárias.

Uma enfermeira ouviu meu relato e disse que era ela que me esperava. Sendo assim, me chamou para que a seguisse. Apenas acenei positivamente com a cabeça e comecei a seguir. No caminho, aproveitei para ajustar minha máscara no rosto. O corredor branco se seguiu por alguns minutos, no que passamos por diversas salas. Consultórios, algumas portas que levavam aos corredores das salas de cirurgia e até mesmo um ou outro depósito de materiais. Entramos na ala pediátrica, e no mesmo momento eu senti minhas mãos suarem mais um pouco. Eu saberia lidar bem se tivesse que ajudar adultos, mas crianças são outras coisas. Primeiro que eu não tenho muita paciência para crianças — mesmo que eu mesmo seja uma, afinal treze anos não chega nem a ser adolescente ainda —, muito por causa de achar todas muito barulhentas e animadas demais. Não consigo manter o foco em ambientes assim por muito tempo. Pior ainda se for para motivá-las. Porra, logo eu motivando alguém? Se eu falasse a verdade seria apenas para os fazer desistir de entrar na academia de uma vez por todas.

— Então... — eu começo, ajustando luvas imaginárias em minhas mãos — Ser ninja é... Legal. — afirmo, e então levanto o rosto para olhar nos seus olhos. Eu sentia que aquilo era errado. Não, sentia que a forma que eu estava fazendo aquilo era errada, não a ação em si. Teria que corrigir o que disse se quisesse ter sucesso naquela atividade — Não. Não é isto. Vejam, ser ninja é se tornar uma arma para sua vila. Viver para ela. Matar por ela. Não tem nada de legal nisso. É cansativo. É doloroso. Vão ter dias que vão desejar ter escolhido qualquer outra coisa para a sua vida. Mas eu acho que não existe nada mais empoderado que se tornar um ninja apesar das adversidades.

Droga, eu sequer sabia do que estava falando. Eu não acredito nesse discurso. Mas foi exatamente o que meu sensei disse no primeiro dia da academia ninja. Aquilo foi o suficiente para me manter ali naquela sala até o final, quando me formei. Então eu me agarro na possibilidade de funcionar aqui também. Porque eu realmente não dou a mínima para o futuro dessas crianças, se vão ser ninjas ou não. Não saberei o que dizer depois se elas não comprarem esse discurso romantizador do que é um shinobi.

— Vocês podem pegar suas fraquezas e transformá-las em força. Pegar a força que existe dentro de você e aumentá-la ainda mais. Pegar o fogo que um dia te feriu e usá-lo para proteger as pessoas que amam. Aprender a usar as lâminas que os mutilaram para defender aqueles em que acreditam. Isso é ser shinobi. — termino enfim, quase vomitando depois de tanto forçar. Aquilo era patético.

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Aquilo era... Chato. A primeira criança a se pronunciar falou de vingança, e foi só então que eu percebi que esse discurso escolhido pode ser tanto para ajudar alguém a superar suas fraquezas quanto para incentivar alguém a se vingar. Querendo ou não, vingança é um ato impulsionado por uma grande raiva e, por isso, está relacionada a sentimentos. Um ninja não pode ter sentimentos, é a primeira regra de todas. Sendo assim, um ninja não pode se agarrar na mera necessidade de se vingar de alguém para crescer. Para alguém como eu, que segue as regras do mundo shinobi como se fossem mesmo leis, esse tipo de coisa é impensável. Agora, também do meu ponto de vista, a vila tem todo o direito de usar a raiva de alguém para direcioná-la e assim torná-la uma arma a seu favor. Nesse caso, sim, concordo que vingança vale a pena.

A segunda criança mudou o clima da conversa: um ninja mata, e ela não desejava matar. É, ela estava certa. Um shinobi deve obedecer as ordens que lhes são dadas e fazer de tudo em prol da vila. Se lhe for ordenado que mate, pois então que o faça. Começar uma carreira ninja desejando não matar é perigoso. Mas assim como antes, desde que sirvam para os propósitos da vila...

— Um ninja pode fazer o que quiser. Você pode aprender Ninjutsu e trabalhar no hospital, usando seus poderes para ajudar as outras pessoas. — e por incrível que pareça eu acredito nisso um pouco. Claro que se lhe for ordenado matar você tem que o fazer, mas se você quiser pode viver uma vida mais calma focando seus esforços para ser um ninja médico. Eu estou aprendendo isto para usar na linha de frente, mas os livros indicam que são vários usos possíveis.

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