O rapaz aproveitava seus fins de semana quase sempre da mesma maneira. Buscando se divertir, saía por cantos obscuros da vila ao lado de seus amigos, enquanto bebia e dava em cima de qualquer pessoa atraente, fosse homem ou mulher. Era seu principal hobby, praticamente a sua fonte de paz em meio a tantos problemas e memórias frustrantes. Contudo, as coisas pareciam mudar a partir de agora. Sabia, desde que aceitou a proposta do cabeça de tigela, que teria que diminuir alguns de seus hábitos, mas não imaginou que seria forçado a alterá-los completamente. Para sua tristeza, ao invés de bares, teria que passar a frequentar palestras que, ainda por cima, eram de teor motivacional. Faria questão, portanto, de ir até lá embriagado, pois assim conseguiria aliviar um pouco da chatice daquela atividade.

— Essa porra foi um erro... — pensou, enquanto os pés acompanhavam o caminhar de sua equipe. Logo de início, estranhou a vestimenta dos ouvintes. Estavam todos trajados de maneira elegante, com roupas que nunca tinha tido o privilégio de sequer encostar. No entanto, era ainda mais estranha a sensação de ter todos ali olhando para ele. Não era necessário muito poder de dedução para perceber que isso se devia ao que estava vestindo. Embora tivesse usado perfume, muitos que passavam por ele colocavam a mão imediatamente no nariz. Perguntou a si mesmo se o álcool que tinha bebido estava exalando tanto cheiro assim. De qualquer forma, pouco se importava. Os tais engomadinhos seriam obrigados a engolir sua presença ali.

Quando se sentou e a palestra teve início, riu alto durante o discurso inicial, sem se preocupar com a reação das pessoas. O teor exótico de termos como “steakholder” ou “mindset” era engraçado, mas ao prosseguir das palavras do palestrante, passou a prestar cada vez mais atenção, mesmo com o álcool fluindo em seu sangue. Se ele tinha a fórmula para a riqueza, não seria burro e trataria aquilo como algo sério. A vontade de ficar rico era tão grande que chegou a bater palmas também. No final das contas, até que valia a pena trocar uma noite de bebida por uma oportunidade de ouro tão valiosa como aquela. Por mais que achasse seu líder bobo, o cara tinha uma boa noção financeira. Subestimar sua escolha havia sido, sem sombra de dúvidas, o verdadeiro erro.

O álcool continuava a estimular o garoto a dar atenção à palestra, praticamente não notando os murmúrios dos colegas ao lado. Se estivesse sóbrio, era provável que não acreditasse ou mesmo desse importância às palavras do “coach”, mas ficava inocente e emotivo sempre que se embriagava. Sentia, lá no fundo de sua cabeça, a necessidade de alterar seus hábitos, mas gostar e estar viciado neles complicava sua reflexão. De certa forma, não queria assumir a responsabilidade de suas próprias falhas, especialmente por elas terem sido motivadas por um intenso desejo de superar a tristeza. Ser rico, portanto, era algo que lhe atraía, resultando em uma forte curiosidade. Caso possuísse bastante dinheiro, conseguiria ocupar sua mente com o que sempre sonhou, ao invés de desperdiçá-lo com bebidas.

— Eu! — gritou ao palestrante, exibindo uma voz claramente alterada. Os olhos dos ouvintes retornaram a si, como se estivesse fazendo algo de errado. A raiva fluiu pelo seu corpo, mas antes que tomasse uma ação concreta, algo despertou em sua mente. Se todos ali já eram ricos e engomados, qual era o sentido daquelas mensagens? Parecia que tinha sido enganado mais uma vez, e somente a possibilidade disso já era o suficiente para enfurecer ainda mais o rapaz, que por pouco não pulou no palco. Decidiu, por outro lado, comportar-se e seguir seu líder, que também estava lhe prometendo o segredo da riqueza. Havia mais certeza em suas palavras do que nas de Takefusa, então decidiu acatá-las.

Fora do anfiteatro, escutou atentamente ao discurso de Indra, pois buscava respostas aos seus questionamentos. Como já presumia, “mindset”, “briefing”, “brainstorm” e outros eram apenas termos chiques usados para enganar o público, além de que o dinheiro do desgraçado vinha do berço, não do esforço. Nunca acreditou em meritocracia, por sentir que as pessoas não nasciam com oportunidades iguais. Naquele exato instante, dado ao corrido, esse sentimento tinha ficado ainda mais nítido e forte em sua cabeça. Buscaria esquecer daquela noite e da vergonha que passou ao dar apoio, mesmo que mínimo, ao homem. Não seria uma tarefa difícil, devido a sua deficiência.

— Uhh, eu... — divagou, enquanto tentava colocar as palavras em ordem. — Eu sei usar ninjutsu médico, embora tenha recusado fazer parte da profissão. Não gosto de ficar seguindo regra. — confidenciou, com um sorriso no olhar. Em seguida, retirou uma kunai de sua bolsa ninja e olhou atentamente aos colegas. — Suponho que eu deva mostrar minha proficiência na prática. Eu não treinei nada esses dois anos, mas acho que ainda consigo fazer. — declarou, respirando fundo. Sem que percebessem, concentrou chakra na barriga e esforçou-se para acelerar a produção de células. Depois, esfaqueou-a seguidas vezes, em alta velocidade. Nunca tinha mostrado essa técnica a eles, então era provável que se surpreendessem.

— Eu também consigo curar meus aliados, paralisar, causar danos... Sem querer me gabar, sou bem completo nessa área. — disse, em uma clara tentativa de mostrar que ainda era forte, apesar dos anos de ociosidade. — Consigo usar alguns elementais também, mas não foco muito nisso. — deu de ombros, percebendo que não conseguia nem mesmo usar fluxo de chakra, apesar de seu controle ser sublime. — E é claro, tenho alguns truques na manga, mas prefiro não revelá-los agora. Foi o que eu usei na batalha contra o arauto do Shaka, então posso dizer que é bastante forte. — finalizou, sentando-se no chão.

Estava dolorido, dos pés à cabeça. A leveza proporcionada pela bebida passava cada vez mais rápido, deixando-o ligeiramente nauseado e cansado. Sem ter paciência ou mesmo disposição para encher o saco de seus companheiros, permaneceria calado e de braços cruzados. Era difícil negar que estava curioso sobre a evolução de Mikan e Renji, mas não demonstraria isso. Como de praxe, agiria como se não se importasse. Contudo, lá no fundo, o que mais desejava era, sem dúvida, conseguir ultrapassá-los.

O discurso alheio acendeu uma lâmpada acima da cabeça de Taiyou. O rapaz, por tantos anos, tinha focado unicamente em seus próprios problemas e fraquezas, sem nunca pensar em como os outros se sentiam. O comportamento egoísta, apesar de não ter sido intencional, levou-o a cometer diversas atitudes ruins e autoprejudiciais. Sem se importar com a própria saúde, deixou de treinar, passou a beber e a sair por aí sem nenhum pudor. Uma casca do garoto que, há dois anos, tinha sacrificado seu próprio corpo para que a vitória fosse alcançada na batalha contra Hinka. Embora seu semblante estivesse sério e petrificado, sentia-se mal e triste por dentro. O sensei estava se esforçando tanto para ajudá-lo e, mesmo assim, tinha permitido que sua amargura se colocasse na frente dos olhos e o impedisse de enxergar e exercer sua empatia. Por outro lado, sabia que ainda havia como voltar atrás. Melhorar como pessoa e ninja.

Erguendo-se de pé, agarrou a mão de seu líder de equipe e o cumprimentou com um sorriso no rosto. — Eu é que agradeço. — disse, virando-se em seguida na direção dos demais. — Sinceramente, devo admitir que não gosto de nenhum de vocês. — declarou, cruzando os braços. — Não é o momento de ficar apontando o dedo, mas vocês fizeram coisas que me magoaram, e sabem disso. — Ficou alguns segundos tentando arranjar coragem para dizer o que tinha em mente, mas era difícil. Ligeiramente cabisbaixo, murmurou. — Porém... Eu também errei, não há como negar. Só posso pedir desculpas e dizer que vou me esforçar para me redimir. — prometeu, erguendo a cabeça novamente. — E esse é o primeiro passo. — De súbito, agarrou a garrafa de saquê que carregava consigo e a jogou para longe. O objeto bateu em uma grossa árvore, quebrando-se por completo e derramando o líquido no chão.

Quando finalizou seu discurso, simplesmente sentou-se no chão. Sua aguda dor de cabeça estava forte demais para aguentar, então não ficaria ali por muito tempo. Escutaria o que seus companheiros tinham a dizer e depois seguiria o mais rápido possível para casa. Ou, ao menos, era isso o que tinha em mente até notar a presença de um fotógrafo caminhando pela rua. Não tinha certeza de seu palpite, mas acreditava que a câmera profissional em suas mãos era um bom indício. Qualquer que fosse a verdade, havia tido uma bela ideia. Sem dizer nada aos que estavam ao seu lado, levantou-se e correu na direção do homem. Sua proposta era simples: um pouco de dinheiro em troca de uma foto do grupo. O tal fotógrafo, apesar de não parecer muito entusiasmado, aceitou o pedido e dirigiu-se junto ao garoto até o pessoal.

— Indra comentou que não tinha nenhuma foto em seu quarto, então pensei em ajudar ele com isso. — gabou-se da ideia, mesmo que não fosse nada genial. Em seguida, posicionou-se ao lado esquerdo de seu mestre, fazendo uma pose engraçada e sinalizando para que Mikan ficasse agachada no centro e Renji ficasse do lado direito. Por alguma razão, sentia que aquele era o ideal, mas não faria muito caso se eles não cumprissem seu pedido. Não se importava muito com isso, pois pela primeira vez, após longos e duros anos, estava se sentindo como Taiyou novamente. E não perderia tal oportunidade por nada no mundo.