死柄木恋次
PRÓLOGO.
"A natureza decadente o agrada?" – a voz do homem ressoava. Ele guiava a sua escrita através de algum tipo de fonte ilegível em seu pergaminho, como uma mensagem a ser descodificada por um códice novo e ainda misterioso para o rapaz.
— Algumas características desta época combinam comigo. — respondeu o moreno.
Naquela manhã, empilhava algumas caixas de objetos descartáveis, incluindo o protetor de testa que era alocado na primeira delas. Empoeirado, havia sido posto de lado desde o final do Exame, onde desistira da vida shinobi. Embora houvesse encontrado fundamentos que justificassem a sua permanência, a transição em geral não o cativara.
Portanto, entre as poucas decisões das quais possuía controle em sua vida, optara por permanecer no Templo do Fogo, vivenciando o desejo de uma existência preguiçosa e demarcada pelo tédio. Durante as manhãs e tardes trabalhava, e durante a noite praticava shogi com os poucos monges que possuíam aptidão e discernimento cognitivo para tal; idade para recordar-se e ser um oponente digno.
Sempre vencia. E a falta de desafios o incomodava.
— Quais? — o monge voltou a tocar no tema. Michelin demonstrava padrões atípicos naquela manhã, flexionando assuntos de teor pessoal. Assemelhava-se a um presságio, como se desejasse indicar algo ainda imperceptível aos orbes do rapaz.
— Estação morta. Ausência de funções genéticas que me assemelhem a alguém de minha ascendência, incolor. Shigaraki. — proferiu seu próprio nome com certa nostalgia pertinente no tom de voz. O kanji referenciava diretamente a palavra "Árvore Morta", condicionando-o ao arvoredo presente aos arredores do território de sua família adotiva.
— Obscuro, eu diria. — o mais novo limitou-se a sorrir de canto. Ao empilhar a última das caixas, pegou-se fitando o protetor de testa demarcado com o símbolo de sua aldeia. O monge observava a interrupção dos movimentos executados pelo garoto, despreocupadamente. — Renji... O que deseja ser em seu futuro?
— Hm... Eu não sei. — respondeu cru, suspirando em seguida. A sutileza do vocábulo apenas ansiava por esconder os traços mais abruptos de sua persona. — Por vezes anseio pela vida calma de um monge. Por vezes procrastino sobre a ideia de que preciso visitar a minha irmã. Em outros momentos, apenas sinto-me como se houvesse uma besta enjaulada em meu coração. — notou que o monge demonstrava entendimento sobre o tema, tomando a liberdade de prosseguir com o dialeto. — Digo... Assemelha-se a uma responsabilidade incontrolável, que necessita permanecer enclausurada para não causar danos a outrem, e tampouco a mim. Senti-o durante o confronto com o Jashinista e durante o Exame, quando escutei o dissertar daquele homem.
— Um governante precisa realizar sacrifícios, Renji. A aura que carrega, tal responsabilidade e a sua luta interna para esconder tais características apenas intensificam essa sensação, deteriorando a sua imagem. Mesmo os seus olhos... Você parece pronto para assassinar alguém. Simplesmente pela crença da injustiça que é envolver inocentes em um confronto familiar. — o monge aproximou-se do rapaz, colocando a mão em seu ombro. — Não limite-se a um arquétipo cognitivo, tampouco a trancafiar suas emoções. Esta besta enjaulada é você, e apenas você.
O mais velho afastou o toque, caminhando em direção à porta. O Monge dos Origamis, Hirohito, solicitava o comparecimento urgente de Michelin nos pátios do palácio. Renji, como habitual, apenas quedava a cabeça em silêncio, ponderando sobre todas as palavras meticulosamente escutadas. E, antes que o monge se retirasse, estendeu o tom de voz.
— Obrigado. — foi a última palavra trocada entre ambos naquela comum posição de familiares sem uma mesma via sanguínea.
(...)
I. NO ENCALÇO.
As chamas crepitavam entre os tocos de madeira que aqueciam o corpo maculado pelos ventos de inverno. A silhueta, mesmo coberta por três camadas abruptas de tecido oriental, com mangas longas e golas altas, não eram capazes de subtrair todo o incômodo sentido. Há incontáveis meses estava na missão solicitada por sua superior, revelando-se entre as suas primeiras como um Chūnin.
Ainda assim, por mais que um rank inferior (B) estivesse envolvido, o comprometimento físico e psicológico emanadas por si, assimilando-se a uma causa própria interferia na conclusão desta. Principalmente por, todas as noites, após longas semanas que sequer era capaz de contar, pegar-se refletindo sobre as mesmas palavras da Hokage e os seus companheiros.
Naquela noite em meses anteriores, pouco após o seu aniversário de dezoito anos e a conversa trocada com Michelin, fora convocado ao gabinete da hokage. Antes mesmo de adentrar o local, o pergaminho que o enviava para uma missão de busca e assassinato fora entregue, com medidas emergenciais a serem tomadas. Aparentemente, um delator havia sobrepujado informações sobre sinais de corrupção no Templo do Fogo, com alguns dos monges envolvidos.
Embora não acreditasse fielmente nas palavras que eram lidas pelo excêntrico códice, dificultoso, e aparentemente não descrito pelos auxiliares do gabinete ou a própria hokage, moveu-se imediatamente ao Templo, sendo recebido por seus superiores e o protetor de testa empoeirado. Ao questionar sobre Michelin, as indicações que confirmavam o envolvimento do monge com a organização e refletiam a peculiar conversa realizada durante a manhã lhe corromperam a última penumbra de sua alma.
Desde então, estava no encalço dos criminosos.
Renji cerrou os olhos, procurando abstrair os pensamentos que pudessem afetar o percurso da missão. O último corvo que ponderava enviar à Konoha, porquanto insistia nos passos ao interior do País do Fogo enfatizava as informações recentemente obtidas. Ao mesmo tempo, solicitava um aumento do prazo em que podia passar ao exterior da aldeia, visto as limitações jurídicas que possuía devido aos crimes efetuados na adolescência.
Ainda assim, preferiu não enviar a carta naquele instante, procurando centrar-se no seu atual objetivo: Adentrar a localização espionada na última semana. Uma aparente estrutura de gigantesca altura, que se envolvia na produção de laticínios. Contudo, por onde um dos monges espionados trafegava diariamente. Entre as informações obtidas, três deles eram alvos significantes.
Cercado por relva mesclada entre verde e o amarelado, Renji infiltrou-se, deitado em terra e o relevo rochoso, ferindo-lhe as mãos cobertas por faixas. Poeira e sujeira haviam se tornado seus maiores companheiros, visto o requinte selvagem de sua aparência; os fios de cabelo haviam crescido, com a raiz aparentando a tonalidade ruiva, enquanto a sua estatura também se intensificara.
Com os punhos calejados, aguardou no mesmo posicionamento até que a alvorada desse lugar ao anoitecer, esgueirando-se pelas sombras. O terreno era excêntrico: um planalto coberto por relva, a grande estrutura, algumas dezenas de casebres construídos para que os funcionários pudessem descansar, e uma ponte que interligava o País do Fogo e as regiões fronteiriças.
Efetuou o primeiro movimento do tabuleiro ao adentrar a janela lateral do terceiro andar, entreaberta pelo ato vicioso de um dos funcionários que a esquecia destrancada após o seu expediente. Invadiu o local, fazendo o contato primário que era o de analisar a ambientação, dona de cômodos largos, extremamente grandes e escuros, com a coloração das paredes acinzentadas e desbotadas, porquanto o aroma era de mofo.
Automaticamente compreendeu que ali não eram realizados trabalhos alimentícios, como pressuposto, mas sim tarefas específicas das quais envolviam o contrabando e o controle de materiais para a produção em larga escala de produtos direcionados ao mercado negro, embora não soubesse com qual finalidade.
"Preciso aproximar-me", pensou, efetuando o selo necessário para a ativação do Shikigami no Mai. O corpo do rapaz automaticamente tomou a forma de folhas de origami, utilizando fluxo de chakra para agarrar-se ao teto, em uma locomoção inaudível. Conforme se aproximava do epicentro da construção, uma saleta de onde ruídos eram emitidos, Renji capacitava-se a enxergar novos semblantes, incluindo o de Kira, um dos monges envolvidos com a organização. Ao chão, um pergaminho parecia ser o motivo da discussão.
— O dinheiro, Allen. Não entende que estamos em uma situação complicada? — dizia com dificuldade, respirando pela boca. — Se não nos movermos imediatamente para Iwagakure, Sunagakure ou alguma dessas vilas decadentes, nós seremos pegos. Michelin e Hirohito estão nos esperando no bosque dos sussurros.
— Eu já disse. Nós não iremos conseguir nos manter se vocês enviarem o maior percentual dos lucros para o templo. Entendo que eles necessitam de subsídio, mas também quero viver.
Shigaraki previa o inevitável confronto de ambas as figuras. Enquanto os lóbulos se focavam em escutar e resguardar o que lhe era dito, por mais que sua psique se indignasse, o restante do corpo avançava em direção ao pergaminho. Em sua máxima velocidade e o auxílio do Shunshin no Jutsu, o rapaz saltou em direção à sua captura, seguindo o movimentar de Kira. O monge aparentemente precavido de fúria atacava o seu adversário, cortando-lhe o pescoço.
Quando Renji finalmente tocou o pergaminho, ele recuou em alta velocidade imediatamente; o rapaz havia sido notado, uma concepção óbvia e consciente em antecedência aos fatos. Atirara-se na estratégia por ser a única forma de obtenção do conteúdo em que não necessitasse de um confronto direto, desacreditado no baixo percentual de chances em que não seria percebido.
Antes que a mente de Kira calculasse o furto, o shinobi seguiu em direção aos compartimentos que o levavam em proximidade ao teto, salteando entre caixas amadeiradas que o aproximavam de uma janela. O adversário já permanecia à sua sombra, e quando Shigaraki saltou a fora da estrutura, ativou os selos explosivos anexados previamente.
Argamassa e rochas desabaram sobre o corpo do perseguidor, e o rapaz pousou os pés ao solo. Não esperava uma recepção simbólica, logo se locomovendo em direção à ponte. Sua mente, mesmo em dificultosa situação, focava-se no pensamento ambíguo a respeito de Michelin e Hirohito, ambos seus mestres que se atiravam no breu da civilização a troco de nada.
Entre as lamúrias, o breve momento de desatenção foi o suficiente para que seu corpo fosse completamente atirado em direção ao solo, violentamente. O nariz chocou-se contra as madeiras, estourando os vasos sanguíneos ao início do sangramento. Renji semicerrou os olhos, rolando com o peitoral para cima. Encobriu os poucos sinais de chakra que possuía no instante, consciente da personalidade e os métodos de Kira.
Embora nunca houvessem treinado ou compartilhado palavras, Michelin tendia a resmungar a respeito do monge, definindo-o como alguém impulsivo e violento, ausente de atos metódicos. Além disso, em uma breve análise corpórea, Renji pudera notar que, além da idade avançada do homem, seu preparo físico não era dos melhores, visto que inspirava e suspirava pela boca constantemente.
O mais novo preparou o selo que traria a vítima ao abate, deixando que o homem o atacasse violentamente ao pegar impulso e tentar esmagá-lo com os pés. Com o preparo necessário, seu corpo deu lugar a um excêntrico toco de madeira. O excesso de peso do homem decrépito e robusto permitiu que a ponte velha tremesse descontroladamente, quebrando-se parcialmente e o prendendo entre as pequenas envergaduras amadeiradas.
Renji automaticamente avançou em alta velocidade, após surgir entre as cordas que prendiam a ponte. Em suas mãos carregava inúmeros fios de aço, enrolando a vítima e auxiliando na imobilização posterior que se derivava dos papeis do Shikigami.
— Onde estão o restante? — questionou. O silêncio de Kira fora perceptível, e um forte soco foi-lhe direcionado à face. — Eu não desejo repetições. Onde está o restante deles?
— Isso é maior do que você, jovem mestre. — a expressão do homem se confortara, só após tamanho confronto percebera que o jovem que o imobilizava se tratava de uma face conhecida. — Quem diria que nos encontraríamos nestas condições... ?
— Michelin, Hirohito. Diga-me! — exigiu, sendo corrompido pela fúria. Kira gargalhou.
— Faremos um acordo.
(...)
II. FRATERNO.
A mensagem codificada fora enviada à Konoha. Arrolada a uma das asas estava as informações obtidas outrora, e à outra, uma carta à Mikan. Antes de se retirar da vila, fizera votos referentes a uma relação para com a mesma, embora não pudesse concretizá-los em condição de sua atual responsabilidade.
Eram poucos os momentos em que podia unicamente sentar-se e se abstrair do mundo, entretanto, quando o fazia, correlacionava os pensamentos entre as dualidades: a garota e a incapacidade de aceitação referente aos recentes acontecimentos. Tal concepção era pertinente em suas próprias decisões, quebrando a ordem de retorno para a aldeia ao final da missão, e assim seguindo o caminho fronteiriço ao Bosque dos Sussurros; o ponto de encontro supracitado por Kira durante o confronto entre ambos.
A gigantesca silhueta dona de sangue nobre movia-se vagarosamente, com a postura ereta e o semblante inflexível. Entre as inúmeras faixas que lhe cobriam o corpo, somente os orbes eram visíveis. Lotados de penumbra, maculados assim como o restante do corpo do rapaz, com inúmeros arranhões, inchaços e bolhas. As mãos calejadas pelo excesso de trabalho freqüentemente sangravam, assim como os pés, em que mesmo o calçar das botas invocavam uma dor acentuada.
De acordo com o pergaminho furtado, os monges estavam envolvidos em uma teia de crimes motivados pelo subsídio próprio e atentados políticos, devido a suposto descaso de entes superiores para com os próprios. Por mais que se assemelhasse a uma causa nobre, tanto o ego quanto os princípios de Shigaraki entravam em um constante conflito, o obrigando a vagar em direção ao seu destino.
O alvorecer marcado pela luz solar foi o alicerce para o encontro de ambas as figuras. Novamente era outono, as folhas mortas e acinzentadas decaíam no solo, em lamúrias silenciosas. Renji observava as costas do homem que parecia esperá-lo, identificando que o Monge dos Origamis não estava mais presente, restando somente Michelin.
— Devo-lhe explicações. — o monge dissera, virando-se para Renji. Seu semblante era calmo, pacífico, como sempre estivera.
— Não há explicações para o que você fez. Enganou-me, envolveu-se com estas pessoas e a troco de que? — questionara o mais novo, com o tom de voz manipulado pelas emoções.
Michelin observava o Bosque dos Sussurros, um aglomerado de árvores mortas que ao soprar dos ventos acrescia o ruído da natureza, viva, embora a coloração acinzentada da estação.
— A troco de nossas vidas. — murmurou. — Entre tantos confrontos, tantas vidas colocadas em cheque pelo combate de Deuses, havia aqueles como nós que apenas queríamos uma vida em paz. Cuidar dos próximos, sem precisar temer o dia de amanhã. Nós não podemos salvar todos, Renji, e nem sustentá-los sem o subsídio necessário. Não vivemos em um conto de amor, uma obra de romance ou quaisquer que sejam suas denotações. Há apenas guerra, e dela pessoas comuns como eu ou a sua irmã sofrem. — ele sorriu incolor, um falso sentimento percebido pelo jovem. — Essas vidas colocadas em risco foram um sacrifício em prol da minha família.
O silêncio permaneceu enraizado entre ambas as figuras por longos minutos, enquanto se fitavam. Vidas eram ceifadas diariamente pelo egoísmo dos homens, por decisões políticas e afins. Entretanto, estar diante de um familiar que lhe ensinara princípios e uma forma de se viver longe da criminalidade fragmentava o coração de Renji.
— Você foi o homem que me ensinou como viver. A pessoa que me guiou no obscuro, que me ensinou princípios, que me trouxe ideais. Que me afastou dessa vida, e aqui estamos. Em pontos distintos, mas similares. — expressou, quedando a cabeça. — Contudo, diferentemente do que fez por mim, eu não sei se posso salvá-lo.
— Os seus olhos, Renji.Você parece pronto para assassinar alguém. — o homem respondeu, interrompendo o dialeto.
Sem mais delongas, Michelin ativou seu Raigō: Senjusatsu, avançando furiosamente contra Shigaraki. O rapaz recuou alguns passos, embora seus reflexos inerentes a mente que se entregava, unicamente movessem um de seus dedos, ativando o Chakura no Hari e, quando o chakra tomou a coloração alaranjada, um disparo foi efetuado diretamente no coração do monge.
Ele cambaleou, caindo nos braços de Renji. O sangue recaía em grandes camadas ao redor do corpo do rapaz, ainda sem expressão, porquanto seu mestre sorria.
— Um governante... Ele... Precisa estar pronto para fazer sacrifícios. — disse com dificuldades, tossindo. — E você fez a sua. Estou orgulhoso. Esta besta enjaulada é você, e apenas você.
O último sinal de vida foi ceifado, enquanto Renji caía de joelhos no solo. Lágrimas antes enclausuradas escorriam em sequências torrenciais, cobrindo-lhe de água e sangue, o ponto de transição entre luz e sombras.
(...)
EPÍLOGO.
O peculiar Bosque resguardava não somente uma planície de relva, como também montanhas. Ao topo dela, com uma visão privilegiada de grande parte do País do Fogo, Renji enterrou o corpo de seu mestre. Em seguida, acendeu um cigarro, aproveitando-se do breve momento fúnebre.
"O códice... Sempre fora você."
O dever a honra envolviam-se em um sincero abraço, uma condição abrupta para a solidificação de sua persona. Ser um shinobi para si, era a crença de que podia auxiliar o mundo através de seus atos, pensamentos, e não somente entregar-se ao ostracismo. De todo modo, calmaria não era algo comum em sua vida. Não dali em diante. O Monge dos Origamis permanecia livre, e deveria capturá-lo.
Portanto, era o momento de retornar para casa. De visitar sua companheira, e, igualmente, de conhecer a sua família.