Aguçando os Sentidos

Com os pés descalços na areia branca, o menino caminhava na beirada do mar, de forma que as ondas molhassem seus pés durante o movimento natural de ir e vir. Ele caminhava olhando para o mar, distraído, perdido em pensamentos sem substância. Em sua mão direita trazia suas sandálias pretas, enquanto na esquerda tinha um sorvete rosa, do sabor mais doce de morango, o qual dava lambidas e pequenas mordidas vez ou outra.

Não tinha objetivo naquele lugar, ou um destino certo. Caminhava apenas pelo simples prazer de esticar um pouco as pernas e apreciar o lento balanço do mar. Era incrível o quão raramente Fuyuki costumava visitar o mar, mesmo que sua vila ficasse literalmente no meio de toda aquela imensidão azul. No geral ele não tinha tempo. Estava sempre indo de uma missão para outra, então para algum tipo de treinamento maluco. Jamais parava. Até agora.

De súbito avistou uma figura. Não a tinha notado antes, distraído demais. Ao se aproximar mais alguns passos, notou meio sem querer a expressão triste que ela possuía, e a ideia inicial de passar direto se desfez. Ao invés disso, sem pensar exatamente no que fazia, parou bem ao lado da garota, de forma que ambos encaravam o mar.

— Você parece ser uma jovem inteligente. – Afirmou o menino, olhando-a pelo canto do olho. — Sou Fuyuki. Hatake Ren Fuyuki. Prazer em te conhecer.

Ao se apresentar, se curvou em uma breve reverência de brincadeira. — Sabe responder: Que espécie caminha com quatro pernas pela manhã, duas pernas ao meio-dia e três pernas à noite? – Não sabia exatamente por que teve vontade de dar início a essa pequena batalha de intelectos, nem sabia se a garota iria sequer tentar responder a sua pequena charada. Ainda assim, sentia imensa vontade de tentar animá-la, por alguma razão que ele mesmo não compreendia.







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Palavras: 305.

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O Canino Branco

Aguçando os Sentidos

Ren riu. Não um riso forçado, que daria para uma anedota sem graça de seu avô. Nem tão pouco o riso surpreso que se dá ao ver uma cena inesperadamente engraçada – como o tombo de um amigo, por exemplo. Ele soltou três sonoras gargalhadas, tão saborosas em sua boca quanto um fruto maduro e suculento. Não sabia de onde aquilo tinha vindo. Não mesmo. Surpreso, olhou a linda garota com um interesse renovado. Sim, ela era uma linda jovem. Mas seu interesse por ela estava em uma área diferente.

— O ar. – Respondeu quase sem pensar. Com um largo sorriso, animado pela primeira vez em muito tempo, o menino não perdeu tempo: — Em uma floresta vive um coelho. Está começando a chover. Embaixo de que árvore o coelho se esconderá? – Indagou, ao tempo que dava uma última mordida no sorvete em sua mão, sobrando apenas o palito. Seus olhos brilhavam de divertimento sincero, estava realmente apreciando aquela interação.

Então tudo se encaixou, como a última peça de um quebra-cabeça: Seu pai. Não se divertia tanto desde a morte de seu pai. O velho era o único que conseguía desafiá-lo intelectualmente, o único em toda a breve vida de Ren que já havia conseguido não apenas se equiparar a ele, como também superá-lo e vencê-lo. E, por mais que já não pensasse tanto no pai como antigamente, era óbvio que ainda sentia falta de Hatake Hajime. Por um momento, a diversão se atenuou, e a dor de uma cicatriz recém-cicatrizada ecoou no coração do menino.

Ainda assim, sem querer estragar o momento ou interromper a brincadeira, continuou a sorrir. E aguardou com paciência para saber se a garota ainda sem nome conseguiria responder essa charada também. Sentia-se feliz. Não tinha muitos amigos jovens, e nenhuma das crianças de sua idade era realmente inteligente o suficiente para serem considerados sequer desafios medíocres. Mas ali estava alguém que poderia vir a se tornar um primeiro laço de amizade genuína para o jovem Fuyuki. Talvez.







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Palavras: 330.

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O Canino Branco

Aguçando os Sentidos

Fuyuki caminhou junto da menina, os pés descalços apreciando a sensação quente e acolhedora da areia. Ela desenhava com um graveto formas que pouco se assemelhavam a belas obras de arte. O menino riu daquilo também. Porém, após ouvir a resposta dela para sua pergunta, não pode deixar de sacudir a cabeça em sinal de negação. Infelizmente ela havia se enganado. Assim como ele era antigamente, a garota caia facilmente em pequenas pegadinhas, mesmo que fosse muito boa para resolver desafios de lógica.

“Também caí nessa a primeira vez que meu pai me contou. Na verdade ela foi bem mais humilde que eu, na época lembro que fiquei dois dias criando uma teoria sobre as possíveis decisões do maldito coelho. Até fui a uma floresta para observar o bicho. Pura perda de tempo. Meu pai não parava de rir depois daquilo.” Lembrou-se com um gosto agridoce na boca, meio achando graça e meio triste pela saudade.

— A resposta certa era: Uma árvore úmida. – Afirmou sorrindo, com uma expressão de quem pede desculpas. — E a da sua... Seria o relógio? – Era a única coisa que lhe vinha a mente no momento.

Por um momento a perspectiva do jovem Hatake se expandiu, ele se lembrou do conteúdo de um livro que havia lido na biblioteca, as teorias insanas de um físico sem nome: A teoria sobre a rotação constante dos astros e planetas que preenchiam o universo. Mas não. Claro que não. Esse tipo de bizarrice jamais poderia interessar uma garota tão linda quanto aquela. Esse tipo de livro com informações malucas ficava em uma parte pouco usada da mente de Ren, junto das anedotas sem graça daquele outro estudioso que falava sobre teorias do espaço-tempo contínuo. Estranheza. Pura maluquice!

— Você tem duas cordas. Cada uma demora exatamente uma hora para se queimar completamente. No entanto, as cordas queimam numa velocidade diferente. Como conseguir medir quarenta e cinco minutos usando essas duas cordas e um isqueiro? – Indagou o menino com uma expressão inocente. Aquela era boa.







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Palavras: 334

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O Canino Branco

Aguçando os Sentidos

Himeko Murata. Um belo nome. Na verdade, não era nada difícil admitir que tudo nela era belo. Principalmente sua mente. O menino sorria ao ouvir as palavras dela, achando graça do modo como a garota de cabelos vermelhos afirmava ser tão bela quanto uma divindade encarnada. No entanto, ao ouvir a resposta de Himeko o jovem Hatake não pode deixar de arquear uma sobrancelha, ligeiramente curioso. Ao que tudo indicava, a jovem dama não havia compreendido o enigma que propôs. Um engano compreensível. Porém, sem querer parecer arrogante, o menino explicou:

— Quase. As duas cordas queimam em exatamente uma hora. O fato de ambas queimarem em velocidades diferentes, apenas indica que uma é maior que a outra, mas o tempo total ainda continua o mesmo. - O menino desenhou duas riscas na areia, com um graveto. Uma risca maior que a outra, a fim de exemplificar. — A resposta correta é: Coloque fogo nas duas pontas de uma das cordas. E na outra apenas em uma ponta. Quando a primeira corda tiver queimado por completo, terá trinta minutos, então coloque fogo na outra ponta da segunda corda. Assim, quando essa segunda terminar de queimar, terão se passado os quinze minutos restantes.

Enquanto falava, o menino seguia desenhando na areia, como um professor de tamanho miniatura dando uma aula sobre o enigma. Após terminar, começou a pensar sobre a pergunta da menina. A verdade é que Fuyuki odiava perder. Ele poderia até encarar suas derrotas como uma fonte de aprendizado, mas isso não significava que saísse por aí aceitando derrotas como um idiota. Não. Mais que isso, ele queria provar para o mundo inteiro que era capaz. Ele queria que o enxergassem como algo mais que apenas uma criança. Queria conquistar o respeito e a admiração de todos ao seu redor. Mesmo que tivesse de abandonar sua inocência. Deixar sua infância para trás.

Após alguns minutos, soltou um longo suspiro. — Tá a maior onda? - Indagou. Estava sorrindo, mas frustrado. Não tinha a menor ideia da resposta para a pergunta de Himeko. Poderia estar vencendo aquela pequena batalha de intelectos, mas a margem de vitória era tão insignificante que a qualquer momento tudo poderia mudar. Aquela mulher não era alguém que Fuyuki pudesse subestimar. Na verdade, tinha certeza de que em uma batalha, preferiria estar do lado dela, do que contra. Definitivamente.

— Certo, aqui vai: Um viajante se deparou com uma bifurcação na estrada em que estava, com caminhos para duas aldeias. Numa delas, as pessoas sempre contam mentiras, e na outra elas sempre dizem a verdade. - Narrou o pequeno genin. — O viajante precisa chegar na vila em que todos dizem a verdade, mas não existe nenhuma indicação de qual caminho ele deve seguir. - Fez uma pausa, para aumentar a expectativa. E então continuou: — Em frente à bifurcação, está um homem nativo de uma das duas aldeias. Depois de fazer uma pergunta ao homem, o viajante descobre qual caminho deve seguir.

O menino olhou para os olhos de Himeko, e perguntou: — Qual pergunta o viajante fez ao homem?







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Palavras: 508.

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O Canino Branco

Aguçando os Sentidos

O menino riu parecendo um pouco mais a criança que era, se deliciando com a pegadinha em que havia caído. "Quase acertei." Ainda assim, um erro é um erro. As perguntas dela estavam diferentes, menos enigmáticas e mais enganosas. Era a mesma estratégia que seu pai empregava sempre que o menino começava a vencer alguma competição como essa em que estavam. E quanto mais a garota se parecia com o ente querido que o jovem Hatake havia perdido, mais ele tinha interesse nela. Como podia ela ter tantas semelhanças com alguém que jamais havia tido contato?

A resposta dela foi perfeita. Exatamente como o esperado, então apenas acenou em concordância e deu sua resposta para a questão de Himeko. — A letra V? - Respondeu sem pensar. Aquela era o tipo de pergunta que ele sempre cairia, se acabasse tentando pensar demais em uma lógica qualquer. Mas se deixasse o óbvio tomar conta de suas respostas - uma espécie de instinto infantil - quase sempre acabava dando a resposta mais sem noção de todas, e essa era exatamente a resposta certa. Não sabia se havia acertado, poderia ser todo tipo de coisa a resposta desse tipo de pergunta, mas não custava tentar.

Então era sua vez agora: — Se você colocar uma moeda dentro de uma garrafa e tampá-la com uma rolha, como é possível remover a moeda sem tirar a rolha ou quebrar a garrafa?

Mas não era apenas isso. Estava diferente. Agora já era capaz de pensar sobre seu pai, e nas coisas que faziam juntos, os jogos e as conversas, sem sentir tanta dor que era difícil de respirar. Por um momento ficou pensando se Himeko também possuía uma família, mas ainda era cedo demais para perguntar. Não queria ser invasivo. Aquela garota era mais velha e Ren entendia que pessoas da idade dela passavam por aquela fase mais 'rebelde' ou algo assim. Mal sabia ele da verdade sobre Himeko e a família dela.

— Himeko, hoje foi muito divertido. Posso dizer com sinceridade, vencendo ou perdendo, foi um imenso prazer te conhecer. - Nesse momento, de maneira curiosa, o menino se curvou em uma reverência sincera, sem deixar de olha-lá nos olhos. Seu olhar, sério e determinado. — Você conquistou um amigo em mim. Um aliado. Se precisar de ajuda, e estiver ao meu alcance, basta me avisar.

E estava sendo sincero! De onde vinha aquilo? Nem ele sabia. Mas cada palavra era verdadeira.








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Palavras: 404.

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O Canino Branco

Segredos e segredos

As cicatrizes e marcas em nossos corações, são coisas difíceis de lidar. Isso por que existe uma diferença crucial entre os tipos de segredos que guardamos. Primeiro, existem os segredos da boca. Esses clamam por serem contatos, compartilhados e se espalhar pelo mundo, feito fogo na palha seca. E então, existem os segredos do coração. Esses são diferentes, pois geralmente envolvem alguma lembrança dolorosa, então diferentemente do caso anterior, essa informação geralmente é muito difícil de tirar de nosso interior, como um pedregulho grande e pesado, que apenas se torna maior toda vez que falhamos em partilhar seu peso com alguém.

O jovem Hatake não possuía um segredo doloroso. O fato de seu pai ter falecido há pouco tempo ainda o deixava triste, e fazia seus olhos ficarem marejados em uma tarde na companhia de sua família, mas no geral era apenas isso. Não tinha nada a esconder. Mas esse não parecia ser o caso com aquela bela mulher de cabelos vermelhos. Ela era linda e sabia exatamente como esconder seus pensamentos, sentimentos e intenções. Contudo, mesmo não deixando escapar coisa alguma durante a interação que teve com Ren, o menino ainda tinha essa... Sensação.

Chame do que quiser. Instinto, sexto sentido, intuição. Mas, não. Não era nada tão forte. Era mais uma leve pressão em sua nuca. A mais leve insinuação de que havia algo ali. Seu corpo tentando dizer, tentando fazer com que entendesse, que aquela garota precisava de ajuda. Precisava desesperadamente de aliados em quem pudesse confiar. Fuyuki não entendia bem por quê, mas sentia-se compelido a estender a mão para Himeko. Um sentimento realmente curioso.

— Bem, foi realmente uma batalha de intelectos. Estou exausto. - Falou consigo mesmo enquanto seguia o caminho para sua casa. Havia vencido essa pequena batalha por muito pouco, mas não sentia como se tivesse qualquer vantagem contra a garota. Não mesmo. A mente dela era tão brilhante quanto a sua, talvez ainda mais. E ela possuía também todo aquele ar de mistério e passado oculto que o intrigava ainda mais.

"Afinal, de onde essa mulher surgiu?" Não sabia quase nada sobre ela, é verdade, mas a curiosidade o fez pensar em Himeko por muito tempo.

Estava ansioso para encontrá-la novamente.








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Palavras: 369.

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A Criança Prodígio