Ser o último a chegar havia se tornado um hábito. Acordou naquela manhã, novamente atrasado, praguejando pela falta de disciplina obtida desde o instante em que se formara. De todo modo, por mais que o mau humor quisesse controlá-lo no instante supracitado, preveniu-se, semeando o fato de que, durante todo o dia, procuraria um presente para sua meia-irmã, ao qual o aniversário aproximava-se. A garota completaria treze anos em breve, estava praticamente formada na academia, e por todos era considerada um prodígio; muito mais do que o próprio irmão mais velho.

Embora raramente citasse, Shigaraki detinha apreço palpável por sua irmã, Jirou. A garota, por mais que extremamente importante para o rapaz, não possuía vínculo sanguíneo para com o mesmo, visto que não eram membros do mesmo clã. Mesmo assim, ela nunca chegara a questionar o fato, tampouco se importando com a origem do moreno, o que o tranqüilizava e, igualmente, o motivava a agradá-la em seu dia, independente de vê-la com frequência ou não. Em suma, como a garota era protegida do clã Yamanaka, mais especificamente, pelos pais de Mikan, o rapaz não sentia apreço de realizar visitas constantes. Não possuía qualquer desapreço pela companheira de equipe, contudo, não constatava empatia com o seu pai.

Vestiu um traje simplório, já que não precisaria trabalhar durante o dia. Optou por uma camisa negra de manga longa, e uma calça comum, além de tênis. O cabelo permanecia úmido, quedado em uma franja mal arrumada, e a tatuagem das mãos mantinha-se exposta. Ao se retirar de casa, caminhou sem maiores preocupações por todo o percurso, buscando a Floricultura Yamanaka. Havia convidado Mikan para ajudá-lo na busca do presente, acreditando potencialmente no bom senso feminino. Caso dependesse de si, ofertaria uma espada para a mais nova, pressupondo que ela pelo menos afastaria os garotos que se pusessem ao seu redor.

— Boa tarde, Sra. Yamanaka. Mikan. — disse em voz alta, cortês. Seu corpo movia-se com maior intensidade que o comum, devido ao horário. Havia demorado muito mais do que o esperado. — Importa-se se eu levar sua filha para me ajudar em uma coisa? Prometo que a trarei em casa. — respondeu e, com o movimento afirmativo da mais velha, Shigaraki pegou Mikan pela mão, a levando consigo apressadamente até a rua.

— Está muito bela hoje. Devo considerar que se arrumou para mim? — perguntou em tom sarcástico, desacelerando os passos e soltando a mão da garota. — Bem, como te disse, preciso da sua ajuda para comprar algum presente para Jirou, e não sei por onde começar. Não quero acabar dando uma arma ou algo assim para ela... — o semblante permaneceu intacto enquanto dizia, fitando sua acompanhante de soslaio.

Em seguida, apontou para algumas lojas do Centro de Konoha. A primeira delas, de roupas, e as demais de itens diversos que pudessem ser do agrado de qualquer kunoichi de sua idade.

Sorriu de canto com as palavras da mais nova, seguindo-a pelas lojas. Por mais que tentasse inicialmente se afastar da garota, ela segurara sua mão novamente, o obrigando a manter o contato por onde quer que passassem. Os orbes escuros fitaram as roupas, utensílios e ademais coisas que fossem apresentados a si, sem demonstrar qualquer motivação e muito menos capacidade de discernir o que poderia agradar a sua irmã. A garota era fissurada por doces, mas não podia comê-los para manter a sua forma física. Roupas eram mínimas, gostando de vestidos longos dos quais comumente recebia, por vezes, da própria Mikan. Mesmo equipamentos poderiam ser dificultosos, visto que Jirou era uma titereira, construindo suas próprias marionetes, banhando-as com veneno e utilizando para seja lá o que fosse.

Shigaraki ponderava de forma intrínseca, dificultosamente chegando a um consenso. Sua mente pendeu para a compra de um lançador de bombas de fumaça, mas Mikan apresentara o semblante desgostoso com a ideia, muito pior quando sugeriu a espada citada anteriormente. Ao final do dia, haviam andado excessivamente, mas não encontrado nada que pudesse realmente cumprir o objetivo intencionado. A ausência de consenso gerara uma sólida falha.

— Hm... — murmurou ao escutar a pergunta de Mikan, observando a chegada do anoitecer. O dia estava indo embora, assim como o seu propósito. — Não compreendo muito bem o que a agradaria. — disse, pondo uma das mãos no queixo. — É dificultoso ponderar, e... Deduzir o que a satisfará, já que não mantemos tanto contato. Portanto, termino concordando com o que diz. Não sei se bens materiais são o caminho correto para presenteá-la. — expressava peculiar desgosto para consigo mesmo, audível no tom de voz, contudo, não refletido nos traços de sua face.

Renji escutou a pergunta de Mikan e, vagarosamente, entrelaçou um dos braços no ombro da garota, apontando para onde iriam. Devido a toda a ajuda que ela oferecera, pagaria ao menos um lanche para a mesma. — Sente fome? — questionou ao afastar-se, próximos da lanchonete. A noite já abraçava todo o clima do local, e ele puxou uma cadeira para que ela se sentasse. Logo após, pediu um sorvete para si, aguardando o pedido da alaranjada.

— Sobre a sua pergunta de outrora... Esperava um pouco mais de nosso treinamento, ou mesmo do companheiro de equipe. Há coisas que não fui capaz de compreender bem, como a suposta viagem dimensional expressadas pelo Hokage. No entanto, prefiro não me fixar nestes detalhes. — respondeu, questionando a opinião da garota com o franzir dos cenhos. — Mikan. Você acredita que há algo que eu possa fazer pela Jirou? Irei retornar ao templo nos próximos dias, antes do Exame. Não sei o que fazer sobre tudo isso.

Permaneceu quieto por longos minutos, apenas dedicando-se a finalizar o sorvete. Deixou que o silêncio pairasse entre ambos, escutando apenas os ruídos das outras pessoas que frequentavam o estabelecimento. Shigaraki pensava nas inúmeras possibilidades, refletindo sobre todo o percurso do dia. O seu próprio desgosto para com os clãs de maior prestígio, em condição do passado tormentoso, prejudicava o contato com a irmã. E, embora possuísse noção deste fato, o jovem optava por manter o próprio ego acima de qualquer coisa.

"Deve-se tornar um homem, Renji. Fazer escolhas, e sofrer com as consequências delas.", os fraseares do Monge lhe apeteciam no instante, e o rapaz sorriu de canto, perdido nos próprios pensamentos. Buscou afastá-los de imediato, fitando as reações da Yamanaka. Apesar do desgosto palpável em relação aos seus familiares, não conseguia simplesmente odiá-la. Era uma reação excêntrica, apesar de... Curiosamente natural.

Os dedos ágeis do rapaz, estampados pela tatuagem "D.E.A.T.H", tocaram o nariz da garota, limpando-o. Não disse nada e tampouco expressou algum estranhamento, tratando como uma ação comum para se capacitar a prestar atenção no diálogo sem distrair-se. Observou o tique dela e lembrou-se de seu cigarro, evitando fumar para não incomodar a alaranjada.

— Sorvete de creme? Que genérico. — disse inicialmente, surpreendendo-se com a reação ao que falara momentos antes, em relação ao hokage. Evitou zombar, apenas a observando. — Não entendo a motivação dele para agir daquela forma, mas estou tentado a fortalecer-me para provar o contrário. Há esta sensação em meu coração, apesar da preguiça sempre intervir para que eu continue vagando na comodidade... Você sabe. — proferiu, pedindo uma bebida para ambos.

Divagou pela face de Mikan, questionando a razão pela qual ela se esforçava tanto por um problema seu. Até mesmo soluções eram buscadas, apesar de raramente dificilmente entre si. Por momentos, o próprio Shigaraki duvidava sobre seu apreço pela mais nova, questionando se eram companheiros de equipe, ou apenhas conhecidos. Se a desprezava como os familiares, ou deveria tratá-la como uma pessoa normal. Em todos os casos, sentia-se confuso quando o assunto era Mikan Yamanaka.

Sensação excêntrica.

— Talvez você esteja certa. — suspirou após os segundos de silêncio, rendendo-se aos fatos apresentados pela kunoichi. — Talvez o melhor presente para ela seja minha presença. É difícil para eu aceitar este tipo de coisa, mas não quero que ela esteja sozinha ou perdida no mundo como um dia estive. — confessou, percebendo que havia falado demais. — Não que você precise saber disso, não é algo do teu interesse. — tentou ajeitar o que dizia, levantando-se em seguida. Pagou a conta, e caminhou ao exterior da lanchonete, aguardando que Mikan o seguisse.

Com a cabeça quedada, Shigaraki fitou-a de soslaio, detendo as mãos nos bolsos e um sorriso excêntrico no semblante. O dia havia sido proveitoso, onde pudera aprender mais sobre si mesmo, mesmo que pelas palavras de outrem. — Obrigado. — foi a única coisa que disse, consciente de que ela entenderia o significado.

Não respondeu o que fariam logo após, deixando que o silêncio os guiasse. Ao final, Shigaraki sabe que, entre ambos, não eram necessárias palavras.