A poucas horas antes daquela madrugada, o Kurama apreciava uma das melhores obras que já havia criado. Havia um completo detalhe da fauna e flora presente em uma cadeia montanhosa colossal, adornada pelos finos raios solares que atravessavam as densas nuvens em todo o céu, criando cuidadosamente uma paz de espirito ao simplesmente observar o que estava pintando. Entre inúmeros cigarros e xicaras do café mais adocicado do pais do fogo, o grisalho finalmente terminava sua obra, retirando a tela em branco e colocando em um canto do ateliê, permitindo que outras telas fossem colocadas no pedestal de madeira, aguardando as novas inspirações tolas, profundas ou escuras do velho ilusionista. Ainda que pudesse criar e dar vida, ainda mantinha muitas características que o faziam se resguardar das artes shinobis, mesmo que fosse mestre em uma delas. Ao fim, acabou jogado em sua própria cama, lançado a vontade imensa de ter um momento de descanso.

Teve pouco tempo até poder de fato entrar no mundo dos sonhos, onde simplesmente estaria entregue ao próprio subconsciente. Como uma força superior que o chamava, seu corpo parecia ser sugado por uma densa nuvem esbranquiçadas, beirando o acinzentado de fumaça. Acordava imediatamente naquela sensação, achando de imediato que havia sido sequestrado, mas uma voz quase gutural o acordava, estremecendo o local em que estava e o contornando com uma enorme sombra que não conseguia distinguir. Assim que seus olhos se acostumaram com a luz repentina e o acordar apressado, pode de fato observar a presença de dois enormes sapos, um que beirava a sua própria altura e de cor amarelada, e um enorme sapo avermelhado, portador de um enorme cachimbo e de um semblante extremamente hostil e dominante, como se fosse o líder daquela região. Se levantou com pressa, dando alguns passos para trás ainda sem conseguir compreender. —— Brincando?? O que está acontecendo aqui Sapão Falante?! —— mesmo nervoso, o jeito tolo do velho Kurama era visivelmente presente.

Tudo parecia uma enorme brincadeira para o sapo menor, mas não pequeno, e amarelado. Mesmo que a curiosidade estivesse gritante dentro da mente do Kurama, ainda estava processando todas as informações que aquela repentina invocação trouxera para si. Sequer sabia como havia chego naquele local, ou se aparentemente estava dentro de um genjutsu ou simplesmente sonhando. Foi desta forma que resolveu focar seu interior, ignorando levemente a presença dos sapos para manifestar um único selo, simbolizando a quebra de técnicas ilusórias. Mas nada acontecia. De fato, estava acordado e fora de uma ilusão, na presença de enormes e reais criaturas anfíbias. O maior deles tragava seu cachimbo com gosto, instigando o próprio vicio do grisalho, que acendia um cigarro em resposta ao fumo do avermelhado.

Como se utilizasse uma técnica de deslocamento, o sapo maior surgia na frente do Kurama, tirando um arregalar de olhos intensos e ao mesmo tempo um trago profundo no cigarro, encarando-o igualmente. Shiro possuía pouco medo de seres hostis e claramente superiores, sua curiosidade, até mesmo artística, era ainda maior e o fazia observar tanto o ambiente como os seres que ali viviam, marcando tudo em sua memória e buscando inspirações para novas obras. Deu um pequeno passo para trás de forma a finalmente poder parar de se observar no reflexo dos olhos do anfíbio vermelho e, ao ouvir sua voz gutural e superior questiona-lo, não pode deixar de expressar um sorriso, batendo as cinzas do cigarro ao lado do próprio corpo. —— Meu nome é Shiro Kurama, da Folha. Desculpe minha informalidade, mas onde estou exatamente? Pareço bem longe de Konoha. ——

Para a surpresa do Kurama, o ser colossal a sua frente parecia expressar o mínimo de interesse em sua fala, talvez pela linhagem dos Kurama, talvez pela origem na Folha, ou por simplesmente desejar devora-lo como um lanche da tarde. Em poucos segundos, o que o grisalho menos desejava acontecia. O abocanhar do anfíbio o fez parar diretamente dentro da própria boca do animal, ficando completamente enjoado pelo cheiro daquele lugar e o quão úmido e melequento ele era. O cigarro que custou para acender caia garganta abaixo, fazendo o mesmo rir por alguns segundos e sussurrar enquanto sentia os tremores que o corpo do sapo recebia, talvez o mesmo estivesse saltando com toda sua velocidade ou se preparando para comer o Kurama. —— Este cigarro vai te dar uma azia, sapão... ——. Estava calmo, sabia que se fosse ser devorado já estaria derretendo no suco gástrico daquele ser, e para confirmar a teoria estava logo sendo ‘’vomitado’’ pelo enorme sapo.

Seu tom sempre sério e rígido tirava diversos sorrisos do grisalho, admirando a superioridade daquele animal e o quão repentinamente curioso ele estava para conhecer a origem do Kurama. Ao ser cuspido, batia nas roupas retirando a saliva acumulada nos trajes escuros, quase de um sacerdote, buscando um cigarro no bolso enquanto sentava em uma pedra reta, aparentemente perfeita para servir de banco. Quando acendeu o cigarro, fechou os olhos sentindo o calor entre os dedos da destra, sentia também o pulmão aquecido e o corpo arrepiado, soltando uma imprevisível piada para o sapo, antes mesmo que pudesse começar as explicações. —— Isso no seu cachimbo é tabaco mesmo? Em troca da minha história vou querer um pouquinho. —— suspirou após a tragada, como se o assunto mudasse seu humor e fizesse peso em sua fala.

—— Contar minha história? Não sei se começo a cinquenta anos atrás ou um pouco mais para frente. Eu nasci em um clã amaldiçoado, os Kurama. Somos habilidosos nas ilusões, mas não que eu ligue para estes detalhes. Durante toda a minha vida fugi deste nome, mas ele sempre me trouxe problemas. Resumidamente? Minha mãe me vendeu para um estuprador a troco de algumas moedas, na época eu deveria ter dez anos, recém-formado. Apesar dele me treinar, me alimentar, eu era submetido a coisas que você não imaginaria, Sapo. Quando ele morreu me senti livre, mas para onde eu iria? Minha mãe sumiu, meu pai nunca apareceu. Sozinho, as drogas e o álcool pareciam uma boa saída, junto com as inúmeras tentativas de suicídio. Inclusive, a última me gerou uma boa marca. —— apontava para o centro da testa. —— Hoje sou apenas mais um artista que sobreviveu a morte. —— Tragava o cigarro de olhos fechados, como se todo o humor que possuía estivesse sumido com a fumaça.

Jamais teve a intenção de causar algum tipo do comoção durante a própria explicação, mas de fato havia passado por coisas na vida que tentava não lembrar e para isso havia montado inúmeras barreiras mentais que o impediam de caminhar mais profundamente em detalhes, algo que de certa forma precisava estudar e compreender para adquirir um domínio psicológico ainda mais avançado, fazendo com que até mesmo suas habilidades nas questões ilusórias fossem melhoradas, assim como percepções artísticas e de fatores que poderiam gerar ainda mais atração em suas obras, caminhando para a perfeição e conquista dos objetivos que tinha em mente, tais como se tornar um artista famoso em todo o mundo, ignorando, a princípio, as razoes shinobis de se viver. O sapo avermelhado parecia não ter um pingo de sentimentalismo, e não esperava menos de tal criatura. Havia algo que o mesmo queria mostrar, sobre Konohagakure e que gerava uma curiosidade intensa no Kurama, obrigando-o a tragar de uma vez o cigarro que fumava e descarta-lo no próprio solo, pisando para apagar a brasa que restava ali.

Observou de canto o anfíbio e foi se aproximando da lagoa, notando ondulações azuladas semelhante a chakra, o que deixava o artista ainda mais curioso para compreender. —— Sou velho o suficiente para lembrar das histórias, dos heróis antigos, até mesmo da Guerra. Mas nunca pude ver com meus próprios olhos. —— ao se aproximar, tocou as beiras do lago com as mãos, esticando o pescoço para poder observar. Havia um enorme portão, o mesmo que protegia Konohagakure. Estava destruído, repleto de poeira, rochas e morte. Pessoas lutavam, era algo que nunca havia visto, mesmo com a recente invasão de seis meses. —— O que é isso, Sapo? ——

Naquele cenário vazio, via apenas muita destruição, sofrimento e pessoas arrogantes e vazias que lutavam por um objetivo imoral. Ainda que fizesse parte de Konohagakure a mais de cinquenta anos, estava fora no momento do ataque de seis meses, restando apenas os boatos para estar por dentro de todas as informações. Os arautos daquela invasão haviam sido derrotados, mas a preços imensuráveis para a história shinobi. Aquilo que Gamabunta relatava ao grisalho era algo que já era grande em seu entendimento como pessoa, odiava, além de tudo, pessoas arrogantes. — Pacto? — Aquela palavra soava como algo obscuro, quase demoníaco, como aquilo que vivia dentro do Kurama. Desviou suavemente o olhar para o sapo, recuando o corpo daquele poço enquanto suspirava. —— Eu estava longe do vilarejo neste dia, talvez as coisas fossem diferentes se eu estivesse ali para para-los. —— se aproximou do velho sapo, sentindo seu desconforto, mas tocava sua perna escamosa como uma forma de abraça-lo. —— Garanto que vocês não têm culpa, como poderiam imaginar que algo assim aconteceria? Não somos videntes. —— Acendeu um novo cigarro, este para acalmar e acompanhar o anfíbio no fumo, como se fossem velhos amigos. Olhou como ele se movimentava, entendendo o que significava e, com calma, subia em suas costas, sentando-se concentrado com as pernas cruzadas, em posição de meditação. —— Obrigado por não me engolir dessa vez, amigão. ——

Por muito pode aproveitar a paisagem local enquanto subia nas costas do enorme sapo vermelho. Ali, praticamente estava acima das árvores. A paisagem daquele lugar era totalmente diferente de tudo o que já havia visto. Cadeias montanhosas e um ar carregado de paz, que unido ao alivio do tabaco fazia o corpo do Kurama se arrepiar e suavemente descansar, se sentindo incrivelmente mais jovem na pureza tão natural do ambiente. Era como se tudo ali estivesse intocado pelas imperfeiçoes humanas, onde a natureza reinava acima de quaisquer coisas, mesmo na presença daqueles enormes anfíbios, tudo era muito respeitado. Mesmo com toda a rigidez do avermelhado, o Kurama podia sentir naquela enorme criatura uma bondade extrema além de sua disciplina militar. Contudo, jamais pensou que algo ou alguém estivesse acima dele, o imaginava como um líder dos sapos, mas estava enganado, e que bom que estava. Antes que pudessem sair dali, Gamabunta foi interrompido por uma voz serena que se arrastava entre os arbustos, uma voz anciã que o chamava a atenção.

O mesmo foi feito com o grisalho que, atento, olhou na direção da voz, observando a presença de um ser antigo, mesmo que diferente em tamanho para o avermelhado, parecia ainda mais sábio e respeitado, principalmente com a maneira que foi tratado pelo gigante anfíbio. De imediato descobria o seu nome, Fukusako. O Kurama se colocou em pé nas costas do anfíbio vermelho e deslizou para baixo, a fim de se aproximar do outro. Levou a destra até a barriga, tocando-a e curvando suavemente o corpo enquanto cumprimentava o ancião. —— Fukusako-sama, é um prazer conhece-lo. Meu nome é Kurama Shiro. —— igualava o tom respeitoso que Bunta tinha ao se dirigir para o ancião.

O outro, apesar de transparecer uma aura muito mais serena do que o próprio Bunta, ainda possuia um ar de liderança, apesar do corpo minúsculo. Sua voz arrastada era claramente um indicativo de que talvez fumasse a um tempo, entendendo que entre os Sapos a idade não era um fator de determinava força. O silêncio tomava conta do ambiente e isso incomodava o Kurama que ansiava por um alívio em toda a tensão estabelecida. Algo acontecia de forma repentina, e mesmo que os olhos do grisalho pudessem acompanhar a velocidade imensa do pequeno anfíbio, era tarde para armar uma defesa precisa o suficiente para conter seu ataque. Bastou colocar ambas as mãos posicionadas frente ao chute, não para segurá-lo, mas para amenizar o impacto que poderia vir a ferir seu corpo e, pela pressão do golpe, ainda seria arrastado alguns metros longe. – Eu não recebo um golpe tão forte desde o dia que tentei invadir a casa de banho em Konoha... aquela loira era extremamente forte. – Havia um sorriso no corpo do Kurama, apesar de se mostrar ligeiramente ofegante.

O sorriso largo no rosto do velho era um excelente indicativo de que havia se animado com aquele golpe, sentia-se jovem novamente, preparado para enfrentar o desafio que fosse colocado em seu caminho. – Talvez eu os invoque para compartilhar fumos e bebidas, apenas. – ainda apoiava a destra na barriga, sofrendo um pouco com o impacto repentino. Mas não podia apenas se queixar do corpo velho que tinha e estava mais do que na hora de demonstrar do que era capaz. Daquela forma, as mãos do Kurama se moviam em alguns selos, moldando o chakra ao mesmo tempo em que utilizava daquilo como indução ao Genjutsu que utilizaria em resposta, visando dessa forma eliminar momentaneamente a visão do ancião, para que, com toda a velocidade, pudesse tentar devolver o mesmo chute que havia recebido.

A batalha durou apenas alguns segundos, demonstrando a grande força que os sapos possuíam em combate mesmo em tamanho reduzido. Algo o fortalecia e era bastante nítido, mesmo que não entendesse os reais motivos que o proporcionavam tamanho reflexo e força defensiva, bastando apenas alguns movimentos com as mãos para segurar o potente chute do Kurama e lança-lo na direção oposta ao ataque, obrigando o corpo do maior a ir contra o próprio sapo avermelhado que, se não estivesse ali, provavelmente deixaria o grisalho bater as costas em algo mais rígido e que provavelmente o machucaria de maneira agressiva. Pareciam saber os resultados antes mesmo que acontecesse, amortecendo o impacto na pele úmida do anfíbio, mesmo que o ar dos pulmões sofresse suavemente com o impacto. Quando os pés do grisalho tocaram o chão novamente, sua destra rapidamente tocou as pernas do avermelhado, dando leves tapas como se o cumprimentasse —— Obrigado por não ser uma arvore, Bunta-sama. —— assim como Bunta tratava Fukasaku, Shiro trataria Bunta como um superior.

O semblante sério e ríspido do embate foi instantaneamente quebrado quando uma voz mais aguda atingiu o local, exigindo a berros que a luta parece imediatamente, porém, todos os xingos dirigidos ao sapo ancião, que perdia totalmente seu ar de líder e passava a agir estranhamente como um humano comum, trocando berros com o que parecia ser sua esposa. Não segurou o riso, acendendo um cigarro para acompanhar Bunta enquanto assistia aquele grande pergaminho ser solto pela enorme língua do anfíbio, ao mesmo tempo em que ele o abria e explicava os métodos do contrato. O pacto fazia ainda mais sentido quando explicado, algo ligado diretamente ao sangue do humano, como se marcasse para toda a vida uma irmandade com os anfíbios. —— É ainda mais simples do que imaginei, Bunta-sama. Hmm —— soltava um leve grunhido ao morder o próprio dedo polegar e escrever lentamente o nome, além de manchar cada dedo em sangue e imprimir as digitais na área correta do pergaminho.

Em pouco já havia completado todos os requisitos do contrato, observando calmamente, se possível, os outros nomes que dividiam a vasta lista de invocadores para ao menos saber reconhece-los caso um dia viesse a encontrar algum conhecido. Gamabunta parecia se envolver de raiva quando tocava em assuntos que demonstravam ou relembravam atos cruéis utilizados por invocadores mal-intencionados. O anfíbio prometia acabar com a vida do Kurama caso o mesmo viesse a utilizar aquele poder para a destruição dos inocentes, mas mal sabia o Sapo que o grisalho sequer se considerava um Shinobi, ainda que fosse detentor de habilidades formidáveis na arte das ilusões. —— Não precisa gritar assim comigo, Gama-sama. Eu já sou velho, mas não sou surdo, aiaiai... —— Passava o dedo na orelha, como se aquilo tivesse incomodado seu tímpano, mas obviamente apenas brincava com o anfíbio. Quando se virou completamente para o sapo, sinalizou com a destra para que ele se abaixasse um pouco e pudesse cochichar com o mesmo, de forma mais intima e que o sapo pequeno e verde não houvesse, talvez temendo uma represália por pedir algo tão tolo a um ser tão superior. —— Gama-sama, será que você não pode me arrumar um pouquinho desse fumo que tem no seu cachimbo? Estou sentindo o cheiro daqui e é muito bom, não temos isso em Konoha. —— Tinha um sorriso grande no rosto, exibindo a maior cara de pau de todos os tempos. Acendia um cigarro para se saciar enquanto desejava o fumo dos sapos.