—— Boas compras, Natsumi. —— falei enquanto me despedia da ruiva. Eu estava em casa há algum tempo, sem muitas coisas para se fazer. Natsumi e eu moravamos juntos há algum tempo, mas não namoravamos nem nada do tipo, éramos só amigos – parceiros na verdade – morando na mesma casa por algum tempo. Ela eventualmente ia comprar as coisas numa feirinha que ocorria no vilarejo que encontramos há algum tempo. Era um lugar pacífico na verdade, bom de se morar. Mas no fim, eu não estava lá por isso, mas sim porque fui chamado, senti ser, para ser sincero; era estranho descrever, mas era o que havia ocorrido.

Dito isto, parti. Sim, parti, sem deixar quaisquer notas para trás. Larguei Natsumi na casa que estávamos há um mês sem dar qualquer satisfação. Isso não era do meu feitio, mas eu precisava, pelo menos dessa vez, não deixar ela saber de nada: eu estava caçando. Quem? Não fazia ideia, mas aquela presença me chamava e eu tinha de responder esse chamado, do contrário eu não seria capaz de ser o que esperavam de mim. Aliás, porque eu estava fazendo isso, mesmo? Não me recordo. Ah, sim. Faço isso por Shaka. —— Ei, tu. —— falei para o homem à minha frente que cortava alguns troncos de madeira. —— Onde estamos, exatamente? —— perguntei, me aproximando. Notei que este possuía um corpo robusto e uma feição um tanto velha; talvez fosse um homem de idade. Não sabia predizer ao certo, e olha que eu era um caçador e investigador. Estamos próximos da vila Kaida, a vila de caçadores. ele respondeu. Sua voz era falha e um tanto baixa, mas consegui escutar graças ao fato de ter me aproximado o suficiente. —— Obrigado. —— respondi, jogando um saquinho de dinheiro para ele. Quaisquer informações úteis seriam pagas com dinheiro, pelo menos era assim que eu recompensava os bons homens.

Acendi um cigarro e continuei minha caminhada em busca do tal vilarejo que o homem me dissera, buscando quaisquer informações no solo e no ar que pudessem me guiar. Admito que não foi tão difícil assim, ser especializado em uma coisa te torna uma pessoa muito útil em determinado campo de ação, e o meu era a caça: então achar uma vila de caçadores era fácil. Meus pés davam passadas em velocidade moderada, afinal, ainda não havia me acostumado com o local onde eu estava. Toda aquela neve, aquele branco, me era incômodo e fazia as vistas doerem, mas em compensação, era tudo tão fácil de descobrir; as pegadas das botas que os homens usavam deixavam marcas na neve, o que facilitava meu trampo.

—— Ei, senhor. —— gritei para um homem que vi próximo do local qual eu estava indo. Talvez as pegadas que eu seguia fossem dele… não, não eram, o tipo de bota que este trajava era diferente. Opa! ele respondeu. —— Sabe me informar como eu chego em Kaida? —— perguntei. Só seguir por ali meu filho, você vai saber que está próximo pelo cheiro. disse o homem. Reparei em sua face enquanto este falava, e notei que ele tinha uma tatuagem um tanto quanto estranha no pescoço, uma espécie de escudo com espadas cruzadas. Agradeci o homem da mesma forma que o outro e segui adiante, em busca do local.

…

Quando cheguei, notei que já havia passado algumas horas e a noite começara a cair; o tempo esfriara e eu podia ver minha própria respiração no ar. Acendi um cigarro mais uma vez, e deixei que o ar tóxico e quente aquecesse meus pulmões momentâneamente, expelindo-o para fora após alguns segundos. —— O que será que Natsumi está fazendo agora? —— pensei comigo mesmo. Eu não havia deixado nada para que ela soubesse o que eu estava fazendo ou qual era meu paradeiro. “Não sei de onde tirei a idéia de que se ela não soubesse estaria melhor, porra! Ela é minha parceira, eu errei em não pedir sua ajuda… mas agora que estou aqui, sigo em frente, com ou sem ela.” pensei comigo mesmo. Traguei o cigarro até seu filtro e o joguei no solo, terminando de apagá-lo com a sola do sapato; suspirei e entrei numa taverna qualquer, sentei no bar e pedi algumas bebidas: aquela noite eu iria me embebedar.

Enquanto eu ingeria líquidos e mais líquidos alcoólicos em meu ser, senti aquele sentimento estranho de novo. Era como se algo me chamasse, me convidasse para ir até ele, ou ela. Saí do bar, mas claro, paguei a garçonete antes que ela arremessasse um caneco em minha cabeça e rumei até o local que eu sentia algo. Apesar dos passos tortos e falhos, consegui chegar no local em questão, era um lago congelado. Observei meu reflexo na pedra de gelo e percebi que não estava nada bem. Ri, e peguei no sono.

…

Quando acordei, notei pegadas próximas de mim e uma pequena multidão se formando ao meu redor – aparentemente na noite passada alguém havia feito um estrondo gigantesco próximo do lago, descongelando-o. E essa pessoa talvez fosse eu, ou pelo menos fora o que os cidadãos daquele local pensaram. —— Com licença. É… Aqui é Kaida, correto? —— perguntei a uma mulher qualquer, e esta meneou com a cabeça em afirmação. Agradeci e me despedi, e rumei para um bar de ontem para pedir mais informações. Quando cheguei lá, porém, notei uma mulher pendurando algum tipo de recompensa para quem caçasse um lobo chamado Fénrir. —— E a recompensa por esse monstro é…? —— Indaguei a mulher enquanto me aproximava. A loira de olhos vermelhos apontou para o próprio cartaz e adentrou a taverna sem falar nada, apenas com um sorriso que julguei malicioso no rosto. Quando peguei o cartaz, vi que este mostrava a recompensa: dinheiro. Arqueei a sobrancelha e peguei o cartaz, lendo as informações de onde a fera poderia ser encontrada e parti para lá, iniciando minha missão.

Quando pude chegar nos arredores daquele vilarejo, observei as pegadas da fera que o cartaz me mostrou. Suspirei, e busquei mais informações do Fénrir naquele local; pegadas, pelos, e tudo que havia sido mostrado por mim naquele pedaço de papel colorido. Segui caminhando, atento ao meu redor, enquanto observava as marcas de pegada na neve fofa, além dos pelos negros da fera que possivelmente dormia em alguma caverna próxima dali; sorri momentaneamente pois dessa vez, de fato, eu estava caçando, mas não uma presa qualquer, mas sim A presa. Segui caminhando por entre as árvores do local, observando quaisquer sinais da fera, até que, esta me surpreendeu, pulando por cima de mim e caindo na minha frente.

—— Oi? —— falei à fera, abrindo um sorriso. A criatura de cinco metros abriu a boca, mostrando a dentição para mim. Suspirei, dei um passo para trás e ergui a mão; os raios negros tomaram forma de uma pequena lâmina de energia. A fera rosnou, e eu a fitei: num singular movimento, ambos nos movemos a extremas velocidades. A fera acertou uma patada em meu ombro, e eu, atravessei seu seu corpo. Apesar dos danos sofridos, arranquei a cabeça do animal e levei até a mulher horas depois, coletando minha recompensa e permanecendo por ali para tratar do ferimento – o que seria semanas, tornou-se meses, e eu gastei todo o dinheiro ganho com bebidas, cigarros e mulheres. Fiz alguns trabalhos de caça aqui e ali, pessoas, animais, itens, e após seis meses, decidi retornar para casa, para reencontrar minha parceira Natsumi.

Seis meses depois.

Meus pés me levaram de volta ao ponto onde comecei. Vi uma garota de cabelos vermelhos saindo de casa, se despedindo de Natsumi enquanto esta retornava para dentro do casebre. Segui até lá com passos lentos e abri a porta.

—— Cheguei. —— disse por fim.

2065, 2010
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Vício 0/3

Considerações:

Itens e afins: