Rendido ao inverno, o dia se entregou à noite: apesar das horas ainda não tão avançadas, o céu estava escuro como breu, as estrelas pulsando muito vivas, uma chuva de meteoros que surgia no canto do olho, um pássaro que surgia sobre a lua e então desaparecia na escuridão. Os cabelos cortados em forma de tigela oscilando, varreu com os olhos a paisagem noturna. Um homem bêbado se arrastava apoiado em muros, vacilante, até que a casa seguinte tinha em sua frente apenas um jardim desprotegido e ele caiu no solo, um baque surdo amaciado e abafado pela grama. Zen preferiu não se intrometer; a aparência maltrapilha, o cheiro de suor e urina que exalava de longe — soube rapidamente que se tratava de um caso perdido. Os deveres de um Chunin, resmungou, enquanto seguia varrendo com os olhos a vizinhança. Mas havia cansado de andar. Para dizer a verdade, estava cansado daqueles deveres sem sentido. Quem diabos atacaria Iwagakure, mesmo que em plena noite?, seguiu vigiando com a visão. Sua penosa incumbência não tinha fim, a lua estava estática no céu. Os cheiros da noite eram sutis, dominados então pelos fortes odores do bêbado. Deu outra olhada na figura, agora sem consciência e reconheceu na testa a imagem refletindo o luar. A tira metálica brilhava. Estreitou os olhos enquanto esperava a visão se acostumar ao breu — era comum encontrar ruas sem postes de iluminação funcionais na Pedra. — Você não pode ficar aqui. Quê? Anda, levanta. Não, para de resmungar, não é problema meu. Não tenho dinheiro. — O homem agarrou sua perna e ele recuou, horrorizado, mais em repulsa do que em medo, já preparando para agitar seu chakra no interior. Ele ergueu o rosto, a baba descrevendo uma linha no canto da boca, pendente. A mão subiu e não alcançou nada. Zen deu outro salto para trás, olhos arregalados. Os olhos do homem o encaravam como duas pedras pálidas, como os olhos de um estátua. O horror suspendeu e ele caiu. Voltou a inconsciência, despencando, seu queixo atingindo o solo como um alto estalo. Fraturou, resmungou Zen, como se se importasse. Deu as costas e saiu andando, bem sabia todo o incômodo que a situação poderia lhe gerar com todos aqueles relatórios e etc etc. Afundou as mãos nos bolsos e caminhou pela escuridão, a iluminação ritmada num acende-apaga como se fosse música. Cortou caminho por uma viela e enviesou pela esquerda, rua que culminaria em sua casa. Quase sorria com os olhos, pois enfim poderia deitar-se e pegar no sono, mesmo que fosse somente até a luz do dia voltar. E então, teve os ombros caídos e o canto dos olhos também caiu. Na porta de sua casa um oficial da vila colocava sobre o tapete uma carta. Bem sabia o que significava aquela carta. Resmungou algo ininteligível e esperou que o homem fosse embora, enquanto observava à distância. Depois que ele partiu, foi até lá ler o conteúdo do envelope. Zen esfregou os olhos com o dorso da mão, sentindo o sono bater à porta. Leu o conteúdo e guardou no bolso sua designação. Zen não se sentia muito empolgado. Parecia não ser mais capaz de seguir em frente com sua rotina cansativa, embora não o fosse cansativa no sentido literal da palavra — apenas estava cansado, cansado de sentir seus talentos desperdiçados em rondas no interior de ruas fantasmas. Abatido, deixou-se ficar algum tempo com o corpo curvado, a testa apoiada no batente de porta. Por fim, virou-se e caminhou, um pé na frente do outro, pois o caminho até o País da Neve seria longo. Dentro de si, porém, uma voz ecoava, descendo sobre a consciência como um martelo: "Desculpe, sou fraco. Não consigo." Mas quanto mais caminhava, mais se tornava cômica aquela voz.

Hp: 425; Ck: 425.

Spoiler:

Um pouquinho de calma, um pouquinho de medo. "Por que é que um Chunin tem que se preocupar com desertores? Esses sacanas, esses sacanas vão acabar me matando." A transformação da paisagem foi sutil, pois conforme se distanciava de Iwagakure os cheiros, os sons e a vegetação se alteravam apenas minimamente — pedras começavam a diminuir de tamanho, até que não se distinguissem do solo de cascalho; o solo de pedra começava a dar espaço para o crescimento de grama selvagem e então, quando menos percebia, estava olhando para arbustos volumosos e com frutos; os pássaros agora se mostravam aos montes, descendo à beira da estrada e pegando pequenos frutos; os cheiros, ah, os cheiros!, ele podia sentir o odor ocre de uma floresta, mesmo não havendo nenhuma ali, tendo presenciado uma somente há muito tempo, embora sua memória tivesse guardado bem aqueles cheiros e agora os invocava, associando, toda vez que vislumbrava o verde, por menor que fosse, uma folha ou planta, até uma árvore. Mas mesmo as agradáveis mudanças não o deixavam se esquecer: "aqueles sacanas..." Tirou do bolso a carta envelopada, dando outra lida, se detendo sob a sombra de um tronco podre que exalava forte cheiro de morte, passando o olho sobre as linhas finais. Depois tocou com a luva o tronco da árvore e observou ela se decompor. Um vilarejo, razoavelmente grande, surgia no horizonte, junto com os cheiros de fumaça e um burburinho distante. Parecia bem movimentado em comparação ao trajeto até ali, onde não encontrara vivalma na estrada. Sabia que logo em breve teria de investigar, sair perguntando em bares e becos, tendo o perigo a espreita-lo, afinal o que lhe impedia, mesmo conhecendo sua aparência, de esbarrar sem querer no fugitivo? Era desastrado demais e sabia disso, por isso temia. As mãos suavam e a luva ameaçou escorregar para fora da canhota, uma coceira emergiu nos olhos. A respiração ofegante, esbarrou numa idosa e derrubou suas compras. "Me desculpe, me desculpe", disse, continuando a caminhar. Entrou num bar e foi direto ao balcão, tentando soar o mais discreto possível, porém mais uma vez esbarrou e tropeçou, quase levando uma cadeira consigo, fazendo respingar uma caneca de cerveja. O rosto ruborizado, perguntou sobre o homem ao atendente. "Tem um cara... bem, ele é assim e assim", disse, tentando gesticular para exemplificar as características físicas do homem, claramente sem sucesso. "Ele tem uma cabeça de javali, é isso. Agora me lembrei. Anda sem camisa por aí, acho que tá sem bandana também. Você viu ele? Bem, se não viu, espalhe a mensagem, ok? Iwagakure está investigando esse cara, se você puder nos ajudar, vai ficar bem com a gente, hein", tentou dar um tapinha no ombro do homem mas ele recuou, fazendo cara de poucos amigos. Zen já não parecia mais tão confiante como enquanto falava, mas ao menos entregara a mensagem. Estava num bar e, presumidamente, a notícia da busca, assim como de sua chegada, percorria a pequena comunidade rapidamente. Era o que esperava. Enquanto isso, só podia esperar, tremer e suar. A ponta do pé martelava o solo, impaciente.

Hp: 425; Ck: 425.

Spoiler:

Que frio que fazia! De repente parecia haver gelo ao seu redor, muito gelo, flocos caindo do céu, as plantas e os telhados repletos com uma manta branca; o corpo tremia, numa tentativa vã de se aquecer. Estava novamente em casa, naquela pequena aldeia erguida à encosta de uma montanha. Sua mãe, aterrorizada num canto, encolhida enquanto um homem enorme a ameaça com as mãos nus. Ele gritava algo, gesticulava, lançando seu sombra sobre o corpo diminuto dela, exalando um cheiro forte de fumaça e alguma outra mistura que ele fumava. Suas costas suadas e morenas, o porte físico de um lutador de sumô; na porta, um homem menor observava a cena, segurando Zen pelos ombros. Durara horas — mas não vez anterior foram minutos? ou um dia inteiro? Tirou a mão do copo gelado, deixando de beber a água. Retraiu as mãos e se virou, embora a garganta ainda estivesse seca; mais seca agora. O coração martelava seco no peito, suas batidas ecoando rapidamente, dando ritmo ao seu pânico. Os olhos, cujas pupilas pareciam dilatadas ainda que a visão se mantivesse clara e limpa, logo miraram a porta e seu corpo obedeceu o sinal para sair dali. A imagem ainda aparecia na mente, borrões dos tons da lua penetrando no aposento, o piso de madeira iluminado, gotas de suor caindo da testa do homem grande e pesado, a mãe de Zen'ichi acuada ao canto e ele ainda segurado pelos ombros, impotente diante da situação, que já compreendia mesmo com pouca idade. "Vou matá-los", lembrava de ter pensado, como se toda aquela coragem chegasse até ele tão carrega que era impossível de repelir, mas no instante seguinte tudo passou e voltou outra vez o terror e a impotência. O tempo se desfazia diante dele e o passado se fundia ao presente, a realidade e o trauma, a vida e a morte, as barreiras e a liberdade que lhe fora tirada. Então passou um vulto em sua frente. O homem com cabeça de javali, que despertou-o de seu transe traumático. Ele era rápido, mas pode ainda assim distinguir a forma amarronzada na cabeça, as presas em evidência. Se pensasse um pouco mais e deixasse a ação de lado o perderia, portanto, lançou-lhe uma paralisia — àquela velocidade seria o suficiente para desestabiliza-lo, quem sabe até mesmo derruba-lo ou faze-lo tropeçar — e se impulsionou para frente, usando de uma técnica de água lançada pela boca contra o solo para isso. Parecia desperdício usar todo aquele poder destrutivo para ganhar velocidade somente, mas era do que se podia valer no momento. Não pensava direito — ou talvez o fizesse até bem demais, dadas as circunstâncias —, só desejava acabar rapidamente com isso, portanto usaria do impulso para tentar cair sobre o desertor, neutralizando-o por ora.

Hp: 425; Ck: 315.

Spoiler: