A fuga fez-se com sucesso, os caminhos que seguiu foram feitos de maneira igualmente furtiva que a saída, mas um tanto quanto reflexiva, como se toda a paisagem a estivesse observando da forma mais cruel possível. Pôs as mãos em sua cabeça em visível sinal de amargura, como se sua mente partisse em mais de mil pedaços de vidros, aquela pureza, aquele sentimento de eterna consternação e alinhamento com a ordem era destruído, face por face, fase por fase, existência por existência, até que de si não sobrasse mais nada do que o sentimento de renascimento.

Um pássaro passou voando, cortando o ar, deixando cair um favo que carregava, caindo lentamente sobre a cabeça da kunoichi. Um vento gélido percorreu todo o caminho que seguia, gelando sua espinha enchendo seus olhos da mais cristalina lágrima, não de tristeza, longe disso, mas de alegria, para ela, no fundo de sua alma, um novo começo, ou melhor, o inicio de seu desejo maior...

“Vou destruir tudo e todos e não me importo em morrer por isso...”

Chegou à vila do arroz e se refugiou num canto de uma mata densa, sentada como se pensasse qual o próximo passo seguiria, só sabia que não iria estender por demais seu tempo ali.

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As árvores que serviram de refúgio por um breve momento tiveram sua guarita cancelada por uma misteriosa técnica que atingia a garota.  Um bando de corvo a circundou, e uma voz fria, melancólica e crua transpassou pelos seus ouvidos em alto som. Com o desenvolvimento de seu domínio psicológico foi até mesmo capaz de sentir engasgos na voz de seu interlocutor, como se estivesse contendo o choro ou reprimindo uma raiva irracional.

"Essa voz... É de ninguém menos que do meu Chunin-kun."

Abriu um largo sorriso exibindo os caninos afiados, a bocarra cada vez maior e o rosto retorcido numa onda de prazer, ódio, medo e surpresa. Deleitou naquele momento da vilania do destino que fazia mais um daqueles processos de eterno retorno, de encontros e desencontros, se entregou aquela brincadeira deixando ativado sua técnica ocular. Conhecia de genjutsus e graças aos seus olhos, poderia cancelar facilmente a técnica, mas não teria graça, não naquele momento.

— Sabe Tamashi — Disse após a pergunta do rapaz, sua voz assumia, nesse momento, um caráter monótono, baixo, calculista, como se soprasse suas palavras e deixasse com o ar a árdua tarefa de carregá-las para onde é que elas tivessem que ir — na missão que fizemos achei você um verdadeiro tédio, um muleque que parecia acreditar que alguma coisa naquele universo fazia sentido, como se crianças tivessem mesmo que morrer e lutar em missões por alguma coisa como uma vila.

Gargalhou pondo as mãos na franja, a mesma expressão demoníaca no rosto. Sua voz se tornava mais aguda a medida que cada palavra sibilava de sua boca como chicotes de um ser acuado, próximo da morte, mais orgulhoso de mais para assumir isso.

— Como me irritava a ideia de morrer por uma bosta de aldeia onde vivem pessoas que o que eu mais queria era ver mortas, esquartejadas! Toda aquela ladainha de amizade e companheirismo, tudo sempre se tratou de uma imensa sombra que esconde a verdadeira natureza da ordem, que se trata, de fato, de uma desordem que se pode compreender e descrever, mas que não produz nada, apenas fere e machuca num ciclo repetitivo, quase masoquista!

Gritou e uma gota de lágrimas escorreu de seu olho esquerdo, mais uma vez estava entediada, mesmo aquela conversa não fora capaz de preencher o vazio que inundou seu coração. Num relance foi capaz de ver o rosto de sua avó, imaginou o de sua verdadeira mãe e depois viu cada uma dessas imagens se desfazer em sua mente. Segurou a cabeça, forte e com medo que ela fosse explodir, a dor e um intenso apito começou a martelar todo o seu crânio, olhou ao redor, mais uma vez irada.

— Estou aqui porque quero ficar mais forte menininho, porque quero destruir tudo, ou, pelo menos, o máximo que eu puder! Mas não se engane, eu não quero nada, não tenho ambições nem expectativas quero me destruir junto com essas coisas, e agora mesmo, quero destruir você, mas sei que não tenho poder para isso.

Cancelou a ilusão com uma palavra.

— Kai.

E observou a reação do rapaz a sua frente.

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"Um encontro bastante melancólico, não posso deixar a situação sair do controle, não nessa etapa, precisamos nos unir, não com um objetivo homogêneo, mas na tentativa de nos estruturarmos como algo mais forte e coeso, livre daquelas tendências que possam levar de imediato a nossa eliminação, não, temos muito o que fazer por aqui ainda."

Asami mais uma vez avaliava o rosto do jovem como se procurasse nele algum sentido, mesmo nas suas variações emocionais e nos motivos que o conduzia até aquela situação que, em situações normais, nenhum ser humano deveria passar. Seus olhos se movimentavam de maneira sorrateira, mas até mesmo o menos analítico dos observadores notaria um certo deslocamento psicótico de seus globos oculares, como estivesse em um eterno anseio para entender a si e ao outro.

inspirou fundo, absorvendo cada partícula de ar dentro do pulmão as expirando com delicadeza, fechou os olhos, assertiva, como se fosse uma pessoa superior, que conhecesse a resposta de todos os dilemas, ou mesmo, como se constituísse a última peça daquele quebra cabeça perverso e imoral. Tinha consciência de que não se tratava nem de um nem de outro, apenas cansou daquela conversa que não daria a lugar nenhum, apesar de manter a curiosidade sobre o que levava aquela pobre criança até ali.

"Foi essa ordem... Essa ordem fez um menino com essa idade ter que passar por tudo isso, e é tão bonito, talvez seja a faceta que mais me agrade do sistema, pois ela nutre o coração dos mais fracos, dos menos estáveis de rancor, enchendo-os do combustível da revolta e permitindo que estes se tornem incendiários de uma revolução que não tem nenhuma direção se não para a completa destruição, seja da própria pessoa ou do alvo daquele ódio."

Toda essa avaliação, talvez errônea, fora feita durante a fala de Tamashi, mas não se engane, a menina tinha consciência de cada uma das palavras ditas por ele, sorriu em algumas partes, principalmente as condizentes com sua força, e mesmo chegou a abrir a boca de tédio na última parte, mesmo que ela fosse uma possível resolução para os motivos que trouxeram o jovem até lá. Pode parecer um tanto contraditório, entretanto, nenhuma de suas ações soaram desrespeitosas, muito pelo contrário, o fato de se mostrar entediada com as palavras de Tamashi tinha mais um significado de senso comum, de maneira que tudo o que o jovem ninja disse não passava de um fato corriqueiro para ela, em sua mente, representando mais uma conformidade e um alinhamento, até certo ponto, do pensamento entre os dois, por isso a menina avaliava a conversa como perda de tempo, do que o total desprezo pelas coisas que ele falava. Se manifestou, por fim, a última parte da fala do ninja renegado:

— Lixo? Que graça tem em destruir lixo nuke-kun? Não... Por favor! Não caia nessa falácia de que quero, ou você quer, destruir o mundo por ele ser um lixo — abriu os braços mais uma vez assumindo aquela feição demoníaca em seu rosto — existe muita coisa que insistem em chamar de "boas" nesse mundo! Família! Laços! Pessoas com objetivo de tornar esse lugar "menos pior" para aqueles que vivem da maneira mais baixa e vil! Mas me diga... Por quê? Sim... Talvez construir um mundo melhor seja tão ignóbil quanto querer destruir, mas não seria esse o caminho racional a se seguir? Bom, esse seria o caso se o mundo fosse realmente um lixo, pois poderíamos reciclar tudo, eliminar a dor, mas não, essa é uma visão errônea. O mundo não é um lixo, mas a única possibilidade de existência num universo acostumado com uma ordem que em minha mente não faz nenhum sentido. Portanto não se trata de lixo, mas de uma maquete bizarra em que nós dois não nos encaixamos.

Percorreu um caminho até uma árvore frutífera, não sabia de qual fruta se tratava, apenas sua intensa tonalidade  escarlate que parecia cintilar em suas mãos. A imensa árvore de cor negra, folhas de um tom quase acinzentado e aparência úmida se distanciava entorno de cinco metros da distância original que estavam um do outro. Tomou o fruto com dificuldade e comeu, sentiu o gosto extremamente doce encher sua boca a ponto de seus olhos marinar, tinha fome, sentiu até mesmo uma leve tontura ao caminhar e mesmo a vista estava embaçada, permaneceu agachada como se brincasse com alguma coisa próxima da parte mais inferior do tronco da árvore.

— Ei... Tamashi — pela primeira vez usava o nome do rapaz — qual você acha que vai ser nosso fim?

Sua voz saiu como algo bobo, como se mantivesse a inocência de tempos remotos e imemoriais, sentiu um terrível peso no coração, levantou-se e caminhou em direção ao jovem rapaz, passou ao seu lado calada, o rosto fechado e as bochechas levemente coradas.

— Venha, vamos procurar um lugar para nos refugiar, o tempo está fechando e acredito que possa chover.

Parou por um instante e olhou para trás, antecipando qualquer movimento que seu companheiro fizesse.

— Aproveite e me conte seu objetivo real Tamashi, ou melhor, Baal, seja lá quem for.

Terminada sua fala voltou a percorrer um caminho em direção a qualquer lugar que pudesse oferecer guarita, claro, mediante a nova situação que estavam, se permitiu a movimentos mais lentos mas muito mais seguros de forma a se atentar a qualquer movimentação anormal no espaço durante a caminhada.  

— Aproveite e ative a técnica de seu olhos, como cheguei agora temo que alguém possa ter me seguindo.

Na difícil missão que os dois fizeram juntos os olhos de Tamashi se mostraram bem úteis para o rastreio e, mesmo agora, a memória daquela missão parecia algo tão próxima que doía, lembrou de seus antigos companheiros de time, todos tão entediantes quanto Tamashi na época, esses, porém, um pouquinho mais, pois mesmo nesse sentimento de profunda nostalgia e de tal forma vivido, não foi capaz de lembrar o nome e, pasmem, nem sequer do rosto e da voz deles, talvez fosse a fome, mais todos o que conheciam, exceto Tamashi e sua mãe, em sua memória, nada mais eram que borrões escuros em sua cabeça.

Destruir tudo se tornou ainda mais fácil.

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