Cansado demais para se aventurar em leituras, restou somente a espada. Abriu as janelas, deixando a invasão acontecer: luz inundando o aposento como num tsunami desenfreado. O relógio no alto da parede, acima da da pia, num canto quase sombrio, oculto, marcava o cair da noite. Lá fora, a foice da lua se apresentou tendo um céu sem nuvens como plano de fundo; as estrelas ainda não surgidas — ou tímidas demais para dar as caras tão cedo. Sentado em sua cadeira, Shizuke se refestelou: fechou os olhos, respirou fundo. Pousou na escrivaninha o copo agora vazio, sentindo a cabeça leve, embora uma dor despontasse em algum lugar, fraca, quase ausente, mas ainda lá. Levantou abruptamente mas voltou a se sentar, acometido por uma dor aguda e tontura. Esperou a pressão estabilizar, voltando-se para o cabo da arma presa à cintura naquele momento de fraqueza. Pousou sua mão sobre o punho enfaixado — diziam que essa é uma das formas milenares de não desgastar o material na região, deixando o espadachim menos suscetível a perder sua espada em combate quando tiver as mãos suadas. Sentindo-se melhor, levantou e dessa vez a tontura foi suportável. Observou as ruas lá fora, pelo quadrado diminuto da janela, cercado pelas franjas da cortina. A lua devia jogar uma imagem igual a sua refletida sobre a vila, de foice, mas não era algo que podia ser visto sendo tão pequeno, tão humano. Saiu para se aventurar noite adentro.

Não muito longe dali, um descampado, silencioso. A noite apartava o campo aberto da mata que se embrenhava até perder de vista. Shizuke, descalço, podia sentir cócegas em seus pés, do vento que se aventurava sob a relva. Testou o peso da espada em seu punho. Estava acostumado a tê-la em mão ao menos e mesmo dizendo-se um mestre no uso, ainda estava longe do ápice. Colocou a mão sobre a testa, espiando o horizonte. Longas horas de luz ainda. Testou cortes no ar, acompanhados pelo som seco que mais parecia alguém soprando seu ouvido. Assomando sobre ele, a noite, quieta. Uma entidade sem rosto que se agigantava lançando sombras das árvores mais ao fundo, estacas pontiagudas buscando um coração, dedos esguios na procura de um pescoço desprotegido. Se colocou em postura; todo o corpo baixou alguns centímetros, os joelhos levemente arqueados, sua própria envergadura agora utilizada como deveria. Outro corte. Nesse, sentiu algo. Uma certeza, de que estava certo, de que fizera certo. Embora soubesse estar próximo do degrau seguinte, nunca praticava com a arma, mesmo a tendo por tantos anos, desde o início de sua carreira ninja, desde sua chegada à Konohagakure. Uma coruja distante, escondida pela densa mata, provavelmente. Um vento frio diante do qual não pode conter um calafrio que lhe subiu pela espinha. Desceu a visão para sua mão, grande, mas com dedos finos. Fechou o punho mais firme sobre o cabo, sentindo os musculos retesados em todo o braço. Afrouxou o toque e testou um último golpe, buscando ver até onde chegaria numa batida do coração. Foi. Olhou para trás, suas pegadas, fundas na relva por ter ficado tanto tempo em pé, distantes uns bons vinte metros. Conseguiria ser mais rápido se tentasse; deveria. Mas por ora era o suficiente. Embainhou a infame arma e caminhou de volta para casa. Dormiria.

Hp: 1150. Ck: 1200. RC: 1000.

Spoiler:

Spoiler: