Yamanaka Saori
山中小居

Dia de folga; às vezes é estranho pensar nessas coisas. Ninjas tem dia de folga? Talvez seja só uma maneira de falar “fique em casa, mas com os olhos abertos e os ouvidos em pé”. Talvez os tempos estejam calmos, mas é como dizem por aí: sempre existe uma calmaria antes da tempestade. No final das contas ficar em casa sem fazer nada era incômodo. Me limitava a ficar trancada no quarto, no máximo lendo algo ou estudando, enquanto pensava em toda a situação em que me encontrava. Tão nova, tendo que se preocupar com a própria mãe. - Não é nada fácil. - sussurrei a mim mesma em meio a um suspiro pesado.

Dias assim se resumiam a mim deitada na cama, pensando e me lamentando. Era um péssimo costume, talvez eu devesse mudar isso. Era tudo tão mais fácil quando ele estava aqui... Virei-me para o lado esquerdo da cama, olhando o pequeno porta-retratos que continha uma foto de nós três. Todos tão sorridentes... Aquilo parecia outra vida; ninguém nunca espera o pior para si. Eu não esperava nada, provavelmente não tinha consciência da própria vida. Hoje já faz quatro anos desde o... incidente. Apesar disso eu nunca pensei muito nisso. Foram muitos sentimentos de uma vez só, tudo parecia um borrão em minha memória, o que chegava a ser irônico. Yamanakas, controlam a mente, acessam cabeças, investigam memórias. Quem dera fosse tão fácil cuidar dos próprios problemas dessa maneira; no final das contas, acho que é assim pra todo mundo. Quando se trata de você mesmo, nada é fácil. Olhava para a foto enquanto um filme começava em minha cabeça... nosso último treinamento.

Quando estava com ele era sempre uma sensação de leveza. Mesmo quando ele era duro em umas palavras eu entendia que tudo o que ele queria era que eu crescesse como uma ninja poderosa; talvez ele tivesse medo de perder para esse mundo, afinal, ele conhecia bem como funcionava e... eu era sua única filha.

No meio de todas aquelas montanhas e nuvens ele sempre encontrava um local calmo para treinarmos. Daquela vez foi em um pequeno tipo de campo que foi criado em cima de uma das montanhas. Talvez a vista daquele lugar fosse amedrontadora para estrangeiros, mas viver em um local desses sempre me deu uma incrível sensação de liberdade. O infindável azul do céu, sempre se mesclando pelo branco das nuvens... Era como se ao mesmo tempo em que não se tinha um lugar para seguir adiante, você tivesse todos os lugares para avançar. Talvez eu tivesse aprendido isso com ele. Às vezes nós simplesmente íamos para lugares como aquele para olhar para o horizonte e sentir o vento passando por nossos cabelos. Mas aquele não era um dia pra isso. Apesar de toda bondade, meu pai sempre considerou todo tipo de possibilidade, sendo assim eu deveria ser capaz de lutar e me defender, caso necessário. Além disso, eu já frequentava a academia naquela época, então era compreensível que ele esperava que eu me saísse bem quando fosse a hora.

O treino de um Yamanaka não era tão comum quando se tratava das técnicas base do clã. Como uma diversa gama da classe ninja, o controle de chakra é um requisito importante, afinal, nossas habilidades estão diretamente ligadas ao envio de chakra à nossos cérebros ou sistema nervoso central, o que pode ser extremamente perigoso; quando feito de maneira inconsequente os danos podem ser piores do que se pode imaginar. Essa parte já não era um problema para mim. Talvez por consequência de meu início cedo nos treinos, talvez por alguma disposição genética, meu ninjitsu tinha um refinamento incomum a todos os ninjas. Por conta disso, o controle do chakra para as técnicas do clã sempre foram muito bem feitos, de acordo com as análises do meu pai. Apesar disso, chakra não é o único requisito para as técnicas mentais; os hiijutsu dos Yamanaka são uma das poucas técnicas que possuem habilidades capazes de transferir e afetar terceiros diretamente com sua consciência. Apesar do Genjutsu, uma das artes principais dos shinobi, afetar principalmente o cérebro e as sensações, não é a mesma coisa. Nossas habilidades trabalham principalmente com nossa própria mente, tanto que nossos corpos muitas vezes ficam sem proteção alguma quando as utilizamos. Por conta disso, é necessário a preparação e inteligência corretas para saber quando e como utilizar tais habilidades.
O tipo de treinamento situacional de quando utilizar tais técnicas era algo difícil, afinal treinar em campo é algo impossível, então o máximo que podíamos fazer era simulações. Eu tenho certeza que tais simulações nunca conseguiram refletir a realidade, mas ainda sou certa de que, no mínimo, isso me vai ser útil algum dia.

Por sua vez, o treinamento com as técnicas podia ser libertador. Utilizar a transferência mental em pássaros era uma ótima forma de treinar o acerto da técnica e ao mesmo tempo te possibilitava uma experiência única.  Dizem que o sonho do homem é voar e, apesar provavelmente algum outro ninja já ter desenvolvido alguma técnica que possibilite isso, eu acredito ter um certo privilégio por ter feito isso ao lado de alguém tão importante para mim... pelo menos por uma última vez.

Lembrar de tudo isso era nostálgico e triste ao mesmo tempo, se é que aos doze anos de idade é possível sentir nostalgia. Talvez esse mundo ninja fosse mais prejudicial do que benéfico, no final das contas. Algumas vezes eu me perguntava o porquê de não chorar nesse tipo de situação. Talvez apenas liberar todo esse sentimento fosse mais fácil, mas eu simplesmente não conseguia... As memórias conseguiam me aquecer, apesar de toda a dor. E, independente de qualquer tristeza, eu precisava ser forte, agora mais do que nunca. Eu duvidava que minha mãe tentasse fazer algo contra sua própria vida, mas o que se passa na cabeça dela é algo que somente ela sabe. Já faz muito tempo, ao menos pra mim, mas quando for a hora ela seguirá em frente. Tudo que posso fazer é continuar olhando para o futuro.
 

Considerações: