A transição do inverno à primavera era um período seco e gélido, Konohagakure perdia grande parte da vida que a inundava rotineiramente; pássaros deixavam de cantar, quadrupedes de médio porte se escondiam para fugir do frio, civis preferiam se isolar entre quatro paredes para receber o abraço terno de uma fogueira. As ruas, como consequência, eram desertas. Um orvalho fino descia sobre a vila, mais cruel do que qualquer tempestade, pouco a pouco umedecendo os cabelos do solitário Jonin. Não havia outra alma nas vias da Folha para compartilhar com ele daquele clima frio — o que significava que a praça próxima a sua casa estava pacifica como de costume, interrupções seriam praticamente impossíveis. Sentou-se sobre o banco de madeira, afastando com suas mãos a fina camada de orvalho que conseguira driblar a proteção que a copa da árvore fazia sobre a pequena praça; recostou-se e respirou fundo o ar álgido, gerando um leve desconforto em suas narinas, sentindo aquele mesmo ar percorrer todo o caminho até seus pulmões. Tendo carregado-o durante todo o caminho debaixo do braço, finalmente podia pousar o livro em suas coxas e se demorar na leitura do Kinjutsu: Volume um. Ajeitou a postura, respirando fundo uma vez mais e então fixou seus olhar pelas linhas escritas.

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Arsenal:

Uma sombra, projetada com um longo dedo negro sobre Flare e seu livro, se assomou subitamente. Avançou rapidamente através do papel amarelado do livro, então se propagando até o cobrir por inteiro; não era a árvore, concluiu de imediato, pois a posição do grande astro pulsando no alto do céu não permitia tal coisa. Ergueu seu olhar para a fonte daquela interrupção, alternando para uma expressão altiva. Uma garota; cabelos negros, magra, estatura razoável. Lançou-lhe uma provocação e ele, tendo em vista que não passava de uma criança, respondeu serenamente, forçando um sorriso.
— Existo porque nasci, criança. — Sua boca se curvou para cima em arco, quase no formato de um C, mas sem mostrar os dentes. Por outro lado, o restante de sua superfície facial era impassível, seus olhos apenas perscrutando agora em busca de espanto. Fechou o livro, mas claro, não antes de dar uma olhadela para o número da página no canto inferior direto e o pouso ao seu lado do banco de madeira. — Você é uma genin, garota? — Perguntou subitamente, lembrando-se de alguma atribuição de seu cargo que não lembrava ao certo; Ter alunos? Ou era ter uma equipe? Não que importe agora que interrompeu minha leitura.

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Arsenal:

Ainda que habilidades sociais não fossem seu forte entendia o sarcasmo aplicado pela garota; todo seu corpo parecia denunciar o tom irônico empregado pela voz. Interrompera a leitura do Jonin e isso deveria ser motivo suficiente para estar furioso, mas não estava. Ao invés disso estava curioso; a personalidade da tal despertara o interesse.
— Ah, isso é uma pena. — Fez um muxoxo, tentando demonstrar também um pouco de desdém diante da situação. Mas durou pouco sua expressão, relaxando em seguida os músculos faciais de volta à impassividade. — Sim, sou um ninja — disse, tocando com o indicador a bandana amarrada em torno de seu bíceps. — Apesar do bom salário e do acesso irrestrito a biblioteca, tenho algumas obrigações desagradáveis.

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Mentiria se dissesse que algo naquela criança o lembrava de si mesmo naquela idade, estava mais para o completo oposto. Ela era sincera e direta com o que queria e pensava, algo que Flare nunca fora capaz de ser. Não podia deixar de sentir alguma afeição referente à ela; como se estivessem fadados a conhecerem um ao outro, embora não acreditasse em destino e histórias pré-concebidas. Encarou-a com sua expressão neutra usual, ainda que essa fosse agravada pela tinta negra depositada sobre sua esclerótica, preparando-se para dar início ao ritual de tragar seu cigarro. Antes disso, a garota movera-se em sua direção; a princípio imaginou ser algo inofensivo, mas então viu que uma de suas pernas vinha na direção de seu rosto — mas naquela velocidade era como se estivesse movendo-se em câmera lenta, bastando apenas um passo recuando para que saísse da rota de colisão. Um movimento breve e preciso; suficiente.
Encarou-a uma nova vez, acendendo seu cigarro e o colocando entre os lábios.
— Ah, isso não foi muito legal. — retorquiu, expulsando a fumaça dos pulmões e dando um passo a frente de maneira brusca, apenas para observar a reação da garota.

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Espremeu seus olhos após a esquiva abrupta que teve executar, esquadrinhando o rosto da garota na busca de alguma expressão visível que se diferisse do sarcasmo anterior; encontrou várias. A súbita empolgação da mesma o colocava numa posição inesperada de cobaia, um mero comparativo para as habilidades dela. Para ser honesto, era indiferente quanto àquilo. Seu sorriso agora aparentava ser genuíno, não mais tomado com uma malicia que só as crianças possuíam.  O Jonin suspirou brevemente, como se desejasse demonstrar cansaço ante a situação, juntamente expulsando fumaça cinzenta de seus pulmões. Tragou um pouco mais de seu cigarro, insensível à nuvem fervente que percorria a trato respiratório, indo e voltando. Por fim, descartou o amontoado de cinzas que descansava na ponta do cigarro, batendo com o indicador oposto sobre essas para que se soltassem e caíssem. Afastando o olhar de seu vício ritualístico, voltou-se para a Genin.

— Claro que não — respondeu de imediato, divertido pela indagação. Não se imaginava parecido com alguém numa posição inicial na carreira ninja como ela acabara de suspeitar; todo o conjunto de sua aparência o afastava ao máximo da imagem infantil de uma criança em seus treze anos, possuía piercings e tatuagens espalhas pelo corpo, olhos negros preenchidos com tinta, a postura despreocupada de quem está numa posição de conforto. — Flare — devolveu, ao aprender o nome da coisinha. — Sou um Jonin — e deu de ombros, como se não fosse grande coisa. — O segredo para se chegar longe é sobreviver a todo custo e eu, como um bom covarde, sei bem disso. Até mesmo tarefas banais nesse mundo conturbado, como resgatar um gato numa árvore, podem se tornar tragédias sem tamanho. O mundo ninja é uma caixinha de surpresas, garota. Minha terra natal, embora cruel, era simples. — Concluiu com um de melancolia, embora incerto de ser esse mesmo o sentimento. Deixou o cigarro cair em queda livre na direção do solo, depois o pressionou com a sola do calçado para extinguir a chama.

— Ah, não quero te atrapalhar mais do que isso — disse, como alguém que desperta assustado de um sono de cem anos e precisa apressar as coisas. — Vou indo. Lembre-se: sobreviva. Até outro dia. — E, recolhendo o livro que pousara anteriormente no banco, começou a caminhar de volta para casa.

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