A NOITE EM Konoha era linda. A cidade se iluminava em vários pontos amarelos e as mariposas dançavam buscando a luz. Civis e ninjas sentavam-se lado a lado em bares e quiosques, até dividiam drinques como se não houvesse problema. Crianças choravam pedindo sobremesa antes do jantar e pais firmes os impediam. Realmente, era uma beleza singular; um momento sublime. Menos para Ōmura.

Ōmura não via nada demais, sinceramente. Tantas luzes, tantos insetos, tantas pessoas. Era tudo tão... comum. E, acima disso, tão indiscreto. Para ele, não existia motivos para as pessoas fazerem tanto espetáculo com coisas tão simples. Muito menos entendia o motivo de crianças chorarem por uma norma simples como a de não comer sobremesa antes do jantar. Essas coisas eram todas singelas demais, indiferentes demais. Ōmura não entendia.

A única coisa que Ōmura realmente gostava nas noites da cidade era a seguinte: ninguém dava muita importância as coisas que ocorriam aos arredores. A menos que uma criatura divina descesse dos céus emitindo raízes assassinas em todas as direções antes de ser detida por dois Hokages, ninguém dava a mínima. Nem mesmo abria a menor das suspeitas, por exemplo, se um ninja iniciante saísse do centro do vilarejo carregando uma sacola enorme rumo aos arredores da vila — ainda que dentro das dependências. E isso era exatamente o que ele estava fazendo naquela noite — e em outras tantas.

Mas, de fato, ninguém precisava se preocupar com aquilo. Seu destino era tão melancólico quanto acreditar que mariposas serão mais felizes se encontrarem a derradeira luz. Parava sempre em frente a um túmulo com o nome Yakushi Imai entalhado numa rocha. Da enorme sacola, sempre retirava um buquê de flores e o colocava no local sagrado e fúnebre. Unia as mãos e fazia uma prece silenciosa — embora desacreditasse que alguém estaria ouvindo num plano divino, ele havia sido ensinado assim no Orfanato. Depois, ficava alguns minutos contemplando o nome assinalado, ainda em silêncio.

Ele não compreendia o motivo disso tudo; será que era saudades?

—— Ora, se não é o Ōmura-kun —— disse uma voz doce e conhecida. Ele rapidamente estava virado para trás, os olhos conectados aos de Yakushi Nana, utilizando vestes semelhantes aos de uma freira com os cabelos loiros descendo em ondulados sutis. —— Também veio se encontrar com o Imai-kun? —— ela questionou simpática, entregando um ramo de flores ao túmulo assim como ele. Ao assistir a mulher unindo as mãos e fechando os olhos, ele a acompanhou — havia aprendido assim no Orfanato.

Por fim, ela endireitou-se.

—— Está pronto para terminar seus estudos, Ōmura-kun?

E ele assentiu com a cabeça sentenciando:

—— Sim, Nana-sensei.

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TÃO INEXPRESSIVA QUANTO o menino, a mulher que ele considerava uma mãe simplesmente avançou com um chute alto em sua direção. O menino não tinha os reflexos tão aguçados quanto um shinobi de elite, mas o movimento da mulher tampouco era veloz. Ōmura desviou para trás, contendo-se antes de pisotear as flores deixadas para seu irmão. Então saltou para trás acertando um giro, ultrapassando o topo do túmulo para repousar logo atrás deste. A mulher então sorriu. Tinha um quê assombroso naquele sorriso, diferente de uma figura materna convencional cheia de amor. —— Konoha realmente sabe escolher quem deve aprovar na academia —— ela contemplou e abaixou finalmente a perna.

—— Bem, sim, eles são pagos para isso afinal —— ele comentou, mas ainda não estava sendo sarcástico de propósito, apenas achava que era uma coisa extremamente óbvia; os professores eram pagos para selecionar os melhor dos melhores para se tornarem soldados. Não devia haver surpresa. Entretanto, a expressão no rosto de Nana disse o contrário — mas ele não entendeu dessa maneira.

—— Ōmura-kun, você se lembra do que eu lhe ensinei em nosso último encontro? —— ela questionou num timbre sutil e adocicado. O jovem olhou o brilho da lua e sentiu o frio acertando seus cabelos. Ele recordava muito bem os encontros com Nana desde a morte de Imai...

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ELE LEMBRAVA MUITO BEM, pois acontecia quase todas as noites. Ninguém podia saber, entretanto. A identidade de Nana precisava ser mantida em segredo, pois ela não tornou-se uma kunoichi oficial de Konoha. Ela era de outra vila, aliada. Sunagakure no Sato, a mesma levada às ruínas nas invasões de Okina, de acordo com os boatos ouvidos pelo jovem Ōmura. Nana contou aos irmãos – Ōmura e Imai – sobre sua identidade como ninja apenas para incendiar neles a chama da determinação – provavelmente um arrependimento mais tarde, mas, naquele momento, ela teve a impressão de que seria o correto.

Mas desde que ele entrara na academia e, especialmente, desde a morte de Imai, a mulher resolveu arriscar tudo para transformar Ōmura em um shinobi excepcional. Portanto, encontravam-se a cada 48 horas para treinarem em lugares randômicos, sempre à noite. Nana era quem encontrava o aprendiz, nunca o contrário. Segundo ela, assim ficaria mais fácil para ela decidir o momento e o ambiente certo; a única regra era que ele estivesse disposto. E isso, felizmente, ele estava. Depois da morte de seu irmão – e melhor amigo – ele resolveu descobrir todas as coisas do mundo – ou quantas conseguisse em vida – para ser capaz de não apenas viver como ninja, mas não decepcionar mais ninguém; muito menos encontrar cadáveres de pessoas queridas, como o Orfanato de Konoha.

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O ÚLTIMO TREINAMENTO ACONTECERA há dois dias. E o objetivo dele, há um mês. Nana decidira ensinar ao menino uma maneira de encontrar suas habilidades “únicas”, como ela mesma chamara. Ōmura era um órfão, ele nunca pensou que teria uma singularidade. Esse tipo de coisa era para os figurões e famosos. Gente como Hazuki Mako ou Mordred Pendragon, não um menino chamado Ōmura com um sobrenome roubado de um orfanato – que, a propósito, era Yakushi. Porém, ainda assim, não discutiu com sua “Mama”, como costumavam chamá-la. Por mais difícil que fosse encontrar os manejos sociais corretos, até ele sabia – ou melhor, havia descoberto – nunca discutir com uma mãe. Assim as coisas nunca saiam do controle.

A primeira etapa do treinamento não era difícil, segundo ela. Bastavam alguns testes que misturavam conhecimentos básicos sobre o chakra e seu controle. Ōmura não era o mais hábil naquilo – alguns o considerariam bastante inútil, para falar a verdade –, porém, não demorou para descobrir uma magia única em seu chakra; a capacidade inata de não o projetar, mas sim, tomá-lo de outros seres. Nana pareceu surpresa e Ōmura não teve nenhuma palavra para explicar o fato. A folha investida de chakra da mulher simplesmente murchou perdendo toda a essência – mas não havia sido uma coisa consciente, então restava-lhe aprender a manipular o poder.

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PORÉM, A SEGUNDA PARTE do treinamento não era nada fácil. Ele precisava chegar aos limites de seu corpo para então necessitar daquela habilidade mais do que tudo, conseguindo, através do sistema de adrenalina inerente aos seres humanos, ultrapassar seus limites. Para isto, portanto, ela precisava lutar contra ele. Na primeira noite não ocorreu nada demais, apenas alguns golpes limpos e simples. Mesmo um adolescente prestes a sair da academia ninja conseguia acompanhar, mas depois de tornar-se um shinobi oficial, Nana não deu descanso. A batalha beirava o injusto, entretanto, ele não reclamava. Sabia que as coisas que ela fazia eram para o seu bem, assim como o de outras crianças nos tempos de Orfanato. Mesmo assim, era verdadeiramente difícil explicar o olho roxo e a bochecha cortada repentinamente e faltando-lhe as habilidades sociais necessárias. Acabava acenando e dizendo que uma mulher gigante havia lhe espancado. As pessoas riam. Era verdade.

Nana media cerca de trinta centímetros a mais que ele e, naquele exato momento, descia a perna direita brilhando em chakra azul-cintilante. Ōmura precisou rolar pelo chão sentindo o impacto estremecendo o solo gramado. Ele não expressou nada, manteve-se neutro, mas em seu interior pensou: “Ela está mesmo tentando me assassinar, certo?”, não como um julgamento, mas uma dúvida enviada a quem pudesse conceder uma resposta, em qualquer lugar do mundo.

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O CANSAÇO TOMAVA CONTA do corpo do menino que desviava como podia. Nana era impiedosa. Os olhos firmes, observando de cima os movimentos desajeitados do aprendiz. Quando ele desviava um chute vertical, retornava com um horizontal e, quando ele não precisava impor as mãos a frente do corpo para se defender, ela continuava a sequência com um chute diagonal. Ela não se importava se as gotas de suor pingavam pelos cabelos brancos do menino ou manchava a roupa branca dele, criando uma sombra úmida. Nana só queria vê-lo atingir o potencial para então ultrapassá-lo como uma brincadeira. Por isso, quando um chute foi mais preciso e atingiu em cheio as costelas de Ōmura, ela não interrompeu o golpe; apenas diminuiu sutilmente a força aplicada, ainda que, da mesma forma, ele tenha voado alguns metros.

— Tempo! — ele gritou. Parecia ferido. Um fio vermelho desceu pelo canto direito da boca, marcando o queixo. O menino continuou deitado encarando o céu, uma mão tocava as costelas na tentativa de segurá-las. Nana aproximou-se, sacudiu os cabelos e agachou-se tocando a mão sobre a dele. Um chakra verde brilhou intensamente provocando uma sensação ardente, porém gostosa no corpo do menino. As costelas ajeitaram-se depois de alguns minutos e ele ficou maravilhado com aquele poder, pensando se um dia faria igual.

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— Não, você não fará, provavelmente — ela disse, acabando com seus “sonhos”. As costelas curadas lhe permitiram apenas ficar em pé para ser novamente derrubado por um peteleco estrondoso que só ela conseguia produzir, capaz de jogá-lo alguns metros para trás novamente. Desta vez, porém, nenhuma costela havia se partido – e felizmente, nem seu crânio. Então ele se levantou, mantendo-se firme como conseguia. O cansaço absurdo não havia melhorado com a cura, aparentemente havia alguns limites naquele tipo de processo. Ele olhou Nana e assentiu, como que dando permissão. Ela avançou e ele voltou as tentativas de desviar até ser novamente atingido em cheio por um chute horizontal nas costelas, mas, desta vez, ele fez questão de aprisionar o pé de Nana entre seu braço, uma técnica de auto sacrifício que acabara aprendendo na prática após muitas brigas com seus colegas de academia. Nana observou surpreendida. Ōmura olhou cansado, quase desmaiando. O chakra que transpassava a perna da mulher se apagou; os olhos do menino reestabeleceram a vivacidade.

Nana empurrou-o com a força bruta e afastou-se. — Parabéns, você conseguiu, como foi a sensação? — indagou. Ele endireitou-se encarando as próprias mãos, a contemplou e forçou um sorrindo achando que seria o melhor a se fazer — Terrivelmente nojento e asqueroso, seu chakra parece o corpo sujo de uma mulher vendendo seu corpo, quase como se você fosse apenas uma mulher asquerosa — falou sinceramente. A mulher fez uma expressão irritadiça, mas não era a primeira vez que o menino a tratava daquela maneira – ou a qualquer um. Os livros haviam lhe ensinado inúmeros termos que ela odiava.

Ela caminhou perto dele como se não estivessem treinando e acertou um soco na sua cabeça como punição.

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