Meu dia não poderia ser mais estranho, após receber um papel em branco pelo correio, fui enviado até um campo de treino longínquo, onde passei por alguns perrengues para mostrar minhas capacidades aos avaliadores. Após tanta energia gasta e cansaço acumulado, talvez dar um tempo em tudo isso e ir até as fontes termais seria uma boa pedida. Relaxar um pouco, para variar. Até o momento, apenas fiz missões, me machuquei gravemente e fiz testes. Assim que encontrasse Freyja novamente, pediria a ela que fossemos em uma viagem, sabe-se lá para onde, mas para qualquer lugar que não naquele ambiente estressante.

Caminhei um tanto do campo que estava até a academia, aonde entregaria o relatório feito pela ninja de outrora. O prédio parecia movimentado, cheio de estudantes e professores, correndo de lá para cá. Fui até a recepcionista, tentar me informar com quem deveria falar para entregar o relatório, sendo então informada que bastava aguardar, já que alguém viria recolhe-lo. Me sentei em uma das cadeiras vagas, aguardando pacificamente minha vez de ser chamada, mesmo que demorasse um pouco, tinha todo o tempo do mundo.

Já era de tarde, o sol estava prestes a se por e toda a iluminação natural possuía coloração alaranjada, algo realmente lindo de se ver. As cadeiras iam aos poucos se esvaziando, como eu havia sido a última a chegar, seria, provavelmente, a última a ser atendida. A espera foi se alongando e se alongando, até que antes que percebesse, havia apagado. Sentada sobre a cadeira, minha cabeça caía para a direita, apoiando-se no ombro de uma senhora ao meu lado. Ela deu algumas boas risadas com o ocorrido, mas não se importou, já que aparentemente ela gostava de crianças. Algumas horas se passaram e eu despertei, com um punhado de saliva escorrendo de minha boca. —— Opa. —— Murmurei, secando rapidamente a bagunça toda. Restavam apenas três pessoas aguardando e então chegaria minha vez, provavelmente.

Passei algum tempo pensando em minhas capacidades como ninja, minhas habilidades, técnicas e proficiências. Talvez aprender como se utiliza uma arma seria interessante, sempre via Freyja portando diversas armas consigo, fazendo crer que ela realmente possuía uma grande habilidade em combate armado. Talvez ela pudesse me ensinar alguma coisa ou outra, pensava. Mas para lutar, pensei que talvez, usar duas espadas seria muito mais legal do que apenas uma. Uma pena que para isso, deveria treinar muito não apenas no uso das armas, como também no uso de ambas as mãos. Me deixei levar pelos pensamentos e quando vi, restava apenas mais uma pessoa presente, uma senhora de idade que carregava sua neta no colo. A criança parecia mais nova do que eu aparentava, então chutei que ela possuísse cinco anos.

Ela foi chamada, então, mas no momento em que se levantou, um enorme estrondo percorreu o ambiente, paralisando a todos. As luzes caíram, criando um ambiente completamente escuro e perturbador. Os superiores partiram para fora, procurando a origem do som e após um poucos segundos, pode-se ouvir uma luta ocorrendo. —— Mas que merda é essa? —— Indaguei, sem entender o que acontecia ali. —— Senhora, fique aqui dentro, certo? Vou verificar o que é que está acontecendo lá fora. —— E assim que ela concordou, fui até a porta, para averiguar. De uma fresta, pude ver homens com foices, atacando ferozmente os superiores, acabando facilmente com todos eles.

Pensei em fugir dali, mas não seria rápida o bastante para fugir levando a senhora e a criança. Foi aí que um deles pôde me ver pela fresta, gritando para seus amigos que haviam mais "sacrifícios". Não entendi bem o que ele quis dizer, mas com certeza, eles não iriam apenas querer conversar. Me afastei da porta, correndo na direção da senhora e da criança. —— Se escondam! —— Sussurrei para elas, para que os homens não desconfiassem que houvesse mais gente ali dentro. Quando eles entraram, eram cerca de cinco inimigos, três portavam foices, mas dois deles possuíam espadas. —— O que desejam, cavalheiros? —— Perguntei, tentando ganhar tempo para que a senhora pudesse fugir. "O seu sangue, em nome do nosso senhor.", ele respondeu, me deixando ainda mais confusa com a situação. —— Bom, é uma pena que meu sangue não esteja a venda. —— Brinquei, procurando provocá-lo. "Garota de pouca fé!", ele esbravejou, vindo até mim com sua foice, assim como os demais.

Um segundo de clarão, minha vida havia sido curta até o momento, não esperava morrer de forma tão bizarra quanto essa. Um segundo de escuridão, estava cercada pelos sujeitos, suas laminas próximas de ceifarem minha vida. Outro segundo de clarão, um estrondo enorme pode ser ouvido, estremecendo meu corpo por inteiro e levando o prédio abaixo. Quando me dei conta, pedregulhos gigantescos haviam caído sobre os homens, soterrando-os quase que completamente. —— Parece que acabou tudo...bem? —— Me espantei ao notar algo, meu braço estava prensado sobre os escombros, totalmente esmagado. —— Porcaria. —— Foi o que pensei, mas ao ver dois dos homens se agitando para fora dos escombros, comecei a pensar em outras baixarias para dizer. Eles faziam força para levantar os escombros do corpo, se esgueirando para fora, para liberdade.

Havia apenas uma forma de me libertar, mas não havia era capaz de alcançar a hip-pouch com a mão esquerda. Minha kagune podia ser útil, mas não possuía força o suficiente para tirar meus braço dali e nem fio para cortá-lo fora. Pensei em todas as possibilidades, até me dar conta que os homens estavam já de pé, encarando-me, com sorrisos sádicos e olhares perversos. Ao seus pés, havia a única coisa que poderia usar, mas deveria ser rápida ou acabaria morta. —— Então...quem é o seu senhor? —— Indaguei, buscando apenas distraí-los. "Isso não lhe diz respeito, em breve, estará morta.", disseram os dois, quase que em sincronia. E então, trataram de começar a rezar, fazendo alguns gestos estranhos e agarrando seus colares. Era minha chance, então. Estendi a mão o mais rápido que pude, agarrando a espada que outrora pertencia a um dos soterrados. Serrei os dentes e fechei os olhos, cortando fora meu braço direito em seguida.

Me levantei, com o sangue jorrando do meu membro decepado. Os homens trataram de rir, sendo incapazes de terminar seu ritual bizarro. "Você vai morrer por falta de sangue agora, sua idiota.", disseram, mas eles não conheciam o poder que eu possuía. Regenerei meu ferimento, apenas para fechar a ferida e parar o sangramento. Eles arregalaram seus olhos, impressionados, mas nem tanto. "Então parece que você ainda quer lutar pela sua vida, ovelha.", certamente era a imagem que queria passar. —— Podem vir, desgraçados. —— Provoquei, buscando brechas para atacá-los. Um deles se adiantou, pedindo ao seu parceiro que aguardasse, pois resolveria isso sozinho. O camarada concordou, com um sorriso, esperando que ele fosse capaz de me derrotar.

O silêncio prevaleceu, ficamos alguns segundos nos encarando, quem começasse poderia acabar morto, afinal. E ele veio então, com um golpe vertical. O fio da espada encontrou a foice, mas foi difícil apará-la. Minha mão dominante já era, então restava apenas me virar com a que sobrara. Ele jogou a foice contra mim, horizontalmente. Me abaixei e prossegui contra ele, mas ao notar sua risada, percebi que algo não estava certo. Em sua mão, notei que a foice estava presa por um cabo de ferro enorme, então me abaixei novamente, podendo ver a foice voltando, cortando fora alguns de meus fios de cabelo. Ele elogiou minha agilidade, mas ambos sabíamos que ela não me ajudaria por muito tempo.

Ele deu um golpe por baixo, me obrigando a defendê-lo e ser jogada no ar. Ele comemorou, animado com sua vitória. Jogou a foice mais uma vez contra mim, tornando quase impossível de esquivá-la. Pensei em aceitar minha derrota, mas Freyja esperava por mim, então não me deixaria ser morta por um bando de fanáticos religiosos. Apoiei meu pé contra a lamina, jogando-a para o lado, fazendo com que fincasse na parede. Ele se preocupou, sua foice estava inutilizada. Aproveitei o fio preso na lança para me apoiar, correndo diretamente até o adversário. Ele gritou, antes que sua cabeça fosse separada de seu corpo e o sangue fresco jorrasse para o alto, preenchendo o ambiente do puro carmesim.

Havia entendido como utilizar minha outra mão, a musculatura era a mesma, restava apenas praticar um pouco mais, talvez contra meu outro inimigo. Ele se enfureceu de modo que não conseguia mais pensar, aquele homem era como um irmão para ele. Com sua foice em mãos, avançou contra minhas costas, sendo um golpe bruto e simples, segurei a lamina de sua foice com a espada, encarando-o por um breve momento, antes que o fio encontrasse sua garganta, dando um fim a sua vida também.

Me aproximei de meu braço decepado, usando, calmamente, a espada para levantar os escombros e retirá-lo de lá. O coloquei em seu devido lugar, regenerando-o por completo. Tinha mais coisas com que me preocupar, já que aparentemente as ruas deviam estar cheias desses sujeitos. Bati fora a poeira de minhas roupas, partindo para casa. Deveria averiguar se estava tudo bem por lá.

Palavras: 1507
Qualidade Aprendida: Ambidestria (1)