Desconhecer o próprio passado é um dos piores fardos a seguir por uma pessoa. Até os cinco anos de idade, de nada a mente da cavaleira de cabelos prateados conseguia lembrar; nem mesmo flashes ou pequenos fragmentos conseguiriam ser extraídos de sua cabeça, mesmo os sentimentos mais íntimos não estavam intrincados no sub-consciente da jonin da Folha, sendo estes simplesmente inacessíveis por qualquer técnica ou jutsu. Para ela, este tipo de situação era comum, já que não podia fazer absolutamente nada para reverter seu estado de perca de memória, aceitava com certo pesar sua condição.

Tudo isso mudaria quando uma missão seria dada para a jonin realizar. Como algo de extrema importância, a mulher tinha o dever de investigar uma área secreta, utilizada há cerca de dez anos no passado como um laboratório clandestino durante a gestão de Senju Hirokata e Hyuga Shirobo, como ninjas extremamente habilidosos, mas com políticas cruéis de preservação racial, que impediam uma certa linhagem antiga de prosperar.

Freyja relacionou a proposição da missão de imediato com os relatórios que lera na biblioteca do vilarejo, descobrindo sobre inúmeras mortes desnecessárias e acontecimentos desumanos realizados em todos os vilarejos do mundo ninja. Segundo o relatório, poucos sobreviveram as políticas de tortura e experimentos aplicados naquele tempo, e a cavaleira até mesmo se lembrou de que havia tentado imaginar o tipo de pessoas que seriam aqueles cujo sobreviveram e de alguma forma conseguiram fugir, talvez até mesmo prosperar em uma vida nova e reclusa, mas também de fuga e não aceitação, talvez. De alguma forma, ela se sentia mais intimamente ligada à tragédia que a linhagem sofreu do que deveria realmente se importar, apesar de não deixar isso transparecer para seus superiores.

Como descendente da linhagem que consegue manipular o sangue, Freyja se sentia poderosa pelo fato de conseguir atingir seus anseios com muito pouco esforço, sendo ela uma grande shinobi. Todavia, a cada segundo que passava em sua vida, era um segundo que se sentia cada vez mais distante de sua linhagem, ora pensando isso por mal utilizar seus olhos sangrentos, ora por não realizar rituais que eram inerentes aos membros do clã. Por um motivo totalmente inexplicável, a cada passo que dava em direção ao futuro, um passo era dado em direção ao afastamento de suas raízes... ou assim ela imaginava.

[...]

A cavaleira de cabelos prateados cruzou a floresta, transpondo postos avançados da Vila da Folha, mostrando seus papeis de permissão para uma viagem intra-nacional em territórios que não deveria haver a presença de shinobi, muito por causa do que a localização foi no passado e o que ela representa no presente, como uma cicatriz deixada para trás, cuja visão não deve chegar a absolutamente ninguém. Os escombros eram algo assustador e podiam ser vistos de uma distância elevada; era visível a tentativa falha de remover partes deste local sem danificar a região interna, como cenário de uma intensa batalha, provavelmente seria impossível remover o entulho e preservar o interior para que os dados coletados nas atitudes sanguinárias não fossem desperdiçados.

De súbito, a visão de Freyja ficou turva. Repousando em cima do galho de uma árvore enquanto analisava a cena de onde deveria executar sua incumbência, ela se segurou com força para não cair e se machucar. Um flash em sua mente surgiu de repente, no qual uma Freyja um pouco mais nova, com cerca de dez anos, fugia desesperadamente na direção de Konoha sem olhar para trás ou falar qualquer palavra. Os olhos pesaram e ela cairia do galho, não fosse a presença de um membro que patrulhava no posto avançado próximo e notou um distúrbio no fluxo de chakra da jonin.

Suplicando nos braços do ninja do alto escalão, a ninja tentava recobrar suas forças, implorando pela possibilidade da continuidade da missão. O metodismo de Freyja para com o cumprimento de regras impostas a ela seria o próprio símbolo de sua queda... ou ascensão. Enxergando mais uma vez, a luz do mundo não parecia a mesma, tudo parecia mais escuro do que realmente deveria ser; carregada pelo ninja, que a auxiliava a andar colocando seu braço ao redor do próprio pescoço, não conseguia utilizar o Ketsuryugan para ter sua visão suprema, assim como não entendia nada do que acontecia.

Quando cruzou a entrada, o mínimo vislumbre das catacumbas de tortura contra os Uchiha fez a temida e sisuda cavaleira tremer. Freyja gritou e se jogou de costas no chão, apresentando uma cena clara de um ataque de pânico, por mais que não houvesse motivos para tal. Seu acompanhante não sabia que decisão tomar, então como ninja médico, procurou tomar medidas paliativas para ao menos amparar a jonin enquanto estivesse no estado de estupor acessado ao adentrar o laboratório.

Nem mesmo um segundo foi silencioso dentro dos escombros da casa de ciência do mal. Freyja gritava agonizando, com as mãos à cabeça e os olhos arregalados. Os olhos estavam completamente vermelhos, mas haviam desenhos onde deveria haver a esclera, como símbolos de vedação que aos poucos consumiam totalmente os globos oculares e os tornaram negros por completo. Então, de súbito, um som oco se fez e os olhos da cavaleira explodiram em sangue no colo do ninja; instantaneamente, ela emudeceu, caindo desacordada, mas não morta, nos braços do homem que salvaria sua vida.

Na mente da cavaleira, era possível ver a si mesma agonizando nos braços do médico que a socorria aos prantos; ver-se desfalecida dava uma grande sensação de pânico, mas o que ela conseguia enxergar era além de perturbador. Esta era uma versão do próprio local que despertou seus medos, a visão de um lugar limpo e com certa calmaria, mas logo seria tomado por incontáveis gritos de terror que se misturavam. O local, que tinha inúmeras portas, era invadido por uma onda de sangue que logo manchava o ambiente por completo, trazendo cadáveres e objetos incapazes de serem identificados na situação mental e física em que a jonin se encontrava. Assim que a onda se dissipou por completo no limbo e o ambiente estava totalmente tingido em um carmesim simbolizando a própria morte, um choque percorreu o corpo astral da cavaleira, trazendo-a mais visões.

Desta vez, a visão a mostrava contida por correntes em uma cadeira de ferro. Ao lado, estava disposta uma mesa de metal com os cantos ovalados e fundo côncavo, dentro deste, haviam inúmeros utensílios de uso médico, dos mais variados tamanhos e provavelmente funções, além de uma região da mesa aparentemente especialmente selada para coleta de amostras de dna e outras venturas que uma experiência em um corpo humano poderia vir. O corpo de Freyja, que pelo tipo de contenção utilizado parecia estar imóvel, sofria espasmos frequentes a cada toque de um homem trajando um jaleco branco na cadeira, como se a cavaleira respondesse a estímulos nervosos. Nada mais seria visto; a visão turvou novamente e se tornou um clarão que logo emudeceu até escurecer para o limbo novamente.

Às pressas, a mulher foi levada de volta para Konohagakure sob estado de emergência, internada imediatamente após seu retorno, no hospital da Folha, onde precisou fazer uma cirurgia às pressas para evitar a ocorrência de um acidente vascular cerebral que segundo os diagnósticos do homem que a salvou, estava prestes a ocorrer, mas havia problemas em seu próprio cérebro fisicamente.

Enquanto realizava a cirurgia no cérebro, o cirurgião se depararia com técnicas de vedação fixadas literalmente na mente da ninja na área que estava relacionada a memórias, de modo que o selamento impedisse a circulação por certos neurônios que eram responsáveis por tais traços, sendo também esta técnica capaz de criar vínculos de memórias falsas, de modo a impedir que o passado de um indivíduo fosse descoberto. Ainda na cirurgia, o cirurgião acabava por constatar uma modificação um tanto quanto bizarra para a biologia shinobi que estudara: a localização cerebral íntima aos olhos tinha uma mutação irregular, plantada intencionalmente, mas o que realmente chamava a atenção do médico era que a ocorrência de tal mutação havia acontecido há poucas horas; não só isso, como podia também ver o rastro de uma técnica de vedação, assim como em outra região de memórias.

Quando acordou, Freyja recebeu o diagnóstico pessoalmente pelo cirurgião, que a alertou sobre possíveis mudanças em seu corpo ou técnicas; não poupou esforços para que ela ficasse ciente de sua nova condição. Os olhos de sangue não brilhavam mais, nem mesmo que ela quisesse; seu sangue não vertia para fora de seu corpo como conseguia fazê-lo; as memórias recentes pareciam se esvair, sentia como se estivesse em um mundo sem fim, como se tivesse vivido uma mentira...

Finalmente, após anos selada, o despertar acontecia. Com a mente agora conturbada, Freyja tinha o dever de descobrir quem realmente ela era, de onde havia vindo? Apesar de sua mente estar um caco, as memórias aos poucos pareciam voltar e seus laços com seus objetivos pareciam se intensificar a cada segundo, ao passo que criar novos laços se tornaria completamente difícil. Esta seria sua sina, esta seria sua nova vida.