O que exatamente um homem como Mako necessitava? Era um questionamento que nem mesmo ele conseguia responder. "Talvez eu devesse apenas tentar continuar vivendo tranquilamente", ele tentava se justificar, mas a verdade era que lhe faltava autoconhecimento. Ficava lendo inúmeros romances e novelas em seu tempo livre, procurando respostas em personagens inventados por outros homens e mulheres dedicados a uma arte antiga. O último livro adquirido na biblioteca da aldeia foi 'A Seita' de Ogami Tazai. O autor, ou autora, ninguém sabia ao certo, era conhecido pelo estranho estilo sombrio e macabro de contar sobre religiões e os fundamentos ninjas deixados para trás. Criava inúmeros casos macabros que em muito lembravam os rituais Jashin experimentados pelo ninja em sua infância. Em uma determinada linha, inclusive, ele teve a impressão de estar encontrando um trecho de sua própria vida descrita no livro.

"Então a criança virou o rosto rapidamente, os olhos esbugalhados prendendo as lágrimas. Ouviu-se um baque, suas pernas sofreram espasmos, os braços abriram-se abraçando o ar. A ponta de uma lâmina atravessou seu peito causando-lhe uma dor excruciante. O coração se esforçava para continuar batendo, mas o sangue vertia depressa removendo os sentidos do menino. A lâmina retornou jorrando sangue sobre o tatame, manchando-o de preto, e a criança caiu de joelhos respirando com enorme dificuldade. Virou-se com as mãos unidas rente ao peito. O assassino arregalou os olhos não acreditando no que via. O ferimento da criança estava se curando."

Mako fechou o livro marcando a página. Os ventos assopraram balançando seus cabelos brancos cuja raiz começava a mostrar uma leve coloração negra. Não estava instalado em nenhuma casa ainda, dormia em pousadas e passava os dias em montanhas e campos de treinamentos específicos. O cheiro da brisa de fim de estação entrou em suas narinas carregando a nostalgia da infância. Colocando o livro na cintura, preso na fivela de couro, ele decidiu visitar as ruínas do templo onde havia crescido. Ainda não sabendo muito bem suas necessidades, ele tinha a estranha sensação de poder encontrar caso visitasse seu passado.

O manto escuro do ninja balançou ao primeiro sopro do vento. Passou pelos portões explicando sua situação. Por mais que os homens não fossem contra sua saída, os olhares eram típicos de desconfiança. Continuou mesmo assim, andando entre as montanhas e nuvens da região. As ruínas não ficavam tão distantes, ele esperava ir e retornar em menos de dois dias. Nem mesmo havia levado comida ou água, pois encontraria as coisas no meio do caminho.

Isto, porém, era uma predição fundada em nenhuma raposa de pelos cinzas o perseguindo sorrateiramente.

Considerações:

Sentir os ventos tocando suas bochechas era relaxante, porém, sentir-se perseguido, não. Mako permaneceu caminhando tentando manter a indiferença ao sentimento. Preferia não entrar em confrontos diretos, pois não tinha mais nenhuma vontade de lutar. Batalhas levavam a mortes sem sentido. Mako estava cansado de mortes ao seu redor. Por isso ainda tinha certo receio de não ter ficado preso. Tornar-se um ninja oficial outra vez significava ter de enfrentar batalhas e sacrificar sua vida em prol da aldeia - ou a vida dos outros. O mero fato de divagar sobre isso interrompeu sua caminhada, fazendo assim também seu perseguidor parar.

O shinobi virou-se rapidamente, pronto para deparar-se com um ladrão, talvez um ninja. Contudo, encontrou somente uma raposa de pelos cinzas e uma máscara branca colocada sobre a face esguia com desenhos semelhantes aos selos impostos sobre a mão de Mako e Mordred. Ele nunca havia encontrado tais símbolos antes, então a curiosidade tomou conta de seu coração. Tentou aproximar-se do animal, mas este desviou-se caminhando a sua frente na mesma direção do templo. Mako esticou a mão direita deixando o sinal de Hagoromo à mostra. A raposa sacudiu a cauda brevemente, iniciando uma corrida. Mako a acompanhou, mantendo o ritmo do animal para não cansar-se exageradamente ou ultrapassá-la.

Considerações:

Os pelos cinzentos da raposa balançaram de acordo com os ventos. A caminhada levou alguns minutos até o anoitecer se instalar. O templo onde o shinobi havia crescido surgiu no horizonte trazendo lembranças dolorosas. A raposa parou, olhou para trás e viu as pernas do homem paralisadas. O vento assoprou mais forte, as nuvens umedecidas derramaram uma fina garoa. Quantas horas haviam se passado? O animal virou totalmente o corpo na direção do homem, chamando-lhe atenção pelo balançar contaminado de calmaria de sua cauda felpuda. Mako desceu o olho encarando a máscara branca escondendo a face do animal e forçou um sorriso. Poucos metros separavam os dois seres vivos naquela situação.

Uma força espiritual fluiu através do corpo do animal, dispersando-se como uma forma animalesca montada em chakra. Mako ficou surpreso, tão surpreso que deixou-se absorver o dano ainda sorrindo. O chakra fluiu através de seu próprio fluxo, induzindo-o às cenas terríveis da noite onde seus pais adotivos foram mortos, porém, antes de aprofundar os traumas do ninja, a besta de quatro caudas anulou os efeitos ilusórios produzidos pelo animal misterioso. Percebendo o efeito anulado, a raposa virou novamente seguindo o caminho até o templo.

Mako a seguiu sentindo-se revigorado.

Considerações:

"Quando ele voltou os olhos à criatura, um estranho odor de sangue tocou-lhe. O rosto coberto pela máscara de porcelana mantinha uma expressão intacta, sorridente e colorida. As milhares de sombras ao seu redor cessaram os movimentos. Era seu fim. Ele tinha absoluta certeza de que não adiantaria tentar lutar. Cercavam-lhe cerca de vinte outros seres mascarados e um deles carregava em uma corrente uma besta cuja altura era, diante de suas quatro patas cravadas ao chão, três vezes maiores que ele. A morte o cercava e ele precisava aceitar."

O trecho veio à mente de Mako quando ele se viu cercado de duas enormes raposas muito semelhantes. A cinzenta de antes havia continuado o caminho, entrando no templo mais adiante enquanto aquelas duas enormes criaturas o cercavam. Uma mostrava marcas vermelhas sobre a face e a outra, azuis. Mako parou acompanhando lentamente através de seu olho direito os movimentos das raposas. Se a menor demonstrara uma habilidade ilusória tão interessante, o que aquelas fariam? O misterioso chamou-lhe atenção, mesmo se a morte estivesse próxima também. Conhecendo um pouco sobre a existência de espécie diferentes no mundo com a capacidade de codificar falas humanas, ele resolveu tentar uma conversa.

—— Vocês vivem neste templo agora? Eu costumava viver na minha infância. Sou Hazuki Mako, muito prazer —— disse levantando as mãos, revelando o símbolo na palma da mão direita em formato de sol. As raposas pararam. A criatura de marcas azuis arregalou os olhos dourados dando um passo para trás. —— Hagoromo? —— o animal falou, fazendo o shinobi arregalar o olho.

Considerações:

Mako olhou a palma da mão, encarando o símbolo. Lembrou-se da batalha contra Okina e do encontro com Hagoromo. Voltou a olhar as raposas, ambas se afastaram. Pareciam assustadas, desconfiadas. O shinobi não entendeu o motivo, mas usou do conhecimento de uma delas sobre a língua humana e Hagoromo para tentar uma conversa.

—— Eu o conheci, mas não sou ele. Mas esse selo possui seu chakra, com certeza. Presente dele mesmo, como vocês o conhecem? —— Mako tentou manter um melancólico sorriso no rosto. As raposas cheiraram o ar e aproximaram-se. Os focinhos tocaram suavemente o corpo do ninja a frente delas. —— O que está acontecendo aqui? —— disse uma nova voz feminina. Os três olharam no mesmo tempo na direção da pronuncia. Uma raposa de três caudas se aproximou, os pelos alaranjados e um terceiro olho no centro da testa eram anormais. Vendo o ninja, ela estalou a língua nos dentes. Mako sorriu sem jeito.

—— Um humano? Matem-no de uma vez —— ordenou, semicerrando os olhos ameaçadores. As outras duas raposas olharam na direção dele. A de marcas azuis indicou com o focinho a mão de Mako. O ninja levantou a palma, mostrando o símbolo de Hagoromo. A raposa anti-humanista arregalou os olhos, desconfiada. —— Como alguém possui esse selo? Isso é uma piada? —— indagou incrédula.

Mako abaixou a mão e firmou as expressões faciais sentindo a necessidade de investigar mais sobre aquelas criaturas.

Considerações:

—— Eu não entendo como vocês conhecem esse símbolo ou o Hagoromo-sama, mas vocês me parecem bastante assustadas —— comentou escondendo as mãos dentro do manto escuro cobrindo seu corpo inteiro. Os animais a sua frente entreolharam-se. A mais antipática estalou outra vez a língua contra o céu da boca, virando-se e andando até o templo, desaparecendo nas sombras. —— Disse alguma coisa errada? —— Mako esboçou um sorriso amarelo. —— Não exatamente, Osakabe-hime apenas não é muito adepta aos humanos —— explicou a raposa de marcas azuladas na face.

—— Okasabe-hime? É um bonito nome, como vocês se chamam? —— questionou Mako tentando manter certa gentileza. —— Sou Kuzunoha, esta é minha irmã Myōbu-chan, muito prazer —— disse-lhe a mesma raposa, gesticulando um aceno com a cabeça, arqueando as patas para trás. Mako acenou, mostrando o sorriso triste constantemente expresso em seu rosto. —— Muito prazer, Kuzonoha-san, Myōbu-san —— replicou reverenciando-as.

—— Ei, moleque —— Okasabe surgiu outra vez, alguns metros distante de todos. Mako e as duas raposas olharam. —— Vem logo ou eu mesma te mato —— disse-lhe voltando a andar ao templo. As raposas irmãs olharam o homem que já dava seus primeiros passos na direção de Okasabe. Seguindo-o, as outras criaturas ficaram cabisbaixas e silenciosas. Um vento frio atravessou a montanha. Memórias se diluíram na cabeça do rapaz.

Considerações:

O livro caiu do bolso do ninja. O baque quase mudo chamou atenção de todos. Mako inclinou-se, segurando o livro entre os dedos de uma das mãos. A capa abriu-se, e ao trazê-lo para cima fechou-se. Havia naquela história uma passagem muito bonita sobre um campo paradisíaco onde animais falantes viviam e, ao encarar as enormes raposas o aguardando, ele não conseguiu deixar de recordar-se.

"Era extenso, verde e brilhante. Muito diferente do mundo de treva onde o homem antes residia. Os ventos assopravam gentilmente, beijando a face todos os seres vivos, inclusive dele. 'É meu limbo?', ele questionou-se pondo-se em pé. A enorme face lânguida e esguia cheia de pelos aproximou-se de sua. Os enormes olhos vermelhos, rústicos com uma fina camada brilhante em branco transpassavam melancolia. O homem não temeu. Se ali fosse seu fim, preferia ser devorado pelas bestas do Caminho das Feras. A criatura afastou-se, dando-lhe as boas-vindas. A fala humana surpreendeu infinitamente mais do que sua aparência semi-humanoide."

"É uma coisa estranha notar que sua vida é tão semelhante a uma história. É o que chamam de identificação? Indiferente a isso, eu nunca antes encontrei criaturas tão belas e assustadoras ao mesmo tempo. Encontrei bestas de caudas, enfrentei uma divindade falsa e, ainda assim, nunca pensei em encontrar raposas falantes. Exceto Kurama, é claro", pensou continuando o caminho com o livro guardado. As raposas pararam em frente ao templo, inclusive a princesa. A entrada estava coberta por finas teias-de-aranha.

Considerações:

Sentir o toque das teias de aranha contra as mãos nuas trouxe sentimentos conflituosos. Memórias, misturadas aos sonhos de infância, beijaram a consciência do ninja. Eram todas recordações coloridas onde o sorriso pueril iluminava sua face. As corridas em torno do templo, os monges brigando, os mais velhos rindo, seus pais aceitando. Os dias enfrentados naquele ambiente nunca sumiriam da mente do shinobi. A vida, a morte, a melancolia. Tudo misturou-se na mente do ninja antes de seu único olho ter um vislumbre da criatura sentada no centro do templo como se estivesse rezando de costas para ele.

O tapa-olho cirúrgico foi arrancado lentamente. Mako assustou-se, tentando segurá-lo, porém, não foi suficiente. Patinhas minúsculas retiraram, descendo até o chão. Uma criatura diminuta de pelos avermelhados correu segurando o acessório médico. O Sharingan não foi revelado, pois ele fechou o olho esquerdo. —— Herdeiro de Hagoromo, é isso? —— disse a criatura adiante. Mako olhou calmamente e a raposa virou-se. Tinha uma altura assustadora, a face era coberta por uma máscara de porcelana e seis caudas balançavam. O homem revelou a marca gravada em sua mão direita. A raposa arqueou a cabeça para frente, aproximando-se dele. —— Você está pronto para firmar uma promessa? —— a raposa questionou, a voz parecia gentil e ardilosa.

Considerações:

—— Uma promessa? —— Mako questionou curioso. O cheiro do ambiente impregnava suas lembranças trazendo cenas confusas em sua mente. A raposa afastou-se, balançando as caudas suavemente. O shinobi nunca havia visto criatura tão linda. As demais criaturas rodearam os dois. Ele entendeu ser uma atração anormal, pois os olhos delatavam curiosidade em cada animal. Mordred passou pela mente do ninja, condecorando uma saudade estranha. Ela também tinha a marca de Hagoromo. "Provavelmente, ela devia estar no meu lugar", ele disse mentalmente.

—— Somos velhas conhecidas de Hagoromo, porém, vimos muitas coisas acontecendo entre os humanos com o passar dos anos. Guerras, fome, assassinatos, política. A humanidade é predominantemente má. Não temos nenhum interesse em ajudar pessoas assim e cremos que se Hagoromo coloca a marca em alguém, esta pessoa deve ser realmente boa —— a raposa disse, as caudas balançando mais agitadas. —— Estamos dispostas a ajudar os herdeiros de Hagoromo desde que eles possam nos prometer uma coisa...

—— E o que isso seria? —— Mako disse dando um passo para frente. A raposa sustentou a cabeça com firmeza, as demais aproximaram as faces. O homem permaneceu firme cuidando suas palavras. A raposa então parou de balançar as caudas subitamente. —— Você precisa nos prometer que irá buscar trazer paz ao mundo até o fim de seus dias, seja derrotando pessoas mal-intencionadas ou simplesmente não se tornando uma delas. Você consegue prometer tal coisa, ninja?

Considerações:

—— Engraçado —— ele disse reverenciando-se à raposa. —— É exatamente o tipo de coisa que pretendo em minha vida como shinobi. Mesmo após tantos pecados, ainda desejo encontrar uma maneira de ajudar o mundo. Então, sim, eu prometo —— disse-lhe erguendo o rosto a sua direção. As raposas se entreolharam. A maior a sua frente permaneceu calada durante alguns segundos. Um enorme pergaminho foi lançado acertando a lateral do corpo do ninja. O papiro abriu-se revelando uma lista de nomes desconhecidos. —— Assine com seu sangue este pergaminho, colocando também a marca de seus dedos, assim teremos um contrato —— disse-lhe a raposa.

Mako mordiscou o dedo e fez o que lhe foi pedido. A raposa menor de antes trouxe-lhe o tapa-olho cirúrgico que ele fez questão de vestir. A princesa tomou o pergaminho, carregando para as sombras do templo. Mako levantou-se, olhando a enorme máscara escondendo o rosto da raposa a sua frente. —— Não esqueça da promessa —— disse-lhe dando as costas. As caudas quase acertaram-lhe. As raposas desapareceram em nuvens brancas. Mako se viu inteiramente sozinho no ambiente onde um dia fora sua casa.

Encontrando-se com seus sentimentos mais profundos, o ninja deu as costas ao templo. O manto negro sacudiu criando um desenho no ar. Suas pernas o guiaram para o exterior do templo onde as nuvens reuniam-se. Mostrando um rosto melancólico, ele retornou à aldeia.

Considerações: