Hikari Regulus

Em um vilarejo, próximo as entranhas do país do fogo, duas crianças encontram a pura alegria na liberdade oferecida por um bosque. Os dois correm como o vento, seus pés mal tocando o chão enquanto saltam sobre raízes salientes. Despreocupados diante o mundo,  o linho de suas vestes antes imaculado, agora exibe marcas escuras — cicatrizes de terra e vegetação, presentes de uma natureza que os acolhe em seu ventre verdejante. Um de madeixas loiras tão reluzentes quando o sol, enquanto o outro com uma tonalidade mais robusta relembrando o tronco de uma arvore. Os garotos, agora com os cabelos desalinhados, param por um instante, cansados de tanto correr e com uma breve troca de olhares, caem na gargalhada. Seus corpos se atiram de costas ao chão, sob um tapete de grama, enquanto suas vistas miram ao céu.

— Eles vão ficar muito irritados, você sabe, não é? — disse o loiro, com uma ponta de preocupação na voz.

— Quem se importa? Não suporto mais ter que fazer aquela dança enfadonha — respondeu o outro, com desdém. — O que eu realmente queria era ser um ninja, viver aventuras por aí, mas meu pai insiste que que daria problema — continuou, a frustração evidente em seu tom. — Você se juntaria a mim, não é... Regulus?

O loiro ouviu a pergunta, permanecendo em silêncio por um breve instante. Sua mão ergueu-se, cobrindo o sol, enquanto a luz suave se infiltrava pelas frestas entre seus dedos. Finalmente, respondeu com serenidade:

— Contanto que nunca nos separemos, estou disposto a ser qualquer coisa ao teu lado.

— Promete? — indagou o garoto.

— Prometo — respondeu Regulus, dessa vez, sem hesitar.


Na noite daquele mesmo dia, a dupla travessa, em desventura recente, encontravam-se ajoelhados no interior de um santuário. À frente deles, um homem de idade mais avançada e semblante austero erguia-se, sua voz pesada recaía sobre eles.

- A Dança do Sol é uma das mais sagradas tradições do clã Hikari — sua voz ecoava entre as paredes adornadas com símbolos solares. — Como ousam negligenciar seus ensinamentos? De que modo venerarão o Deus Sol, se fogem de suas responsabilidades?

Os garotos, em silêncio reverente, mantinham os olhares baixos. Contudo, em seus corações, o peso da repreensão se esvaía, ainda que o peso da lição de moral recaísse sobre eles, a gravidade do momento não era suficiente para apagar o calor que ambos sentiam em seus corações. Enquanto estivessem juntos, ouvir algumas palavras duras não era o suficiente para afetar suas vontades.


O jovem de cabelos dourados repousava sobre os lençóis aquecidos de seu leito, exausto, pois o dia se arrastara em sua infinidade. Num piscar mais demorado, o cenário sereno e vazio de seu aposento transformou-se abruptamente. Sua mãe, com olhos arregalados e mão trêmula, cobria-lhe a boca com uma urgência desesperada, os lábios movendo-se num sussurro que pedia silêncio. Gritos cortavam o ar, seguidos por estrondos que reverberavam pelas paredes do vilarejo. Algo de terrível estava acontecendo, e o pânico estampado no rosto de sua progenitora era prova disso. Regulus queria perguntar, queria entender, mas as palavras lhe fugiam, presas na garganta por um medo crescente. Talvez pelo torpor do sono, talvez pelo choque das imagens que seus olhos agora captavam, ele sentia-se perdido, incapaz de decifrar a realidade com clareza. Fragmentos de acontecimentos dançavam em sua mente como relâmpagos, enquanto os gritos de desespero se intensificavam ao fundo.

Antes que pudesse processar o que seus olhos viam, a figura de seu pai surgiu na penumbra do quarto. Num movimento rápido, seus pais o arrancaram da cama. Fugiam, deixando para trás a casa, o seu lar, o seu vilarejo, tudo que os pertencia. Os olhos do loiro tentavam espiar o que se desenrolava, só que sua mão perceberá e tamparia sua visão, o impedindo de vislumbrar o cenário insalubre. O vento frio da noite cortava a pele do menino enquanto a floresta os engolia.

A mente do garoto, em meio àquele turbilhão de eventos, agarrou-se a um único pensamento: Haruto, seu melhor amigo. Queria voltar, mas a mão firme de seu pai o detinha, sem qualquer chance de o sobrepujar, foi levado para longe.

Tudo parecia um borrão, um pesadelo do qual não conseguia acordar. E, no meio dessa confusão aterradora, a única lembrança clara que lhe restava era a de estar numa caravana, o balanço das rodas sobre o solo irregular embalando-o em direção ao desconhecido.


Na terra do vento, mais precisamente na vila da areia, seus pais ocultavam o que um dia fora seu orgulho: o sobrenome Hikari havia sido apagado de suas histórias. Em meio a este novo ambiente, Regulus transformou-se em um ser apático, perdido em devaneios sombrios. As refeições passaram a ser um ritual ausente, e ele passava os dias sentado em uma cadeira, fitando o vazio com um olhar distante.

Com o passar dos anos e sua adaptação ao novo território, Regulus veio a descobrir a verdade sobre a noite que ainda assombrava suas memórias. Um culto que pregava o ódio ao Deus Sol e seus descendentes atacara a vila, ceifando a vida de vários. O loiro herdou, então, o martelo da justiça de seu pai e decidiu tornar-se um ninja por escolha própria, relembrando as palavras trocadas com Haruto na infância. Mesmo após sua graduação e a formação de laços informativos, não conseguiu descobrir o paradeiro dos responsáveis pelo ataque ao seu vilarejo naquela noite fatídica.

Entretanto, não desejava mais esconder suas origens e viver em temor. Decidiu, então, ascender na hierarquia shinobi e fazer renascer a memória do clã Hikari, esperando que essa decisão o fizesse ser caçado. Doía em seu peito, só que a irracionalidade era mais forte quando tratava-se dessa pauta, negando seus ensinamentos, em busca de sua vingança. Ou em um cenário que Haruto o encontrasse.