— Enki estava vindo, e eu ficava mais paranoico a cada segundo que se passava. A postura curvada evidenciava a ansiedade, junto aos dedos trêmulos e incapacidade de relaxar. Não estava em paz mesmo durante o meu sono, uma vez que desconhecia as intenções desta figura misteriosa. Porém, havia algo que ainda deveria ser feito. Eu acabei descobrindo o código contido na carta obtida através do cadáver do valente renegado de dias atrás, e ela parecia indicar um templo antigo ao extremo norte de Iwagakure, que estava servindo como uma espécie de posto avançado para a Facção da Estrela, um grupo de criminosos em ascensão. A maioria de seus membros eram não-shinobi, mas aqueles que se destacavam nas fileiras do submundo eram pessoalmente treinados pelo próprio Enki para se tornarem seus soldados leais. Além da Estrela, havia um outro grupo que aparentava opor Enki e seus objetivos, mas eu não possuía quaisquer informações sobre isso. Indo mais a fundo, passei noites em claro pesquisando a história local de Iwagakure, e em um dos livros que tomei, vi uma breve passagem sobre este templo, que fora construído há muitos anos por uma família distante, vinda da Nação do Fogo, ao sul. Cocei o queixo, intrigado pelo conhecimento que havia obtido, mas aquilo ainda não era o suficiente para me levar até lá. O que verdadeiramente fez-me reconsiderar a decisão de ignorar o templo foram as palavras da shinobi sem nome: "Você ressoa comigo". Aquilo tinha um significado, e eu me apegaria a qualquer coisa para desvendá-lo.

Levantei-me de onde estava e imediatamente parti para além dos portões da vila, dizendo aos guardas que partiria em uma missão para um vilarejo distante, nas fronteiras do país. Após a breve explicação, desapareci entre as colinas distantes no horizonte onde o sol jamais se punha, iluminado pelos raios nascentes de um sol ardente. Enquanto o astro-rei erguia-se por detrás dos montes ao fim de onde a visão poderia alcançar, o meu corpo entrava em uma disparada incansável na busca pelas respostas de meu próprio ser. Àquela altura, tudo poderia significar uma virada de jogo para mim. Eu não tinha nada a perder, mas eu também não gostaria de jogar as possibilidades de ganhar no lixo. Por conta disso, cerrei os punhos e assumi uma postura confiante, certo de que, mais uma vez, eu poderia amanhecer feliz, com o tolo e alegre garoto que já fui, há tantos anos, no passado em chamas.

- "Não vou deixar que roubem a minha liberdade de novo." - Eu disse, ao vento. - "Eu não tenho ressentimentos... Vou lutar pelo que é meu!" - Finalizei.

E então, acelerei ainda mais.

Informações:

— Andar pelas vastas terras desconhecidas na região da grande capital gerava uma sensação reconfortante, como se eu fosse um animal selvagem, livre para fazer o que bem entendesse. Se eu fosse uma pessoa má intencionada, poderia utilizar essa chance de ouro para simplesmente fugir e viver uma vida solitária entre os animais de uma floresta distante, mas o meu objetivo era claro. Os passos apressados combinavam-se com a respiração controlada, enquanto passava pelos belíssimos cenários sem sequer parar por um segundo. Não havia tempo para apreciar a beleza de meus arredores, por mais que eu quisesse fazê-lo. A cegueira de meu olho esquerdo tapava boa parte do meu raio de visão, mas era o bastante para que conseguisse apreciar o silêncio e vastidão dos terrenos áridos, ainda que verdejantes da região. Entre cervos e pássaros no céu, eu me encontrava, só em uma jornada por um objetivo que para muitos poderia soar como inalcançável, ou pior: Sem propósito.

Bom, talvez eles estivessem certos.

Continuei sem pestanejar, cruzando um bosque sobre colinas ao extremo norte, resplandecedo com reflexos de uma vida próspera. No entanto, era somente mais um lugar entre mim e o objetivo. Dentro de pouco mais que três horas, enfim, descobri a localização exata do templo, arruinado sob uma cachoeira antiga, que agora mal escorria água. Com a nascente de um rio ancestral se desfazendo, apenas algumas linhas d'água ousavam cair do topo do penhasco sem fim. Ao fundo, nada havia, se não um vácuo negro, onde a luz sequer conseguia tocar. O templo de arquitetura gótica parecia ter sido construído há muito mais do que 'alguns anos' ou 'algumas décadas'. Parecia ser obra de um povo milenar, brandindo um símbolo irreconhecível através de seus pilares desmoronados e estrutura decadente, o mármore já amarelado pelo decaimento através do tempo. Musgo e vinhas se entrelaçavam pelo cadáver do templo, e tochas apagadas decoravam a entrada. Senti um arrepio percorrer toda a minha espinha naquele instante, mas, mesmo assim, adentrei, com hesitação. Era escuro, mas alguns raios de luz ainda iluminavam o local pelos escombros do teto parcialmente destruído da construção. Olhei ao redor, ouvindo o som de minha própria respiração e preocupando-me com as sombras dançantes que bailavam de um lado ao outro, como em uma festa de comemoração pela chegada de um novo desgraçado.

- "Este lugar... Por quê me é tão familiar?" - A sensação do calafrio se esvaiu. - "Sinto que já estive aqui antes, mas não pode ser!" - Continuei.

Era estranho, muito estranho.
Aquele lugar parecia emanar algum tipo de energia que eu ainda não era capaz de entender.

Informações:

— Mas, aos poucos, a energia que antes parecia tão hostil tornou-se quase completamente um pedaço de mim. Suspirava sem hesitação, e me sentia mais livre conforme media os passos através dos salões ancestrais do templo caído. O chakra daquele lugar era natural, e todos os maus espíritos de lá eram afastados pela sua imaculada essência. No último jogo de escadas, suspenso sob três raios de luz, um altar se encontrava. Era um altar de aparência sacrificial, um tablete de mármore apoiado por um pequeno pilar dourado, com símbolos e kanjis oriundos de uma família antiga. Ao redor, imagens de pássaros demoníacos haviam sido gravadas nas paredes rachadas, e o silêncio imperava, absoluto, nas imediações da sala cerimonial. Meus olhos se arregalaram ao ver tal arquitetura, e fui, quase de forma irracional, compelido a me aproximar do altar. Esticando o braço direito e andando de forma curiosa até o ponto destinado, conseguia ouvir, de forma distante, ecos do passado daqueles que já trilharam o mesmo caminho que eu. Sussurros breves e gélidos, que pareciam desaparecer, de pouco a pouco, conforme o passar do tempo. Porém, o meu transe fora interrompido quando o soar de um bater de palmos violento ecoou por todo o templo. De imediato, meus pés pararam de se mover, e meu corpo paralisou por um instante, antes que meu braço também baixasse e eu retornasse ao sentido da realidade.

- "Masamune." - Uma voz masculina imponente soou. - "Você ainda não está preparado, garoto. Não é a hora de você vir até este lugar." - Finalizou.

Olhei ao redor, sem sucesso ao discernir a posição de quem me direcionava a fala.

- "Como sabe o meu nome? Você me seguiu até aqui?!" - Assumi uma postura de combate, levemente temeroso por não saber a posição do alvo. - "Responda!" - Exclamei.

- "Está errado, garoto. Eu já estava aqui. Ouça as minhas palavras, e vá. Ainda há muitas coisas que você deve resolver antes de tentar a sorte nesta provação. Lembre-se que você ainda está sendo perseguido por 'eles'. A Estrela e os Cruzados são inimigos mortais. Você se alinhou com a Estrela, e os outros tentarão te eliminar. Enki virá, mas junto dele, uma legião de inimigos vestindo o manto da morte. Prove que é capaz de defender suas crenças, e então, retorne até aqui. Não insista mais naquilo que não compreende, jovem." - E então, a voz cessou.

Eu tinha tantas perguntas, mas já sabia que não mais estava ali. Quem era ele, e como sabia tanto da minha vida? Dei um passo para trás e mais uma vez olhei ao redor, percebendo que não havia um segundo andar e nem lugares por onde tal invasor poderia estar escondido. Porém, se fosse mesmo um inimigo, teria aproveitado a oportunidade para me matar sem que eu pudesse fazer algo. O que diabos estava acontecendo, afinal? Provação... Coisas que não consigo entender... Objetivo...

Eu nunca pedi por nada disso!

Informações:

— Talvez fosse, como em muitas outras ocasiões, um mero delírio, uma forma do meu subconsciente me alertar de que, de fato, existo. Há dias em que me vejo como um mero espectro, ou produto da imaginação de um alguém perturbado. Após o dia em que Saito destruiu o meu vilarejo e tirou qualquer futuro de minha pessoa, me considerei morto, apenas uma manifestação fantasmagórica dos horrores da guerra, um alerta para os tolos que ainda insistem em brandir suas armas pelo nome de poderosos mesquinhos que nem se dão ao trabalho de levantarem suas nádegas suadas da cadeira. No entanto, por bem ou por mal, eu era uma pessoa real, e eu nasci neste mundo. Como uma promessa a todos que partiram, faria deste lugar melhor. Não me importava de ser insignificante perante os planos maiores do divino. Se este pequeno pedaço da história, este ínfimo ser imaginário chamado eu, pudesse fazer desta vasta terra um lugar menos blasfemo, que assim fosse. Joguei meus olhares para além das rachaduras por onde os raios de luz dormentes passavam, contemplando a minha mortalidade e escolhas. Mais uma vez, eu seria obrigado a tomar uma decisão. Insistir contra a vontade da voz, ou obedecê-la? Talvez, no fim, ela tivesse razão, mesmo que não fosse nada além de eu mesmo reafirmando o meu compromisso para com o objetivo maior. Cerrei os punhos e permaneci imóvel durante vários segundos, sem quebrar o silêncio. A respiração pesada era o único som em todo o ambiente claustrofóbico, evidenciando a aproximação das paredes mentais que me cercavam. Então, após meio minuto, tomei a decisão que julguei ser correta.

- "Veja! Há sangue derramado nestas terras! O sangue daqueles que lutaram pela sua honra, pelas suas famílias, sonhos e nações. Acha que eu devo criar o mal, e me afungentar diante do perigo. Se eles não tivessem jogado suas vidas fora por isso, eu não estaria vivo, carregando este legado e fardo." - Exclamei, do topo dos pulmões, e firmando os pés no lugar. - "Devo pagar pelo sangue daqueleres que escolheram seus destinos com um sorriso? Eu me recuso a sair deste lugar!" - Finalizei.

Após a exclamação energética, pousei as mãos sobre os joelhos, ofegando por ter gastado todo o ar dentro de mim. Aquele havia sido o meu juramento, bem como o último comentário e decisão. Fui recebido com o gélido silêncio. A atmosfera continuava leve, e minha mente, vigorosamente inabalável. Meus olhares se afiaram, e um leve sorriso eclodiu no canto direito de minha boca. Eu estava determinado, e me sentia poderoso. Sabia que estavam zelando por mim. Eu me recuso a me entegar ao passado!

Informações:

— Dizem as boas línguas que desafiar a corrente do destino pode te levar a um caminho afortunado. Mas ainda há céticos que acreditam que contestar a vontade maior lhe fará cair em poço de desgraças. Para ser sincero, eu acreditava na segunda opção, mas isso não me impediria de ser quem eu sou. Jamais me desvirtuaria do meu caminho, e que ousasse qualquer divindade se por contra mim para descobrir de onde vêm tanta perseverança. Eu era pequeno, sim, mas este fato não reduzia o brilho do meu espírito. Aguardei por uma resposta, em vão, e logo deduzi que, de fato, não passava de uma mera alucinação, uma afirmação de meus próprios desejos e crenças. Suspirei, e voltei meus olhares para o altar. Desta vez, ele parecia ainda mais distante, e sangue corria da tabuleta de mármore. As estátuas de pássaros sobrenaturais seguiam os meus movimentos, e exaltavam o sangue antigo. Não parei para observá-los, pois sabia que jamais conseguiriam me alcançar. Maus espíritos e agouros estão por toda a parte, mas basta uma única alma de luz para enviá-los de volta ao plano escuro. Estiquei a mão, e a pousei sobre o altar sacrificial. Entrando em contato com o sangue, me assustei, agora já não mais sendo capaz de retirar a mão do ritual que acabara de começar.

- "Mas... Isso é sangue de verdade! Não é só uma alucinação! Pior do que isso, minha minha mão está presa no altar..." - Exclamei em minha mente.

Eu tentei puxar o braço com todas as forças, mas sem sucesso. Após alguns instantes, senti algo cortando através das bandagens, e então, uma lâmina fina como uma navalha suavemente dilacerou a superfície de minha pele e carne, como uma caneta grotesca que inscrevia algo na palma de minha mão. Por conta da pele queimada, os meus nervos estavam dormentes e a sensação de dor era grandemente reduzida, ainda que houvesse sido o bastante para me fazer gritar. Quando a lâmina se retraiu de volta para o interior do altar, tanto a tabuleta como o mármore se desfizeram em poeira, destruídos pela entropia que eles mesmos geraram. Tremulante, virei a palma da mão com hesitação em direção aos olhos, vendo que havia um único Kanji inscrito ao centro, marcado pelo sangue, e por uma energia estranha que tentava se fundir ao meu próprio chakra. O Kanji dizia: "Falcão".

Aquela voz retornou como um sussurro distante.
Quase como se soubesse que eu a contraria, independentemente das consequências.

Informações:

— A inscrição do Kanji ardeu como se uma barra de ferro fervente houvesse sido posta sobre a minha mão. Os dedos dobrados e a palma tremulante evidenciavam a minha ansiedade, enquanto eu lentamente a baixava para observar os restos decaídos do altar. Os raios de luz foram subitamente cobertos, e as estátuas de pássaro pareceram ganhar vida, como se estivessem a observar desde o início. Para qualquer pessoa, aquilo as encheria de medo, incertezas e temerosidade. Mas, no meu caso, mesmo sob pressão, me mantive firme. As inscrições logo se tornaram puramente etéreas e se fundiram ao restante do meu corpo, também regenerando a parte afetada pela lâmina. A voz de antes, agora pouco mais do que um sussurro distante, ecoou nos meus ouvidos.

- "Você realmente é descendente de Tadakatsu. Este templo foi construído pelos seus ancestrais, e meu espírito aqui vaga em busca de um sucessor digno. Sinto que a chama que senti no seu pai queima tão forte quanto em você, garoto. Eu sou pouco mais do que uma voz agora, mas logo em breve aprenderá a nos utilizar. Somos o que vocês chamam de invocações. Viemos de um mundo distante, um mundo puro que você um dia hei de conhecer." - A voz ditou, serena.

- "Você conheceu o meu pai? Entendo... No final das contas, você realmente era mais do que uma simples voz. Fico feliz em saber que ainda há alguém que se lembre dos feitos de meu pai. É uma pena que eu nunca pude sucedê-lo." - Respondi, dando as costas para a sala. - "Qual é o seu nome?" -

- "Você descobrirá em breve. Aprenda a técnica, e deseje alcançar os céus, Masamune. Existem inimigos que não poderão ser convencidos por palavras ou poupados. Há pessoas que merecem desaparecer deste mundo. Deixe este templo, e retorne para Iwagakure. Eles estão chegando, e você terá de se provar pela última vez. O faça, e vossos nomes serão revelados a ti." - E mais uma vez, desapareceu.

Era um mistério, mas eu me sentia ainda mais cheio de confiança. Eu possuía algum conhecimento sobre o que eram invocações e suas utilizações ao longo da história, e talvez realmente tenha sido o destino que me levou até aqui. Agora, não havia mais tempo para refletir ou me perguntar sobre os mistérios que se encontravam nos cosmos. Com passos apressados e a mente focada, deixei a construção para trás, determinado a seguir o legado de meu pai, e honrar o sangue Shimura por mais uma vez. Eu não era um bandido, tampouco um assassino. Os dois lados da moeda, fosse Estrela ou Cruzada, não passavam de pestes. Seria eu quem deveria eliminá-los.

Porém, qual era o meu desejo neste momento?
O que queimava mais forte no meu coração, acima de todas as coisas?

Informações:

— De forma leve, guiado pelo poder dos ventos, limpei a mente enquanto mirava meu caminho de volta para Iwagakure. Estranhamente, não parecia pensar enquanto atravessava os bosques e vales íngremes, quase como se estivesse ligadoem uma espécie de piloto automático, ou transe. Tudo o que se passava pela minha mente eram as palavras do falcão extraplanar, sendo repetidas como um vídeo cassete defeituoso. Abri um sorriso peculiar no rosto, e antes mesmo que pudesse perceber, meus passos cessaram às bordas de um desfiladeiro, próximo da grande capital, que já poderia ser vista no horizonte adiante, cercada por nuvens de poeira e um sol ardente que se punha de forma imperativa sobre cada montanha e ser abaixo dos céus. Porém, os olhos não haviam sido fixados na cidade, mas no que havia abaixo dela. Um grupo de homens suspeitos vestidos com mantos brancos e utilizando partes de armaduras shinobi marchavam em direção ao vilarejo. Eles não faziam parte da Estrela - E com certeza não possuíam interesse em espalhar amor pelo vilarejo. Suas armas, já manchadas de sangue, evidenciavam que os membros da facção rival pretendiam atacar o vilarejo e emboscar os pobres coitados da Estrela quando menos esperassem. Em situações comuns, eu não me importaria nem um pouco em criminosos se matando por poder, mas eles haviam colocado vidas inocentes em jogo. Imperdoável. Eu gostaria de descer até lá e acabar com tudo, mas estavam distantes demais, e eu me encontrava no topo de um monte com dezenas de metros de altura. Não dava para simplesmente pular de um precipício. No final das contas, sou um humano como qualquer outro, e não um herói de histórias fantásticas.

- "Tão impotente..." - Disse a mim mesmo, refletindo sobre o quão ínfimas são nossas vidas frente ao inevitável. - "Sou livre apenas na minha cabeça. Todos nós somos escravos de alguma coisa, afinal. Até mesmo eu, um mero servo da justiça pela qual tanto luto. Eu gostaria de ter asas... Ter asas para ser livre, e desaparecer nas nuvens." - Finalizei.

A brisa gélida do horizonte bateu, e as bandagens que cobrem o meu corpo balançaram junto ao vento. Ergui o meu queixo e fechei os olhos, suspirando. Não poderia ter asas, tampouco voar. Minha vida não era um conto de fadas, e ninguém desceria dos céus para me ajudar. Porém, foi justamente isso que me fez despertar o poder dito pelo Falcão. Realizei selos de mão inconscientemente, agachando-me e levando o palmo direito até o chão. Quando o suspiro terminou, uma nuvem de fumaça eclodiu entre meus dedos, e meu corpo caiu do penhasco. Em queda livre e me desprendendo da realidade, uma última vez, recitei:

- "Eu desejo ter asas." -

E então, o milagre foi concebido.

Informações:

— Me vi no inverno, caminhando sobre as ruas cobertas de neve, um clima característico de Iwagakure. A friagem extrema e as crianças correndo e saltitando através de suas casas nevadas, montando bonecos e sorrindo livremente. Aquilo era natural para mim. Assim como qualquer garoto, eu era feliz, e queria explorar o desconhecido de minha mente. Porém, o astral e advento conspiraram, tramando o molde da carcaça vingativa que hoje sou. Antes de tocar o solo e ser enviado para o além, asas enormes me envolveram, quase como em um sonho, me trazendo de volta aos céus, em uma velocidade impressionante. Meus olhos, ainda fechados, imaginavam mais uma vez um garoto solitário correndo através das nuvens no paraíso oculto, vez após vez, sem preocupar-se com o amanhã. Este é um futuro que me foi tomado, e perdoados jamais seriam os demônios libertos que me jogaram neste poço de desgraças. Quando abri os olhos, instintivamente sabia o que fazer. Sobre as costas de um falcão de proporções anormais, voei a cerca de cinquenta metros de altura, até que dei a ordem para descer. Em um rasante mortal e trazendo consigo as tormentas da tempestade, o falcão caiu como um foguete, e eu saltei. Eclipsando o sol acima de meus oponentes, concentrei o vácuo em meus pulmões, lançando uma série de projéteis translúcidos e vagos que lhes devorariam. Algumas balas penetraram o solo com poder avantajado, enquanto outras perfuraram através de suas armaduras e pele. Todos conseguiram evitar danos fatais, mas não escaparam sem ferimentos. Pousei sobre o chão de forma leve, ainda com os olhos semicerrados, apresentando um olhar distante e vazio.

- "Garuda." - Disse, apontando em direção ao céu. - "Venha." - Finalizei.

Eu havia descoberto o seu nome, e o seu objetivo. Ressoando de forma uníssona, enxerguei através dos olhos da invocação legendária. Garuda era uma besta extraplanar de um mundo distante que buscava servir o Clã Shimura e seus propósitos. Ao mesmo tempo, ele também parece compartilhar de um rancor antigo, assim como eu. Mas, naquela instância, isso não importava. Com a ordem, o falcão rodopiou e parou atrás de mim, planando e batendo suas asas a menos que quatro metros de altura. A outra faceta, dos inimigos, parecia assustada, ao mesmo tempo que surpresa.

- "Que vocês encontrem paz na morte." - E então, apontei o indicador direito.

Sem piedade. Este é o caminho para com os malfeitores.
Aqueles que apodrecem este mundo têm de ser destruídos!

Informações:

— Os renegados apresentavam-se com trajes levemente medievais. Suas armaduras brilhantes, postura de combate e máscara me lembravam dos tempos feudais. Eles não eram exatamente samurais, mas também não eram shinobis. Ao contrário de outros combatentes, eles não utilizavam técnicas nem mesmo em suas próprias armas, buscando se garantir apenas em seus feitos e capacidades físicas. Para os Cruzados, tudo o que basta é o polimento do corpo. Sem palavras, o primeiro deles avançou em velocidade estupenda contra mim, deixando para trás uma trilha de ar torrencial que fizera minhas bandagens oscilarem ao vento. Com um movimento rápido, executou um corte rotatório mirado contra a minha cintura, o qual, com dificuldades, me me esquivar por um triz. Após a esquiva, ele continuou com um chute descendente vindo pela lateral direita de minha cabeça, finalizando com uma estocada direta na minha traqueia. Desta vez, optei por defender-me ao criar uma esfera de vácuo a minha frente, criando um espaço inexistente entre mim e o homem, que, por um instante, se viu completamente paralisado no vazio imensurável de minha vaga e etérea liberação elemental. Aproveitei a chance para me afastar ainda mais, analisandos os movimentos do oponente. Na sequência, os outros três ficaram ao lado do primeiro, sacando suas katanas belíssimas de dimensões acima da média. Garuda, por outro lado, se manteve sério e atento. Ele era um oportunista, e não um combatente direto.

- "Mais um dos cachorros da Estrela. Primeiro, eles mandam um verme rastejante... E agora, uma múmia. Vocês são todos iguais, uns meros camponeses que acham ter o direito de se oporem a uma força como a nossa. Nós dominaremos esta nação, e subjugaremos as suas crenças ridículas! Fique onde está, e morra com o pouco de honra que ainda lhe resta, maldito servo!" - O guerreiro exclamou, de forma exaltada.

- "Não faço parte da Estrela, tampouco dos Cruzados. Meu único objetivo aqui é proteger esta nação e eliminar todos vocês da face deste mundo. Vocês querem Enki, mas serei eu quem vai resolver as contas com ele. Não atrapalhem, e conheçam seus lugares, amadores patéticos." - Respondi, com frieza.

Visivelmente atormentado pelas palavras, saltou em direção ao ar, e foi bruscamente interceptado por Garuda, que prendeu ambos os seus braços, rodopiando-o no ar e o arremessando a cerca de quinze metros de altura. As placas de sua armadura saltaram do corpo, à medida que sangue escorreu de seus nariz e olhos pela força G, e a vida esvaiu-se como um flash quando sua carne colidiu com o chão sólido e áspero, deixando para trás apenas uma poça de sangue e ossos destroçados. Enquanto os outros visualizaram a cena, avancei de forma sorrateira, moldando um par de lâminas de vento que viajaram em linha reta, rasgando as rochas do chão abaixo de meus pés, bem como o próprio ar entre mim e os inimigos. Tudo seria decidido naquele instante. Força bruta contra ninjutsu - Luz e escuridão, mais uma vez.

Informações:

— As lâminas da tormenta falharam em alcançar os alvos designados, uma vez que os opositores foram capazes de perceber o ato antes que fossem partidos ao meio pela técnica de vento. Após a esquiva, a mulher que se vestia com uma armadura mais leve e longos trajes cinzentos disparou várias kunais embebidas por um veneno letal, também agarradas a papéis explosivos que entrariam em ação após o veneno ser injetado em meu corpo. Com um selo de mão, ela ativou o mecanismo dos papéis, mas um ataque daquele nível não era páreo para mim. Com a palma direita, criei uma pequena onda de vácuo que repeliu a barragem de arremessáveis, viajando em uma velocidade extraordinária até alcançar a mulher e perfurá-la na altura do seu esterno, ao lado do coração. Um ferimento gravíssimo que a levou ao chão de forma quase instantânea. De maneira conjunta, o inimigo restante avançou, buscando uma aproximação pela retaguarda ao utilizar a distração criada pela sua parceira. No instante em que sua lâmina entrou no alcance de minha percepção, uma tempestade de ventos cortos emanou de minhas costas, expulsando-o ao mesmo tempo que seu corpo fora rasgado em níveis superficiais e médios. Sangue escorria de cada centímetro do homem, com sua armadura agora partida e trajes manchados pela sua vergonha. Observei-o de relance, pouco interessado no que o moribundo ainda tinha a oferecer. Porém, ao invés de matá-lo, decidi fazer outra coisa.

- "Volte e diga aos superiores da sua facção que eles morrerão, um a um, se pisarem nesta vila novamente." - Ditei, apontando em direção ao horizonte. - "Espalhe o nome de Masamune!" - Exclamei.

De imediato, o homem desapareceu com utilização do Shunshin no Jutsu, sem dizer uma única palavra. Havia conseguido deter aquele ataque e possível emboscada, mas ainda não me sentia satisfeito, e muito menos celebrava as minhas ações. Eu só desejava criar um mundo melhor, e encontrar um objetivo maior para que eu pudesse seguir. Sabia que isso apenas soaria como uma afronta, mas pouco importava. Se as duas facções se chocassem, seria a maior oportunidade para mim de ter a chance de eliminá-las em conjunto. De qualquer forma, retornei para Iwagakure, subindo nas costas de Garuda por mais uma vez.

- "Ter asas e ser livre é uma bênção, não é, Garuda? Daqui você pode ver e fazer o que quiser..." - Disse ao grande falcão.

- "Liberdade é apenas um estado mental. Se deseja ser livre, quebre as correntes que lhe puxam para baixo na sua consciência. Pouco importa se está no céu ou na terra, desde que você sinta que suas ações sejam por si mesmo, e que cada coisa que você faça seja por você mesmo. Esqueça a hierarquia, esqueça as ordens, problemas e paranoia do cotidiano. Esqueça tudo, e veja somente você mesmo. Preocupe-se com o hoje, não com o amanhã. Isso é ser livre, Masamune. Você precisa se aceitar." - Ele respondeu.

É um mundo estranho em que vivemos.
Nada realmente é o que parece ser.

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