A cicatriz doía por quase qualquer motivo. Se forçasse o corpo, se respirasse mais forte, movimentos bruscos causavam um grande incômodo ao menino que sua respiração ficava ofegante, parando para descansar depois de caminhar poucos metros. O sol estava quase todo posto, e a noite caía bem devagar sobre a Névoa, engolindo a luminosidade natural liberando os males noturnos. — Nunca tinha reparado em quão bonito é a iluminação. Pela primeira vez prestava atenção aos postes e luzes das lojas e como o vilarejo fica bonito dessa forma. O chunin resolveu sentar em um banco qualquer na rua central, observando as pessoas andando tranquilamente pelo local. Não muito tempo atrás viu uma cena semelhante que foi por água abaixo quando o cientista resolveu usar civis inocentes como bucha de canhão para sua experiência. Levou a mão esquerda até os arcos costais e a encostou levemente no ferimento. Inclinou a cabeça para o céu e ficou a contar as estrelas em uma simples ideia de passar o tempo de maneira mais calma e leve possível. Fechou os olhos e ficou a imaginar a neve caindo em sua face, mas o inverno havia passado e mesmo tendo uma linhagem gélida, Kōji sempre preferiu temperaturas mais quentes ficando feliz com a mudança de estação.

Não sabe quanto tempo passou ali sentado, mas seu corpo estava todo dormente assim como seu ferimento. O Yuki moveu o pescoço para a direita e depois para a esquerda, escutando leves estalos. — Será que mamãe está em casa? Fazia dias que estava fora de casa e antes de viajar Keyko estava ausente. O párvulo caminhou devagar para casa, esperando encontrá-la. [...] Ao chegar na porta o cheiro de comida invadiu as narinas do menino, achando estranho. A comida de sua mãe sempre foi algo que adorou, porém ela quase nunca estava em casa e mais raramente cozinhava. A maçaneta quente pareceu esquentar todo o corpo do mancebo, que abriu a porta devagar para dar de cara com uma cena raríssima. Keyko estava usando um avental branco com rosas vermelhas bordadas, ela estava de costas para ele e de frente as panelas, sua voz reinava no ambiente, cantarolando uma canção de ninar que fez Kōji lembrar de sua primeira infância, deixando seus olhos marejados. — Mãe, estou em casa. Disse, vendo a mulher se virar instantaneamente e sorrir. — Jiji, você faz muita falta! A mulher cruzou a cozinha tão rápido que parecia ter se teleportado, caminhando suavemente pelo ambiente. Keyko abraçou bem sutilmente o filho, percebendo de imediato sua postura defensiva do lado direito. — Venha, venha. Você precisa se alimentar para melhorar rápido. O passado de kunoichi da mulher era desconhecido para o chunin, mas ela mostrava ter sido uma boa ninja e sensível as mudanças. Evitou perguntar sobre a viagem ou o ferimento, trazendo seu filho para sentar na ponta da mesa.

— Eu consegui um emprego no centro da vila. Enquanto comiam os dois aproveitavam para por o assunto em dia, porém era sua mãe que mais falava. Tinha muitas novidades para contar e mal podia se conter. — Sério mãe!? Qual emprego? O chunin estava empolgado com a notícia. — Sim, encontrei uma amiga de infância e ficamos quase uma tarde conversando. Keyko começou a falar e falar, dando um enorme background até revelar onde de fato esta trabalhando. — E assim eu acabei virando a nova bibliotecária da vila. Assim que terminou de falar, a mulher abriu bem os braços esperando uma salva de palmas ou algo semelhante. — Bibliotecária? Isso é muito legal. Eu estou indo na biblioteca direto, preciso conhecer muitas coisas e lá é o melhor local pra isso. A mulher encarou o filho, era a primeira vez que escutava aquela informação mas ficou ainda mais animada. — Agora que sua mãe está lá, tudo ficará mais fácil. Sabe, quando eu era mais nova costumava passar bastante tempo na biblioteca e conheço esconderijos de livros lá que quase ninguém sabe. Falou em um tom convencido. — Passe lá amanhã que eu irei te passar um ótimo livro sobre os elementos e como usá-los da melhor forma. A linhagem do menino o permitia controlar tranquilamente suiton, fuuton e hyouton, e por ter uma variedade média de elementos, nunca parou para pensar nos outros e talvez pudesse controlar mais algum outro. O conselho de sua mãe é algo bom, ele sabe o básico sobre o passado dela como ninja, então o conhecimento dela sobre esse mundo deve ser enorme quando comparado com o dele. — Eu irei sim! Quero saber como posso usar os outros elementos. A mulher sorriu, não falando mais nada para não estragar a empolgação do filho.

Mãe e filho estavam se divertindo lavando a louça depois de um ótimo jantar, com o ferimento doendo vez ou outra e mesmo assim a mulher não questionava nada. Mas seus olhos mostrava tristeza quando via seu filho daquele jeito, lembrando de como a vida ninja é cruel com todos, principalmente com as crianças. — Prometo que serei uma mãe melhor daqui pra frente, Jiji. O menino parou de lavar, ficando a encarar os pratos. Aquelas palavras o acertaram em cheio, deixando-o sem palavras. Os dois ficaram ali, em silêncio. — Você já é ótima, mãe. E espero que as coisas deem certo para você daqui em diante. É o que mais desejo. Lágrimas começaram a escorrer dos olhos da mulher, ficando envergonhada. — Pare de gracinha, vamos terminar de limpar tudo isso, porque nós dois precisamos acordar cedo amanhã.

Kōji foi posto para dormir por sua mãe, que o acompanhou até o quarto, depois de seu banho e até o cobriu. O quarto escuro com um pequeno feixe de luz lunar entrando pela janela o mantinha acordado. A última vez que ela o colocara para dormir? Buscava incansavelmente em sua mente sobre isso, mas não encontrava nada. Aquela foi a primeira vez. Um sorriso enorme tomou seus lábios, apagando logo depois. Fazia anos que o menino não apagava totalmente se sentindo tão bem. A pequena reunião familiar renovou todas as suas forças e reforçou sua determinação em seguir em frente.

HP: 375/375 | CH: 825/825 | ST: OO/O5