4
Allannia Grey
HP:2725/2725
CH:5550/6850
ST:02/07
CN:000/400
Células:2250/2250
Despertou num quarto escuro. A cabeça doía, assim como o resto de seu corpo. Os ferimentos não estava mais lá quando tocou os pontos mais afetados, mas a sensação de ter sido machucada permanecia insistente. Não estava trajada, mas era a menor das suas preocupações naquele momento. Enrolou o corpo no lençol e vagarosamente encaminhou seus passos rumo ao desconhecido, em busca de alguma saída. Tateou o ambiente escuro na expectativa de encontrar a porta, esbarrando em mobília no processo. Após algum tempo, as mãos delicadas deslizaram por uma área metálica que parecia ser uma maçaneta.
Abrir a porta por meios tradicionais foi desafiador, e ela se sentia cansada demais para utilizar o seu físico avantajado, mas não fraquejou. Pressionando o tecido contra o corpo, ela chutou a porta com tanta força que a viu despedaçar. Os restos se espalharam por pelo menos dez metros, e todos os olhares foram postos para si. Estava rodeada por civis que olhavam incrédulos para a situação. Alguns estavam conduzindo prostitutas para os respectivos quartos, outros meramente queriam passar a noite na estalagem após uma noite inteira de festividades.
Os ruídos se espalharam e a algazarra foi tamanha que os seguranças foram acionados, tal como a gerência. Allen, o dono, chegou primeiro que os demais. Viu ele coçar a barba enquanto dava uma rápida olhada pela Tsuchikage. Após umedecer os lábios com mais uma dose de vinho, disse-lhe:
— Disseram que você acordaria mais tarde, senhorita. Aparentemente, elfas são duras na queda. — ele riu, oferecendo-lhe sua taça. Apesar de relutante, Allannia aceitou. Estava com sede, e precisava de algo para saciar o estômago. — Mandarei trazer alguma comida. Quanto a suas roupas, não achamos apropriado vesti-la enquanto dorme. Sua amiga, a Sarah, disse que traria um vestido novo. Eu informei que temos um camarim exclusivo para as nossas funcionárias, mas ela insistiu que não seria adequado que você se vestisse como uma “cadela” nas palavras dela. Francamente, uma roupa não define ninguém. — o homem suspirou, dando os ombros. Considerando que as mesmas palavras foram ditas pelos lábios da loura, considerou uma situação irônica. “E ela sempre criticou minha hipocrisia, huh. Talvez seja mais difícil ser politicamente correta do que se pensa”, Allannia pensou consigo mesma, presa em seus devaneios. Eventualmente, as dores de cabeça retornaram. — Você está bem, Allannia-sama? Se precisar de ajudar, posso conduzi-la até a área VIP.
Allannia se limitou a anuir com a cabeça, e com um sorriso gentil, o homem apoiou seu braço livre em seu ombro e firmou as mãos em sua cintura, auxiliando em seus passos seguintes. As atividades na boate haviam acabado, e restava somente os ramos secundários, embora igualmente lucrativos. A sala VIP era tão luxuosa quanto os seus aposentos em Cinzamarca, exibindo uma mobília suntuosa. Naquele momento estava vazia, mas facilmente poderiam acomodar uma vintena de convidados com ampla margem.
— Fique a vontade, esse lugar também é seu. —cuidadosamente Allen auxiliou em sua condução até o momento em que a teve sentada em um dos sofás alabastro dispostos no ambiente. — Mandarei trazer a comida que prometi, e irei instruir sua amiga que venha até aqui. — ele fez uma reverência e saiu, deixando-a sozinha.
Allannia teve tempo para refletir sobre seus erros e compreender melhor a sua situação, embora as memórias fossem vagas. Algumas não faziam nenhum sentido, e eventualmente precisaria se questionar quanto a veracidade delas. Deitou-se no sofá enquanto aguardava a chegada de Sarah, refletindo no que diria para a mesma.
E ela não tardou a chegar. Logo atrás vieram duas das garçonetes parcialmente despidas do local, oferecendo pratos saborosos como desjejum. Havia comida demais, até mesmo para um casal. Agradeceu com um sorriso cansado, e observou a saída delas antes de começar a falar.
— Onde está o Michael? — questionou, sentindo um misto de emoções atravessar seu ser. — Tenho algumas perguntas a fazer.
— Está em cirurgia, você destruiu os ovos dele. Felizmente há uma iryō-nin habilidosa entre as putas daqui. A mesma quem tratou você com prioridade. — Sarah sentou-se ao seu lado, e repentinamente, socou-lhe na região do ombro. — Isso é por ser uma estúpida. — e em seguida, o abraço veio para a confortar. — E isso é por me preocupar. Sou sua amiga, imbecil. Qualquer problema temos de resolver juntas. Quis ser a gostosona e acabou toda fodida.
— Eu fui fodida? — Allannia questionou, horrorizada. O coração palpitou tanto que achou que fosse sair pela boca.
— Não nesse sentido. Pelo menos é o que acho. Não tira o mérito de que você seja uma arrombada, fisicamente ou não. — ela zombou, afastando-se. Detestava a boca imunda da aliada, e mais ainda o seu humor negro.
— Eu gostaria que você não me tratasse assim. Como você sabe, eu sou...
— Sim, você é a Tsuchikage. Mas quando eu a conheci era somente Allannia Grey, uma cretina mimada cheia de sonhos. Não foi o seu cargo quem fez de nós amigas, lembre sempre disso. Aprenda a valorizar suas amizades. Lembra do gostosão do Yohma? Nem cartas você manda pra ele. Eu soube que está muito famoso pelo mundo inteiro, e que sorte a da mulher que ele tem como consorte! Eu daria tudo para me deitar com um desses. — a loura moveu os dedos de uma forma que quase a fez perder o apetite.
— Eu e Yohma somos somente amigos. E não sei onde você quer chegar com isso. — Allannia parecia constrangida com os rumos do diálogo, e afastava a face corada, mantendo os olhos fixos nas paredes decoradas com quadros de luxo e cabeças de animais.
— Você contou que suas tentativas de ser legal com ele foram um fiasco, mas também ficou parecendo uma yandere chata. Acho que como não vejo você com muitos amigos, não sabe expressar seus sentimentos. Permita-se sentir, e decida com a mente se o que você fará é o melhor ou não. Acho que isso é o mais importante.
— Não imagino como isso poderia me ajudar.
— Talvez ajude mais do que você imagina. Não só com ele, mas com as outras pessoas que querem seu bem. — Sarah afastou-se, deixando Allannia sozinha para degustar todo o banquete. O vestido novo estava em seu colo, e se surpreendeu quando percebeu que ela conhecia bem os seus gostos. Era outro exemplar do modelo danificado. Apenas quem convive com a elfa por bastante tempo sabe o peso de suas escolhas.
(...)
Allannia estava novamente trajada e com o estômago aquecido, por mais que não se sentisse tão revigorada quanto poderia. Michael foi o primeiro a retornar no ambiente após o seu momento de repouso, visivelmente afetado pelos danos causados ao seu corpo, mas aparentemente recuperado dos problemas mais graves. Considerando a tentativa de homicídio, não sabia o que pensar do homem.
— Muita coragem de sua parte vir me encontrar após tentar me matar. — Allannia disse-lhe incisiva. — Insatisfeito por ter sido incapaz de me matar?
— Matar? Deixe de ser uma estúpida, estava ajudando-lhe conforme você pediu. A única forma de treinar apropriadamente o poder que você tem, é através de risco, sofrimento e muito ódio. Apesar de dentro de você haver somente a energia do ente maligno, as suas propriedades são de mesma natureza. O caminho é muito mais difícil, e se quiser mesmo controlar por completo o seu potencial, precisará passar por mais situações como essa. — o homem se explicou, mantendo a mesma carranca de outrora. — E de todo modo, se uma Kage nova como você morresse para um velho como eu, seria mais demérito seu do que qualquer outra coisa.
— Você tem razão. Peço perdão por tê-lo julgado errado. Vejo que não é tão louco como pensava. — Allannia aproximou-se do ancião, ofertando um sorriso amigável e a canhota. — Podemos ser amigos?
— Obrigado pela parte que me toca. Além de ser uma oferta inusitada. Você destruiu meu saco, ofendeu-me e desmereceu todo meu esforço. O correto seria cuspir em sua cara. — inicialmente o mais velho pareceu sério, mas prontamente deu uma risada antes de aceitar. — Mas por qual motivo não seria? Em uma amizade há uma troca de favores e interesses em comum. Você pode me ser útil, assim como meu conhecimento será de boa serventia. Considere isso um acordo. Além da garantia de que não me vingarei pelo que fez. O correto seria ceder o seu útero como penitência, se fossem em outros tempos, eu estaria no meu direito de solicitar a justiça.
— Pare de resmungar, quando eu me tornar a melhor médica do mundo, tratarei de resolver seu problema. — fez uma pose confiante, recebendo dele olhares duvidosos que divergiam entre incredulidade e escárnio.
— O meu problema é irremediável. Parece-me que a louca aqui é você. — Michael franziu o cenho e torceu a boca, demonstrando o seu desprezo.
— Não seja por isso. Considere isso uma promessa de amigos. E agora? O que temos que fazer agora? Eu já consigo controlar aquilo? — Allannia levou o dedo indicador ao lábio, refletindo.
— Não. Você ainda está estupidamente inábil. Se estivesse realmente hábil, eu estaria morto agora. Pode-se dizer que fiz uma aposta arriscada, e felizmente se confirmou. Você não aprendeu em sua primeira tentativa, e na condição que estou, dificilmente serei capaz de continuar a prepara-la. A sua amiga foi instruída, e ela prosseguirá em meu lugar. Vim aqui por outro motivo.
— O que seria tão importante? — um arrepio percorreu a espinha da Grey, acompanhado de um pressentimento terrível.
— Uma das meretrizes, a mesma que me atendeu, lembra-me você. São idênticas, e isso me assusta um pouco. Parece coisa do diabo.
— O que quer dizer com isso? — Allannia estava confusa, e dada a descrição, a situação aparentava envolver um delírio do sujeito. Tomada pela curiosidade, contudo, pressionou as pernas com ambas mãos antes de decidir. — E onde eu poderia encontra-la?
— Você faz perguntas demais, e é um pouco burra. Se ela é uma meretriz, estará no bordel. Só não posso saber se vai estar “trabalhando” ou não. — o deboche dele quase irritou a Grey.
— Obrigada por tudo. — afastou-se do homem, seguindo apressadamente em direção ao local sugerido.
O bordel propriamente dito estava localizado no mais inferior dos andares, seguindo por uma longa escadaria antes de ser acessado. Haviam strippers, dançarinas de pole dance e uma vasta área para as apresentações obscenas desta. Allannia considerou o recinto o ápice da depravação humana, presenciando cenas que jamais imaginou que fosse possível.
Vasculhou o ambiente com os olhos, em busca de respostas. Enquanto procurava, um homem bêbado e decrépito a confundiu com uma das funcionárias, tocando de maneira voluptuosa suas nádegas. Desrespeitada, desferiu um soco no rosto deste, nocauteando-o. O ânimo dos demais foram acalmados quando a situação se sucedeu, mas a tensão pairou no ar após as atenções serem postas em sua direção.
Os seguranças se aproximarem e a insatisfação era evidente em seus semblantes. Era bem provável que conhecessem a Tsuchikage, mas não pareciam se importar caso fosse necessário confrontar a líder. Preparou-se para o confronto mantendo uma pose firme de batalha, até que uma silhueta se interpôs entre ela e os potenciais adversários. A silhueta familiar quase a fez desmaiar, e as palpitações cardíacas eram tão intensas que não pôde evitar tocar o peito. A respiração descompassava tornava tudo um tormento, e quase não acreditou quando confirmou o que havia visto.
— Parem já com essa palhaçada. E você. — a mulher estava seminua quando se aproximou da Grey com os seus olhos alaranjados em fúria. A face era como se fosse observar a si mesma num espelho, excetuando pelos cabelos castanho-claros e a alta estatura, aproximadamente 1,70m. E as orelhas, pontiagudas e chamativas, indicavam algum grau de parentesco entre ambas. — Não chame tanto a atenção. Desde que chegou está apenas causando problemas. Esqueceu de tudo que sua mãe ensinou? — a distância era tão curta entre ambas que pôde sentir a respiração ofegante da mulher, e quase corou quando ela firmou a mão em seu ombro. — Venha comigo.
Allannia foi conduzida até o camarim, onde teriam alguma privacidade. As demais funcionárias estavam em atividade quando chegaram, facilitando no que tange ao conforto de ambas. Não teve coragem de proferir nenhuma palavra que fosse, limitando-se a tomar um dos assentos de prata pra si. Eram desconfortáveis, mas serviram ao seu propósito de repousar e organizar os pensamentos confusos.
— O homem que você socou é um dos sobrinhos do Daimyō do País da Terra, provavelmente terá problemas com ele quando a poeira abaixar. Se pedir desculpas, talvez ele esqueça tudo isso. — ela começou, sentando ao seu lado.
— Eu quero que o Daimyō e o sobrinho dele se fodam. Quem é você? — Allannia virou para fitar profundamente a mulher, determinada em obter a resposta almejada.
— Meu nome é Allyva. E se o nascimento ainda vale de algo, sou uma Grey, tão puro-sangue quanto você. Não queria que nosso primeiro encontro fosse aqui e dessa forma, mas a vida nunca foi fácil desde que nasci. — Allyva suspirou, focando os olhares no piso de azulejos abaixo das duas.
— As orelhas não mentem. Mesmo que não aja como uma, você é uma Grey. Apenas não entendo como... — Allannia começou antes de ser interrompida.
— E quem você pensa que é para julgar quem sou? Não pense que esse seu vestido colado fica muito atrás das roupas que uso, ou que há diferenças em exposição entre ser uma prostituta ou uma Kage. Nós duas somos cadelas por dinheiro, quer você queira, quer você não queira. A diferença é que preciso ir a cama com quantos homens forem preciso, já você não precisa fazer nada além de ser uma dissimulada. — a mulher se exaltou, demonstrando um temperamento forte que recordava em partes a própria Sarah Ito, mas com uma intensidade muito maior. O rosto dela estava cheio de lágrimas, e possuía certeza de que eram de fúria, não de tristeza. — Eu não tive escolha. Você pelo menos pôde escolher ser quem é. E pensar que esse era o melhor destino que eu poderia ter...
— Se esse é o melhor destino, imagina como são os outros. — Allannia não pôde conter o escárnio quando se viu encurralada pela acompanhante. — Não escolhi ser quem sou, mas prometi a mim mesma que tentaria ser quem eu sou. É mais difícil do que eu imaginava, e até agora, apenas fracassei. Ser livre é quase impossível. — suspirou, olhando para o teto, pensativa.
— Nunca conheci nossa mãe, mas cresci com nosso pai. Um homem cruel, envolvido com o mercado negro e os mais diversos atos hediondos. Fui instruída para ocupar o lugar dele desde criança, mas na adolescência nenhum dos objetivos dele se concretizaram. Quando os negócios desandaram, ele teve de fugir e me deixou para trás. — o tom melancólico era de partir o coração, mas no fundo Allannia não compreendia o significado de viver a vida dela. Seja por egoísmo, ou até mesmo arrogância, a situação parecia tão banal quanto distante. — Para compensar os crimes dele, tive de trabalhar com alguma coisa, e para não me casar com nenhum homem que desgosto, escolhi trabalhar como uma cortesã. Tornei-me a mais bem paga desse bordel, e não tenho do que reclamar. Sou a mais cobiçada pela elite, mas ao mesmo tempo, maior parte do que ganho acaba indo para as pendências que tenho. Você não sabe nada sobre o que é viver uma vida inteira fazendo algo que desgosta.
— Se está tão infeliz, por que não foge? Você nasceu com o nosso dom, se utilizar... — Allannia estava confusa quanto as afirmações desta acerca do nascimento similar de ambas, mas preferiu não opinar por um tempo, até que possuísse certeza.
— Nosso pai me treinou nas artes ninjas. Eu sei tudo que preciso saber e um pouco mais. Mas do que adiantaria? As mesmas pessoas a quem devo ocupam os mais altos cargos no vilarejo, e eventualmente eu precisaria retomar as atividades. É um destino inevitável, resta a mim lidar com ele. Algumas pessoas não nascem com sorte o bastante para serem felizes.
— Nunca é questão de sorte. Você é livre para escolher. Caso queira eu posso...
— Nunca é questão de sorte? Não estou pedindo ajuda. Diga-me uma coisa, uma criança deficiente escolheu ser deficiente? E os mortos nas guerras? Pediram para ser mortos? Escolhemos onde nascemos? Escolhemos nossos pais? A sorte existe para todos, e não podemos evitar. Não é algo que eu possa mudar. — Allyva suspirou, levantando-se. — Eu invejo sua vida. Apesar de sermos iguais fisicamente, somos muito diferentes. Se eu pudesse viver a vida no seu lugar, tenho certeza que eu conseguiria ser feliz. Mas não posso mudar minha sorte com a sua. — a forma como ela falou a última sentença fez um calafrio percorrer sua espinha.
— Eu nunca conheci meu pai, e minha mãe nunca me contou nada sobre ele. Se for pelas nossas aparências, e a forma como nossas histórias se completam, é possível que sejamos irmãs caso não seja uma coincidência cruel. Mas independentemente disso ser verdade ou não, saiba que não precisa viver essa vida. Eu posso resolver os seus problemas, e juntas conseguiremos trilhar um caminho em que possamos ser livres. — Allannia tomou as mãos dela, convicta do que estava dizendo. Contudo, foi afastada com um leve empurrão.
— Como pode ter coragem de falar sobre liberdade quando se faz valer do seu cargo para ter o que quer? Você não sabe nada sobre ser livre, Allannia Grey. Pensa que sabe, mas no fundo, não passa de uma garota mimada que nasceu em um berço de ouro. Eu conheço toda a sua história, detalhe por detalhe. Papai me disse que eu tinha uma irmã gêmea, mas eu não pensei que fosse ser alguém como você! — dessa vez, aos prantos, Allannia pôde ter certeza de que as lágrimas eram de frustração.
— Minha mãe nunca falou de uma irmã. Eu não compreendo...
— Nossa mãe. E não pense nela com tanto carinho, é tão cretina quanto nosso pai. — o nojo dela era evidente, como se o ato de mencionar cada um deles fosse um desafio.
— Não fale dela assim, você não tem o direito. Qual o nome dele? Eu preciso saber. Quero que me diga tudo que sabe sobre ele. — Allannia sentiu o estresse começar a borbulhar dentro de si, mas conteve o ímpeto que a faria se descontrolar.
— Não devo nada a você, e para falar a verdade, essa conversa foi um erro. Estou de partida. Fique você com sua mãe vagabunda e essa sua vida de merda. Nunca mais me procure. — ela se afastou abruptamente, saindo da sala com passos largos. Quando tentou impedir a sua partida, num movimento tão rápido que sequer pôde ver, ela estapeou seu rosto. Allannia caiu, sendo capaz somente de ver a mulher ficando cada vez mais distante, até desaparecer de seu campo de visão.
(...)
Allannia sempre acreditou que todos os cisnes fossem brancos, e que a mesma lei fosse válida para o próprio Clã. Ela mesma Considerava deslocada, mais distante das expectativas que a mãe construiu dentro de si. Em seu âmago, Allannia era como se fosse um cisne negro. Exceção à regra, uma pessoa maligna que não se importa com os valores impostos desde o berço. Mas ela estava enganada. Pouco a pouco, ela começava a entender que os cisnes negros na verdade são eventos improváveis, quase imprevisíveis, e que só podem ser entendidos a partir do passado. Enquanto caminhava solitária pelas ruas do vilarejo, acompanhada somente por Sarah Ito e Rauros, ela contemplou um rumo para as suas inúmeras questões: ela precisaria descobrir todos os detalhes que estavam ocultos em sua vida até então.
— Você está mais quieta que o normal. Aconteceu algo? — a loura quebrou o silêncio, intentando algum contato com a Tsuchikage.
— Não é nada. Eu estou bem. Onde vamos treinar? — Allannia tentou mudar de assunto, acariciando a pelugem da leoa.
— Eu sugeri que usassem aquele local que dormíamos naquela época, até hoje não terminaram as obras. Você não disse que faria algo quanto a isso? — Rauros recordou-lhe, mas naquela altura, ela não sabia mais o que havia impedido ela.
— Tem razão, as obras deveriam estar terminadas. — Allannia não disse mais nada após isso, e o silêncio se estendeu até quando chegaram.
Assim que estiveram no campo aberto repleto pelos resquícios do trabalho inacabado dos operários, as três se posicionaram. Rauros afastou-se, pois mesmo no seu ápice físico seria incapaz de colaborar com o treinamento, enquanto a loura e a prateada ficaram frente a frente. A noite engolia o local, e o único barulho possível era o das aves que se empoleiravam nas formas de um prédio inacabado. Os únicos espectadores para o confronto, ansiosos por pedaços de carne e o que sobrasse do conflito das duas.
A jovem Grey avançou primeiro, ativando imediatamente o seu “Satan Soul” e permitindo que todo o ódio acumulado após o diálogo frustrado com a irmã estivesse fluindo na forma da aura rubra e ameaçadora. Ela aceitou que estava condenada a conviver com os demônios dentro de si, e se eventualmente precisasse acomodar mais, aceitaria sem relutar. Tamanha aceitação e envolvimento com as nuances do Plasma despertaram nela um talento oculto por anos renegando os seus poderes.
Sarah não possuía muitos truques para demonstrar, mas era tão veloz quanto a sua adversária, escapando de suas garras afiadas e se defendendo com diversas paredes de terra extremamente densas. Allannia destruiu tudo em seu caminho violentamente, agindo como uma besta enfurecida a priori. Conforme o tempo passava, o corpo parava de responder e a loura possuía tempo de reação. Os ataques outrora inexistente dela começaram a se tornar parte da grade de combate. Se não fosse sua velocidade considerável, ela teria sido atingida mais de uma vez, aproveitando uma das brechas para rasgas parte da face da parceira de treino. Sangue escorreu pelo maxilar ferido, mas não a impediu de tentar novamente com chutes e shurikens.
Usou dos braços cobertos pelas escamas para se proteger das armas básicas, enquanto avançava repetidamente com o intuito de tê-la morta. Pouco a pouco a prateada esquecia dos seus propósitos, e se perdia numa fúria sem limites. Aguardou pacientemente, permitindo-se envolver pela sensação inebriante provocada pela bestialidade, se tornando em uníssono com o chakra maligno dentro de si.
Allannia sabia que chakra era composto por energia física e mental em perfeito equilíbrio. Para conseguir balancear o excesso da contrapartida do seu aspecto intelectual, era sempre instruído na academia a manter a concentração em dia. Assim que permitiu que o seu desafio se tornasse cada vez mais forte, ela começou a combatê-lo com perseverança e sanidade. Gradativamente, a Grey passou a utilizar do Plasma como auxílio, utilizando justamente da sensibilidade da Satan Soul em aglomerar ambas facetas de seu Clã em um só. Abusando de ambos fatores, a Tsuchikage estava crente de que conseguiria alcançar os resultados que almejava.
A luta se estendeu no uso do Taijutsu, sendo dominado pela Kage mais habilidosa na arte que a sua adversária. A debilidade era tanta que após a prateada começar a conter os seus impulsos, ela nunca mais foi alvejada novamente pelas ofensivas da loura. Ciente de que precisaria compensar em outros setores, Sarah recuou o mais rápido que conseguiu, criando diversas paredes de terra para atrasar o avanço veloz da Sandaime.
Ela criou três golens de terra para o confronto, enviando dois deles para uma ofensiva coordenada. O remanescente cuidou de suas costas quando Allannia tentou dar a volta, protegendo a Tokubetsu de uma investida violenta. Os gigantes de terra saltaram em sua direção, realizando tentativas frustradas de esmagar o corpo delgado subitamente.
Allannia projetou duas fênix de Plasma, uma em cada mão, utilizando de suas asas para destruir os maciços de terra como se fossem feitos de feno. Sarah não se deixou abalar, aproveitando da breve distração provocada para manipular a terra ao redor da Grey, criando uma cúpula que prontamente se fechou contra o corpo dela, esmagando-a. O ataque foi tão rápido e violento que a mais jovem acreditou ter assassinado a Sombra da Pedra.
— Céus, Allannia. Perdão, eu me empolguei. — o coração da rival estava acelerado, e sua voz fraquejava. Aproximou-se da área receosa, mantendo os olhos arregalados. — Puta merda...
Repentinamente, a investida foi destruída por uma poderoso feixe de Plasma luminoso, após os padrões de uma constelação anunciar a execução de seu “Grand Chariot”. A ofensiva avançou destroçando o entorno, e a sua eficácia foi tanta que forçou a galega a recuar. Uma película de Plasma estava formada ao redor de uma Allannia intacta, e a capacidade de gerar tal proteção utilizando somente um único selo demonstrou uma evolução satisfatória de suas capacidades. Mais concentrada e confiante do que jamais esteve, ela prosseguiu com a sequência de ataques que daria para ela uma vitória inevitável, caso efetiva.
— Não seja idiota! Lute como se fosse pra matar ou morrer. — Allannia vociferou, movendo os dedos para o alto na formação de um enorme meteoro de Plasma obscuro. Nenhum selo foi necessário, concentrando a sua mente e conhecimento da Kekkei Tōta para uma execução de maestria. — Desapareça! — a esfera maciça colidiu violentamente contra a área ao redor da loura, gerando correntes de vento que derrubaram Rauros, mesmo afastada do recinto.
— Você não sabe brincar, porra? — Rauros reclamou, presenciando a cena horrorizada.
Quando Allannia se aproximou, pôde visualizar o corpo destroçado da amiga, sentindo um pequeno embrulho no estômago. A Grey não esperava que a ofensiva fosse funcionar do jeito que planejava, e estava crente de que ela fosse capaz de evitar o ataque. Contudo, não foi tola o bastante de confiar em indícios tão superficiais. Sarah Ito era tão ardilosa quanto seus familiares, uma característica nítida em toda a trajetória de seus integrantes.
Vasculhou a fluxo de chakra em seu cérebro, concentrando-se em sua eficiência. Aplicou o “Genjutsu: Kai” em seu nível máximo, liberando-se das interferências cerebrais praticadas por um poderoso Genjutsu. Era a área de domínio da garota, e dificilmente iria esquecer disso.
— Peguei você! — exclamou quando conseguiu interceptar o avanço da oponente em suas costas, armada com uma kunai. Allannia arremessou ela contra o chão e se pôs por cima dela, fitando o seu semblante exausto com um sorriso triunfante. — Venci.
— Não se acha demais, eu sou só uma Tokubetsu. Se perdesse pra mim era fim de carreira. — ela resmungou, virando o rosto, corada.
— Você é uma péssima perdedora, sua fracote. — Allannia zombou, fazendo careta.
— E você uma péssima perdedora. Agora sai de cima de mim, se não for pra beijar melhor nem provocar assim.
— Cala a boca, idiota. — Allannia se ergueu, limpando a poeira do vestido. Desta vez, o teve intacto. A vitória foi tranquila e não precisou receber danos para compreender suas capacidades. — Você e suas piadinhas.
— Incomoda que eu faça essas piadas? — Sarah se levantou, questionando a amiga acerca do constrangimento evidente em seu semblante.
— Bastante. Melhor parar, não gosto que fique pensando essas coisas de mim. — Allannia retrucou, indo em direção à leoa de estimação.
— Que seja, então. São somente brincadeiras mesmo. — ela soou fria e distante, mas não estendeu a discussão por mais tempo.
Rauros, a Leoa
HP: 1000/1000
CH: 1000/1000
ST: 00/05
Emme