Naquele dia Kuro havia acordado, como na maioria das vezes, de muito mau humor. Arriscou alguns sorrisos de bom dia, mas quem quer que os recebesse conseguiria notar o estado de ânimo que o garoto exalava enquanto caminhava por uma viela que conduziria até a Academia Ninja. A manhã tinha um clima muito agradável e, talvez por isso, já naquelas horas Konoha estava movimentada e barulhenta. Provavelmente foi a fuga desse "zum zum zum" todo que fez o gennin mergulhar numa introspecção tão profunda, que só foi rompida por um solavanco abrupto: -- Oe!.. mas que... -- Ensaiou um xingamento que não se materializou, ao invés disso, torceu o corpo tentando se recompor de uma trombada, momento em que percebeu uma criança correr para longe, tentando se afastar aos "trancos e barrancos". Ia praguejar, mas curiosamente notou que o jovenzinho, que aparentava ser mais novo do que ele próprio uns 2 ou 3 anos, chorava e isso foi o suficiente para "desarmá-lo". Apenas o deixou se afastar. Permaneceu observando-o até dobrar uma esquina e desaparecer. Esse foi o gatilho que lhe fez lembrar que já estava atrasado para encontrar o sensei na academia. Apressou-se.

-- Kuro-chan, por aqui! -- o sensei acenava. Estava na presença de dois estudantes que treinavam ninjutsu. Os deixou praticando para falar mais reservado com o gennin. -- Pensei que não vinha.. ah, mas vamos ao que interessa. Essa manhã aqueles dois estudantes... -- Indicava com a cabeça os garotos que estavam próximos -- ...me relataram um grande problema. Já faz um tempo que o colega deles não frequenta as aulas, mas somente hoje me contaram que faz alguns dias que ele não é visto em casa. Ele é órfão de mãe e pai, portanto não tem ninguém. Contam que um Jounin se compadeceu dele e que é o responsável por arcar com despesas e cuidados, visitando-o constantemente, porém, aparentemente esse ninja está fora do vilarejo em uma missão. Preciso que você localize essa criança o mais rápido possível! -- o superior tateou o bolso do colete procurando por algo. -- Tome. Essa é a foto que estava na matrícula dele. -- Olhando a imagem uma expressão de curiosidade tomava o gennin. 'Eu já vi esse rosto antes!', pensou. -- Sensei-san, gostaria do endereço desse aluno, se for possível --

O professor precisou recorrer ao armário de arquivos no seu gabinete no interior do prédio. Nesse ínterim, o jovem Musashi se aproximou dos dois garotos que praticavam ninjutsu. -- Oe... sou Kuro. Estou encarregado de investigar o desaparecimento do colega de vocês... -- agachou-se próximo dos dois sacando do bolso a fotografia indicando-a aos alunos. --... parece que vocês foram os últimos a vê-lo, estou correto? -- As crianças se entreolharam desconfiadas. Demorou alguns segundos para que finalmente uma delas rompesse o silêncio: -- er... sim.. acho que sim... mas tenho certeza de que ninguém vai encontrá-lo... -- A criança que permanecia em silêncio, de repente direcionou um olhar de reprimenda ao colega e complementou: -- ...ele fala isso porque vimos o nii-chan sair pelo portão da vila para nunca mais voltar! -- Nessa hora, o sensei já apontava na porta com um pergaminho em mãos. -- entendo -- Kuro voltava a colocar a foto no bolso do casaco e levantava-se para receber um pergaminho do professor. Despediu-se dos três e partiu para investigar sua primeira pista.

O local em que o aluno desaparecido vivia era muito simples. Um casebre relativamente isolado na periferia do vilarejo. Estava todo lacrado, sem qualquer sinal de habitação recente. Não era o que o gennin esperava... Aquilo estava muito estranho. Tinha quase certeza de que encontraria alguma pista que validasse a primeira hipótese para o caso, mas a visita foi infrutífera, no entanto, resolveu não desistir. Subiu em uma árvore próxima e se escondeu entre os galhos altos. Agora era esperar e torcer para sua aposta dar certo. E as horas passaram... primeiro uma, depois duas e assim até terem se completado oito horas em vigília quando, finalmente, algo estranho aconteceu. -- Oe... o que diabos aqueles dois estão fazendo aqui? -- Kuro reconhecia os alunos da academia. Chegaram sorrateiramente, mas pareciam exasperados. Enquanto um deles puxava um balde de uma cisterna próxima pela alavanca, o outro que carregava um pacote rondava ao redor do casebre, como que se certificando que estavam sozinhos no lugar. Quando o balde chegou ao topo da cisterna, o garoto retirou de dentro um molho de chaves que os dois utilizaram para destrancar a casa e depois desapareceram em seu interior. Saíram depois de meia hora, realizando procedimento semelhante quando chegaram: enquanto um colocava as chaves e descia o balde, o outro se certificava sobre os arredores. Não demorou a partirem. Passados alguns minutos, Kuro desceu, apanhou as chaves e adentrou o casebre.

O interior da habitação era simples, com pouquíssimos móveis. Kuro notou o pacote que um dos alunos tinha trazido. Era composto de frutas, algumas sementes e restos de comida. Alguém continuava habitando aquele lugar, como ele suspeitava. De repente, escutou o ruído da manivela que erguia o balde da cisterna e soube que teria companhia. Posicionou-se atrás da porta e aguardou. Não tardou ela abrir-se e passar aquela mesma criança que no começo do dia havia chocado seu corpo no dele. Era a mesma criança da foto que o sensei lhe entregara.

O garoto não reparou na presença do ninja. Caminhou até a mesa onde estava o lanche e começou a comer de forma animalesca, como se a fome o estivesse castigando desde cedo. Só foi interrompido quando Kuro pigarreou. -- Não se assuste! -- Musashi falava se colocando à frente da porta para evitar qualquer fuga. O aspirante a ninja se virou assustado, com uma expressão de temor nos olhos e metade de uma fruta na boca. Arqueou o corpo como uma fera acuada, preparada para fugir ou atacar, porém não teve iniciativa para nenhuma das duas coisas. -- Não tenho nada a ver com a sua vida. Disseram-me que você havia fugido do vilarejo, mas desde cedo percebi que isso não era verdade. Se quiser partir, não vou me importar, porém aviso que os seus dois amigos, esses mesmos que estão te acobertando, podem ser punidos inclusive perdendo a chance de se formarem na academia.. -- O garoto mais jovem fora traído pela transição de sua expressão de temor para uma de súplica. Kuro soube que conseguiu acertar o ponto, portanto, continuou: -- ...vejo que se preocupa com seus amigos e eles com você, pois estão arriscando muita coisa. Também tenho amigos que quero proteger. Imagino o que você deve estar passando e por isso, posso ajudá-los, mas preciso que você confie em mim. Conte-me o que está acontecendo. -- O garoto ao ouvir aquelas palavras ainda tentou esboçar uma reação de impassividade, lançando um olhar de desafio ao gennin. Parecia pesar nos seus pensamentos o impacto e as consequências de cada passo. Ao final de alguns segundos deixou pender a cabeça e fitou o chão. Estava mentalmente desarmado, porém manteve-se em um silêncio perturbador. Kuro, então, caminhou tranquilo e apoiou, com cautela, sua mão sobre o ombro daquele menino. Essa ação foi suficiente para que o infante começasse a chorar copiosamente.

Os dois permaneceram assim, sem trocar palavras, por alguns bons minutos, quando finalmente o gennin tomou conhecimento do timbre da voz daquela criança: -- snif... nunca vou conseguir me tornar um ninja! Eu não tenho pais, não tenho família, não tenho nada e nem ninguém. Minha única esperança era me tornar útil como um shinobi que protegeria os fracos e necessitados... mas não conseguirei! Sou um total fracasso... -- E assim, entre lamúrias e revelações foi esclarecido que a turma que ele frequentava, na academia, havia passado por um teste e que o garoto tinha obtido uma performance pífia em Ninjutsu, diferente dos colegas. Alguns alunos, mais maliciosos, haviam aventado a possibilidade de que ele nunca se formaria na academia se tornando um pária. Mesmo o Jounin que dera amparo e o acolhera, ao descobrir tamanha humilhação deveria abandoná-lo por completo... e isso fora o suficiente para fazê-lo desaparecer. Haveria um teste final dali há algumas semanas e aquela jovem criança não queria estar na academia para enfrentar todo aquele vexame novamente. Essa era a história. E então, Kuro lembrou-se de seu Ojisan: "... toda pessoa é uma história e devemos proteger cada história!". O gennin limpou o rosto do menino e ergueu seu olhar, pelo queixo, fazendo encontrar com o seu. -- Sua história não termina aqui e eu vou te ajudar a escrevê-la!

Quando o dia seguinte raiou, tratou de iluminar a vila e revelar toda a movimentação das pessoas que iniciavam seus afazeres. Num canto afastado da periferia, próximo a um casebre simples, dois garotos pareciam se esforçar para aprender algo. -- Garoto, você já aprendeu na academia que o chakra é o resultado tanto da sua energia física quanto mental, não é? Pois então, nesse momento há uma perturbação na sua mente que faz com que esse equilíbrio não aconteça. O Ninjutsu é a manipulação do chakra em sua essência, mas como essa energia não está sendo processada, você não está conseguindo êxito... -- Kuro pausava a explicação para se certificar de que o garoto estivesse compreendendo. -- ...imagine um ferreiro. Ele precisa forjar sua arte através de seu forno, mas esse forno para gerar o calor precisa de duas coisas: material para queima e uma centelha inicial, após essa mistura o forno é aquecido e a partir daí é que o ferreiro consegue moldar suas armas. Ele não conseguiria se um dos dois elementos não estivesse presente, ou a madeira para queima ou a centelha inicial, mesmo que na arte da forja ele fosse um expert. Agora, pense no seu caso também dessa forma. Sua energia física está presente, mas lhe falta a mental, que está completamente obstruída, resolvendo esse detalhe, você conseguirá moldar seu Ninjutsu. -- O garoto abria um enorme sorriso, parecia que um grande fardo lhe fora aliviado, então ele respondeu: -- Isso quer dizer que não sou inapto em Ninjutsu! Eu posso conseguir fazer ninjutsu, só preciso dessa tal de energia mental? -- O gennin sorria de volta -- eh.. acho que entendeu, embora sobre sua aptidão para Ninjutsu... ah, mas vamos ver na prática. -- Então os dois se colocaram frente a frente e o mais novo passou a repetir os gestos e indicações do mais velho. Começaram apenas meditando, tentando se ligar às forças da natureza ao redor e limpar a mente de qualquer distração. Fora mais difícil do que pensara, mas em certo momento o aluno começara a apresentar resultados. O passo seguinte, ainda em meditação, foi tomar conhecimento do fluxo de energia interior, de lá para a execução do Ninjutsu demorou mais tempo. A criança conhecia os selos e a teoria, mas faltava ligá-las à prática, porém agora o "forno" já estava acesso. Era só questão de tempo...

-- Muito bem. Sua transformação foi excelente. Conseguiu evoluir sua técnica! -- O sensei da academia dava alguns tapas nas costas do aluno. O professor constatou que era o último da lista. Só tinha um nome da turma que não teria nota. Pegou a pena e já ia riscá-lo, quando exitou por alguns segundos se perguntando onde estaria esse menino. Ao final de alguns segundos suspirou desanimado e fez um traço em seu nome quando de repente dois de seus pupilos atravessaram o pátio correndo e gritando: -- ele voltou! ele vai fazer o teste sensei! ele está de volta!

E foi assim que Kuro conheceu o jovem Miyamoto. Algum tempo depois ele se formaria na academia com louvor. O pequeno gostava de contar a todos como os ensinamentos de um Gennin o ajudaram a se desenvolver e se tornar um shinobi, mas talvez o Gennin tivesse aprendido muito mais com aquele garotinho. Agora não era mais só o Jounin quem visitava aquele casebre na periferia...