O calor da brisa quente de Iwagakure aquecia a pele alva da prateada, mas seria a última vez que sentiria aquela sensação vinda da Terra dos Rochedos, pelo menos por um bom tempo. Desde que havia sido despejada de sua moradia, viver no vilarejo da Pedra havia se tornado um desafio árduo. Rauros, sua leoa, estava ao seu lado quando decidiu partir de seu lar de outrora. A mascote estava desconfiada sobre o futuro de ambas, mas tampouco sentia algum vínculo ao local.

— Não importa para onde você deseja ir, mas o que deseja fazer — a leoa disse severa, encarando Allannia com seus olhos ambarados — O que pretende fazer?

— A grama do vizinho é mais verde que um paredão de basalto — retrucou, determinada — Não temos sequer um nome para liderar o nosso povo, nem ao menos um lar, o que mais poderemos fazer aqui?

— Você pode tentar crescer e liderar. Por que não tenta? Os Grey nasceram com o dom da nobreza, soberanos de um mundo distante. Conhecemos Silvermoon com os nossos próprios olhos, você sabe da vocação.

— Silvermoon não é Iwagakure. E eu não me chame por esse nome, eu já disse. Eu não mereço — as palavras sobre o fato de ser uma fratricida emanava por sua mente, correndo sua alma de tal forma que sequer conseguia conjecturar as palavras apropriadamente.

— E para onde iremos?

— Para algum lugar. Talvez, em qualquer parte que seja desse mundo imenso, eu possa encontrar meu pai. E possa conseguir explicações. O mundo é grande demais para eu viver presa num lugar só. Eu quero ser livre. Livre do meu passado, livre do meu presente e livre deste futuro que está escrito no destino — a convicção da garota aumentava enquanto falava, sonhando cada vez mais alto — Eu quero decidir. Eu quero decidir o que sou e o que serei a partir de agora. Eu não quero um passado, um presente nem um futuro, eu quero liberdade!

A leoa riu. Tão alto que Allannia achou que o mundo fosse romper ao meio de tão estridente que fora. A expressão divertida substituiu a carranca de Rauros, e ela disse num tom sarcástico que fazia gelar sua espinha:

— Humanos são divertidos. Liberdade? Huh. Buscando outra vila oculta? Você jamais será livre tendo uma filiação. É um passarinho trocando de gaiola. Ou uma fênix, como o brasão de vocês simboliza — Rauros recordou do símbolo de seu Clã.  A dualidade da fênix — Então, diga-me, qual a gaiola desta vez?

— Espere e verá — disse, simplista, e partiu.

Normalmente deveria haver uma investida para impedir a sua saída, mas não estava fugindo. Vestida como uma simples civil, aproveitaria uma comitiva de circenses que havia visitado o vilarejo para receber o seu passaporte para fora. Conversou com o astro principal sobre, e o mesmo concordou em auxiliar em sua partida, desde que a mesma participasse de algumas apresentações no meio do caminho. Indivíduos com orelhas pontiagudas como Allannia eram raríssimos, pois os Grey residem de uma terra distante. O mesmo jamais tinha visto algo do tipo antes, aplaudindo a sua performance, mesmo que não fosse um truque.

— Se isso for algum truque, parabéns, você é esplêndida — ele havia dito, de uma forma que suspeitou ter sido sarcasmo inicialmente, mas era pura admiração.

O rumo do circo era um vilarejo longínquo, praticamente do outro lado do mundo, mas não soube direito sobre tal trajeto. Dentro da carruagem durante toda a viagem, seu tempo divergia entre conversar com palhaços, acrobatas e outros funcionários, fingindo algum interesse, cujo qual não existia. Embora houvesse o oposto para estes, nitidamente. Allannia e a sua leoa seriam de grande utilidade para o orçamento dos artistas, pois eram inéditos ao mundo. Uma leoa que falava e uma jovem orelhuda e esbelta, a dupla perfeita para qualquer espetáculo circense. Pensou no pai enquanto repousava, derramando algumas lágrimas ao imaginar o momento em que poderia ter o seu reencontro consumado.

Antes de chegar ao seu destino, fez diversas apresentações breves em tabernas, geralmente no período noturno. Inicialmente, apresentou-se com o traje que havia utilizado desde que saiu de Iwagakure, mas as súplicas do público por vestes mais ousadas estava se tornando ensurdecedor. O aspecto físico de Allannia, por mais que não se considerasse excessivamente esbelta e estonteante, ainda conseguia atrair olhos e despertar desejo em uma multidão de bêbados sedentos. Recusou todas as propostas do cabaretier de ficar seminua ou parcialmente despida para agradar os gostos lascivos masculinos, rejeitando diversas sugestões desagradáveis das quais foram propostas. Apenas entraram em consenso quando, devido a interferência de uma modista local, o traje perfeito para a ocasião fora moldado.

— O que achou? — ela demonstrou a primeira versão, um vestido elegante que permitia observar com detalhes o seu corpo, possuindo em sua extensão, dando ênfase ao abdômen e seios, diversos decotes.

— Expositivo demais. Curto demais — Allannia balançou a cabeça, negativamente.

— Sim, mas você quer ser a estrela de um espetáculo ou uma sacerdotisa? — ela retrucou, antipática — O máximo que posso fazer por você é cobrir parcialmente a barriga e amenizar levemente no decote.

— Pode deixar ele um pouco mais longo também, por favor?

— Mais que isso e você vai estar vestindo dois vestidos, não um. Parece pequeno pra você por não estar acostumada com decotes — ela sorriu — Pequena, no mundo da arte, as roupas são apenas uma desculpa para não mudar a classificação etária. O que realmente importa é o que está pra ver por baixo delas — e então ela riu.

— Deve ser por isso que sou uma kunoichi, não uma dançarina — murmurou, num tom praticamente inaudível.

— O que você disse?

— Nada, nada! Será do jeito que você diz.

— Ótimo, então vamos experimentar este modelo que estou preparando.

(...)

Rauros, sua leoa, passava mais tempo com o domador de animais do que consigo. Havia convencido a mascote que não era apropriado arrancar a cabeça do homem, com muita dificuldade, e repentinamente uma afinidade verdadeira havia sido desenvolvida por este. Era a primeira vez que via a felina amistosa com um humano que não fizesse parte de sua família, embora possuísse certo ciúmes da relação da fera com o seu novo amigo. Não era apenas Rauros quem havia feito amizades, contudo. A comitiva circense era animada e divertida, e Allannia cada dia que se passava desenvolvia uma forte identificação com aquele mundo novo. Um dos trapezistas levou a relação para outro nível, e tentou roubar-lhe um beijo, declarando seu amor em seguida. Infelizmente, não era recíproco. Recebeu apenas um empurrão como resposta.

— Orelhuda patética, mulheres são todas iguais, sem coração — e nunca mais o homem havia sido visto depois do ato, abandonando as atividades no circo em seguida.

Allannia esqueceu rapidamente o acontecimento, pois estava empenhada em suas novas atividades. Demonstrou uma aptidão anormal para dança. Sempre preferiu locais silenciosos e calmos, mas os barulhos excessivos de um circo não a incomodavam tanto quando incomodariam em outras épocas. Havia evoluído como pessoa, embora ainda possuísse muita dificuldade em lidar com circunstâncias que envolvessem o público. Tímida e insegura, adotava um capuz quando dançava e apenas revelava a face no fim das apresentações, embora totalmente corada. Mas a sua vida como circense estava com os dias contados, cada quilômetro transpassado recordava a si mesma que o destino final estava próximo.

Apresentou-se na última taberna no território do País da Terra antes de alçarem o litoral. Pegariam a primeira embarcação, ao amanhecer, rumo ao País da Água, sua última parada. Iria conhecer Kirigakure no Sato, vila na qual faria ser sua mais nova residência. O clima era melancólico na comitiva, como se estivessem antecipando a despedida de sua mais nova colega de trabalho. Allannia fez inúmeras amizades e aprendeu lições valiosas durante o seu período como circense, mas a vocação desta era como uma kunoichi. Não conseguiu observar com detalhes os rumos que a levavam de Iwagakure para Kirigakure, ficando durante toda a viagem em sua cabine, reflexiva. O tempo passou rápido enquanto velejavam, alcançando o seu destino após o que não saberia dizer se foram horas, dias, semanas ou meses. A única coisa que sabia era que estava numa localidade completamente rodeada por água, um das coisas que mais detestava após quase ter morrido afogada.

Despediu-se dos colegas circenses, testemunhando o ato honorário destes de incendiar o seu vestido de trabalho, pois a mesma havia adotado o anterior para fins de cotidiano e conforto. Como típico de uma fênix, prometeu um dia refazer o traje, e assim poderiam se reunir e apresentar novos espetáculos, um dia, desta vez por todo País da Água. Mas não possuía tempo para isso no momento, Allannia alcançou os limites do vilarejo da Névoa, requisitando uma audiência com alguns dos representantes do vilarejo.

— O que está fazendo aqui, forasteira? — um guarda disse, impaciente.

— Quero fazer parte deste vilarejo. Eu posso fazer a diferença, se me derem oportunidade — respondeu, com convicção.

— Não precisamos de mais gente. Pode dar meia volta, você e a sua besta.

— Por favor! Eu não tenho onde morar, muito menos dinheiro, apenas quero oportunidade de tentar fazer diferente. Eu vim de muito longe, e não tenho a intenção de fazer mal, apenas desejo um espaço para que eu possa clamar e falar que é meu.

Após um longo diálogo e diversos interrogatórios, aos poucos as autoridades cediam ao discurso da chūnin. Precisou aguardar por certo tempo até que os trâmites legais ocorressem para regularizar a sua permanência no vilarejo, e enquanto isso ia se adequando aos costumes locais. Era uma vila fria, sentia um clima ameno mesmo perante a primavera, algo que diferenciava bastante o local de Iwagakure no Sato, seu lar de outrora. Rauros parecia gostar mais do clima da nova vila do que a anterior, mas a Allannia ainda precisaria se acostumar com a mudança de terreno. E de um banho, portanto, decidiu desfrutar das fontes termais do vilarejo, sede do País da Água pela primeira vez, e como, oficialmente, uma cidadã da Névoa.













Rauros, a Leoa:
HP: 1000/1000
CH: 1000/1000
ST: 00/05