A nevasca dominava as ruas de Kumogakure no Sato. Fazia tantos dias que o tempo estava assim que em determinados pontos do vilarejo, a neve chegava à altura dos joelhos. O intenso frio, no auge de seus -2°C, impedia que qualquer atividade do dia-a-dia fosse feita corretamente. Aqueles que precisavam obrigatoriamente deixar o pouco conforto de suas casas, certamente eram os que mais sofriam. Somado a esse problema, adicionava-se a falta de recursos básicos e, principalmente, a fome. Sob essas circunstâncias, era difícil de imagina que a aldeia não tivesse que lidar com óbitos.

Kinji agasalhou-se bem, vestindo-se com todas as roupas mais quentes que tinha em seu guarda-roupa, e ousou desafiar a nevasca em busca de um bom e velho copo de saquê para aquecer o corpo. A taverna que costumava frequentar era localizada no centro da vila, próxima a uma série de restaurantes que fecharam as portas pela falta de mercadorias e clientes, o que tornava a caminhada longa e, no mínimo, torturante.

O estabelecimento estava com as portas e janelas fechadas quando o Uchiha chegou. Muito provavelmente por conta das baixas temperaturas; afinal, em todos esses anos não houve um dia que o bar não funcionou. Despreocupado, ele se aproximou e utilizou um pouco mais de força para conseguir abrir a porta que estava emperrada devido ao acumulo de neve.

O interior da taverna estava vazio, mais do que acostumava ser em tempos normais. Além do dono - e também atendente - haviam mais dois homens. O primeiro, sentado ao balcão, tinha vestes de qualidade e conversava com o barista sobre a atual situação do País do Relâmpago. O segundo, estava deitado sobre uma mesa em um dos cantos, vestia-se com trapos e encontrava-se completamente bêbado. O jōnin seguiu em frente e sentou-se ao balcão, ficando ao lado do sujeito bem vestido.

— Kinji..., o de sempre, presumo? — Questionou ao atende-lo.

— Se tiver algo que esquente mais, agradeceria.

O homem saiu do balcão momentaneamente e, ao retornar, trouxe uma grande garrafa avermelhada com rolha de madeira. Ele se livrou da tampa em questão de segundos, mostrando toda sua habilidade e conhecimento, e serviu o Uchiha. — Esse é especial..., não costumo servi-lo a qualquer um.

— Fico honrado. — Agradecer, pegando o copo e simulando um brinde com o barista.

Kinji permaneceu em silêncio, atento a conversa entre os dois sujeitos, e saboreando lentamente o saquê, que, por sinal, estava esplêndido. Assim que finalizou a degustação, entregou uma nota de ryous ao dono da taverna e acenou para o outro homem, despedindo-se. Ajeitou as vestes e cobriu o rosto com a touca para enfrentar a nevasca novamente. Dessa vez, decidiu seguir por um caminho diferente, o qual encurtaria consideravelmente o tempo para chegar em casa. O Uchiha costumava fazer este trajeto, pois passava por algumas vielas abandonadas onde o índice de criminalidade era altíssimo. Não que ele tivesse receio de ser atacado ou assaltado, só preferia evitar ter que dar explicações do porquê se envolveu em brigas.

No meio do caminho, o shinobi começou a ouvir diversos gritos e palmas. Todos esses gritos pertenciam a homens e não aparentavam com pedidos de socorro ou coisa do tipo – eles estavam comemorando. Aquilo atiçou a curiosidade do jovem; afinal, quem estaria festejando em meio aquele péssimo clima? Passando por alguns cruzamentos, Kinji enfim deparou-se com um grupo de homens – devia ter uns 30 deles – formando uma roda. Alguns sem camisas, outros feridos, mas todos pareciam animados: pulavam e gritavam sem parar.

Ele se aproximou na busca por entender o que estava acontecendo. Então, no centro da roda, viu que dois homens lutavam. Um deles, alto e musculoso, acertou um belo gancho de direita no outro, mais baixo e magrelo, que caiu no chão e permaneceu imóvel por cerca de oito segundos – o suficiente para declarar a vitória do que continuava em pé. Esse, por sua vez, caminhou até o adversário e o ajudou a levantar. Eles se abraçaram e riram juntos, voltando para roda comemorando. “Mas que porra?”, questionou-se o Uchiha, alheio a situação.

— Muito bem..., que bela luta, amigos. — Outro sujeito, também musculoso e de cabelos quase que completamente loiros, vestido com uma regata branca por baixo de uma jaqueta vermelha, calças jeans e com óculos de aviador tapando os olhos, começou a falar. — Quem são os próximos? — Um homem de cabelos grisalhos que não deveria ter menos que 50 anos, deu um passo a frente. — E o adversário? — Ele girou o corpo 360° e parou apontando na direção do kumo-nin. — VOCÊ, NOVATO! — Gritou. — Não tente se esconder, novatos são obrigados a lutar. — Dois rapazes que estavam na roda colocaram as mãos nas costas de Kinji e o empurraram em direção ao centro. — Muito bem, podem dar seus shows.

— Mas... — Um forte soco no rosto, que fez com que ele virasse a cara, interrompeu a fala. — Eu não... — Novamente foi interrompido, recebendo um soco no estômago combinado com uma rasteira que o fez cair.  O mais velho aproveitou para desferir mais uma sequência de chutes na barriga do Uchiha. Quando o estranho finalmente parou, ele rolou para o lado, ganhando uma boa distância e se levantou. O homem correu em sua direção, pronto para dar outro soco, porém, dessa vez, o jōnin desviou e o empurrou contra a multidão. — Filho de uma puta.

Estaria para chegar o dia que Kinji recusaria uma luta, mas não era hoje. O jovem retirou o casaco e a camisa sem se importar com o frio. Sua expressão e olhar mudaram. Eram tão intimidadores que o mais velho pensou em recuar, mas não podia. Sendo assim, tentou novamente partir para cima do shinobi e desferir uma série de golpes: de direita; de esquerda; no rosto; no estômago; chutes; etc. Nenhum foi capaz de acertá-lo.

O Uchiha ria a medida de desviava, mas, em determinado momento, deixou com que um cruzado de direita o acertasse, na boca, cortando os lábios. Queria sentir novamente a adrenalina que era levar um forte soco na cara.  Entretanto, não economizaria esforços nos contra-ataque. Rápido e fatal. Dois cruzados no rosto e um gancho no estômago. O mais velho caiu, impossibilitado de continuar. Só então, o jōnin conseguiu ouvir os gritos eufóricos da roda.

— WOW! — O mesmo que anunciou a luta voltou a falar, caminhando para o centro. — Levem-no para o hospital..., e que sequência de golpes. — Dizia, animado. — Rapaziada, por hoje é só..., até o próximo encontro. Quanto a você, novato..., bem-vindo ao Clube da Luta. Só mais um detalhe..., você não sabe a existência desse clube e não fala sobre ele... Enfim, depois de lutar, tudo na sua vida tem menor importância. Espero que tenha curtido.

O homem virou as costas e foi embora. Na sequência, Kinji pegou suas vestes do chão, jogou-as sobre o ombro e seguiu ao hospital para cuidar dos ferimentos no rosto, justificando que escorregou na neve e bateu com o rosto em uma lixeira.

Ele voltaria ao Clube da Luta outras vezes.

Considerações: