A demora me fazia acordar cada dia mais cedo. Faziam dias desde que eu havia sido chamado para uma missão, se é que poderia denominar aquilo de missão. Encontrar uma muda? Tá, talvez tenha sido mais difícil do que eu imaginei, mas que tal um pouco de ação? Bater em um ou dois bandidos que roubam velinhas faria minha semana muito mais feliz, pode ter certeza. E, por mais que meu pensamento fosse esse, era quase certeza de que eu receberia mais uma missão de rank D, talvez para salvar algum gatinho preso nos fios do poste mais alto do vilarejo. Mas, desde que me chamassem pra alguma missão, eu já estaria agradecendo aos céus. Ficar em casa, na monotonia só me fazia pensar no coroa, e em qual missão de alto risco ele estaria metido. — Já fazem algumas semanas. — recitei aos quatro ventos, observando o sol nascer pela janela principal do pequeno apartamento. Os raios solares, ainda tímidos, se encontravam com minha epiderme, me fazendo lembrar do passado e de quão medroso eu havia sido naquele fatídico dia. Do dia em que minha vida e de Seiji, o Salgueiro, mudou para sempre nossas vidas.

Duas batidas secas na porta de madeira refinada foram suficientes para cessar com minha nostalgia diária. — Já vai. — disse, pensando em quem poderia ser. “Se for aquele moleque chato de novo… juro que vou matá-lo.” Pensei de forma sucinta, girando a maçaneta rapidamente.  Antes que pudesse me apresentar, o homem à minha frente tomou liberdade de me chamar pelo nome. — Kōga? Você está sendo convocado para uma missão. Detalhes do que deve ser feito estão escritos aqui. Boa sorte. — e, como um passe de mágicas, o sujeito havia sumido, deixando somente o pergaminho sobre o assoalho de madeira enegrecida. — Finalmente. — sussurrei, quase que inaudível, recolhendo as informações com pressa para analisar a missão e ver de qual nível se tratava.

— Rank C? Eles só podem estar de brincadeira… — minha vontade era quebrar tudo que aparecesse pela frente, mas graças à baixa recompensa da missão anterior, se fizesse isso, o Salgueiro me mataria quando chegasse em casa. — Isso aqui é uma missão rank D, pode ter certeza disso. Talvez fosse bom ajudar e resgatar supostos aliados ainda vivos no campo de batalha, mas até que ponto isso seria uma missão rank C? Ter o trabalho de só escoltar os médicos não iria saciar minha sede por ação, não mesmo. — inconformado com o real objetivo da missão, recolhi a bolsa de armas básicas, fitando o interior de forma rápida, afim de constatar se tudo que eu precisava estava ali. Peguei também a pequena espada Hakkō Chakura Tō. Depois de alguns minutos de calmaria e longos suspiros, me pus de pé, rumando de forma lenta em direção à porta. — Desde que paguem o valor de uma rank C, ok. Pelo menos vou poder comprar cigarros melhores. — sorri, colocando o cigarro de palha entre os dentes e, por consequência, acendendo-o. Só me restava ir de encontro ao centro médico e assim o fiz.

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Não levei sequer trinta minutos do meu apartamento até o centro do vilarejo, mais especificamente ao Centro Médico. A faixada colossal, como a escritura em Kanji se destoava de qualquer outra construção nos arredores dali. Fui rapidamente recepcionado por uma mulher de não mais que um metro e sessenta e cinco, loira, de olhos verdes claro. Apesar de fazer meu número, fui sucinto o suficiente em minhas palavras. — Preciso me encontrar com o grupo destinado a viajar até os arredores do vilarejo, afim de procurar sobreviventes em uma das bases aliadas. — a moça sorriu, talvez tivesse gostado do meu estilo ninja de ser, do meu cabelo cinza ou até mesmo da minha voz grossa mas, novamente, não era o momento ideal para arranjar um encontro, muito pelo contrário. Só queria terminar logo a missão. — Eles estão te esperando na área externa do hospital. Por aqui. — a atendente apontou na direção certa a ser seguida e assim o fiz, a passos rápidos.

— Kōga... — uma voz ecoou de longe, enquanto conseguia ver um grupo de não mais que cinco médicos me esperando. — Estávamos à sua espera. Podemos ir? — o que parecia ser o líder do grupo me indagou e, com um movimento simples, confirme que poderíamos ir, balançando a cabeça de cima para baixo cerca de duas vezes. Eles estavam equipados com algumas bolsas, inclusive, me pediram para carregar uma e assim o fiz, colocando mais o que parecia uma mochila do que qualquer outra coisa sobre minhas costas. — O senhor sabe pra onde devemos ir, correto? Apesar de novo, fui escalado para escolta-los então, por favor, sigam as minhas instruções caso os assassinos ainda estejam por perto. — busquei passar confiança suficiente para todos ali presentes. Dito isso, deixei com que os médicos tomassem a dianteira por talvez conhecerem melhor o terreno para onde iríamos.

Passamos pelo centro do vilarejo com certa brevidade, passando também pelo principal portão, ultrapassando a colossal fenda dos penhascos que cercam a Areia. Continuamos em um ritmo bom, entre algumas pausas para nos hidratarmos e até mesmo comermos algo. Os médicos haviam se precavido bastante antes de sair do vilarejo, trazendo inúmeros mantimentos em uma das bolsas. Peguei um cantil que um deles me ofereceu, bebendo em goles calmos um pouco de água. suficiente para repor um pouco de energia, além de fazer com que minha boca não ficasse mais ressecada durante a travessia.

Por sorte a base dos aliados não ficava muito longe da Areia, portanto, levamos pouco mais de quatro horas de caminhada. Quando pudemos finalmente fitar o pequeno vilarejo de longe, tomei a dianteira, levando a destra ao alto, com a palma da mão esticada, forçando todo o grupo a parar. — É esse o vilarejo, certo? — perguntei, sendo prontamente respondido pelo líder dos médicos. — Sim. Dizem que foram atacados na calada da noite, sequer conseguiram se defender. Precisamos buscar o máximo de pessoas vivas e ajuda-los. — por mais que eu já soubesse as instruções, ele fez questão de enfatizar.  — Pode ser que alguns dos invasores ainda estejam por perto. Fiquem juntos, vamos tentar encontrar nossos aliados. — ordenei, atento aos arredores, na tentativa de evitar qualquer tipo de ataque surpresa.

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Eles me escutaram e cuidadosamente, entramos dentro do vilarejo pelo principal acesso dele. O caos realmente estava instaurado. Podíamos ver a cada viela pelo menos um corpo já sem vida, algumas mulheres, pelo menos as que tiveram sorte de sobreviver, chorando a morte de seus entes queridos. Algumas crianças transitavam pelo meio, buscando seus familiares, contando com a sorte de que um deles tivesse sobrevivido, pelo menos. Eu só via órfãos provindos do Caos e nada mais do que isso. Toda aquela cena... bem, eu já estava meio que acostumado, afinal, meu pai havia feito o mesmo anos antes com minha mãe e irmãos. Não me embrulhava o estomago, apesar de ver cada um dos médicos sentir aquela imagem em seu mais profundo âmago.

Por sorte, um homem são, por volta dos seu quarenta e tenta anos nos abordou, perguntando se estávamos vindo da Areia. O médico respondeu que sim e que estavam ali para curar os feridos, velar os mortos e trazer um pouco de paz, por mais que fosse praticamente impossível, à população dali. O sorriso desesperado do velho estava estampado em sua face. Pude notar ali a queda do que parecia ser um homem bom. — Enquanto vocês curam os feridos, vou estar procurando sobreviventes. Mas, por favor, tomem cuidado... qualquer cuidado é pouco. — alertei os médicos, tomando a direita como caminho a ser seguido. Era uma viela cheia de corpos largados a cada canto. O carmesim da vitalidade deles pintava cada muro de cada casa presente ali, além de trazer o mal cheiro ao local.  Um dos homens ali ainda estava com vida, mas tossia uma quantidade significativa de sangue. Não conseguia dizer se ele estava ou não à beira da morte, mas, por sorte, eu estava ali para ampara-lo. Com dificuldade, fiz com que o sujeito conseguisse se segurar pelo meu ombro e, aos poucos, fui arrastando-o até o grupo que, aparentemente, estava instalando uma pequena tenda para ajudar os feridos.

Um dos médicos pediu que eu pusesse o ferido sobre uma maca improvisada e assim o fiz. Repeti o mesmo processo algumas vezes durante horas, indo e voltando, em busca de sobreviventes. Por sorte, consegui ajudar cerca de seis ou sete, entre homens, mulheres, velhos e crianças. A situação continuava calamitante, apesar das dezenas de vidas salvas pelos médicos. Não havia mais aonde procurar, se não aqueles que já estavam salvos, mesmo que gravemente machucados. Me aproximei da tenda, afim de conversar com o médico chefe. — Vamos passar a noite aqui. O que acha disso? Não sei se vocês estão em condição de viajar até nosso vilarejo... — perguntei, esperando que a resposta fosse à contrária do que eu havia dito. — Podemos ir daqui a pouco sim, jovem Kōga. Não precisamos esperar o amanhecer não. Tudo que podíamos fazer, foi feito. Agora resta aos sobreviventes cuidarem de seus enfermos. — sorri, apesar da situação. — Quando estiverem prontos, me chamem. Estarei cuidando do perímetro. — disse, encostando o tecido um no outro, fechando a tenda.

Eles demoraram mais algumas horas, poucas horas para ser sincero. O chefe deu algumas instruções ao homem que havia nos recepcionado e, de lá, partimos de volta à Areia, sem olhar para trás. O que tinha de ser feito, foi feito. Agora, só o tempo poderia dizer sobre os sobreviventes daquele ato horrendo feito por nossos inimigos. O mesmo tempo que demoramos para cruzar uma vila a outra, perdemos na volta, entre algumas pausas para descansar e comer e beber algo.

— Chegamos. — vociferei, analisando a mesma faixada que outrora eu vi, sinalizando ser o Centro Médico da Areia. Me despedi daqueles homens que, com tão pouco, salvaram tanta gente. Seria sempre grato a eles, evidentemente. Por fim, retirei um cigarro de minha bolsa ninja, acendendo-o em seguida. Alguns tragos foram suficientes para me colocar no caminho de volta ao apartamento. Não queria nada além de um bom dia, talvez dois, de sono.

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