Os dias na Aldeia da Folha continuavam gelados. Os habitantes até já estavam se acostumando com essas temperaturas que, agora, pouco incomodavam. Porém, naquela tarde o clima estava um pouco diferente: chovia. Não chegava a ser uma tempestade, no entanto, era impossível andar pelas ruas sem se molhar. Até o ar estava diferente.  Pode-se resumir tudo à uma sensação de melancolia.

— Maldito seja esse tempo! — Reclamou Sra. Inoue, enquanto levava para mesa uma torta recém tirada do forno. — Justo hoje que preciso resolver umas coisinhas no centro da vila, está chovendo. — Continuava a resmungar.

— Eu já te disse para ir outro dia, gata. — Sr. Inoue respondeu.

— Não quer que eu vá para você, mãe? Não tenho nada para fazer hoje. — Disse Mio, oferecendo ajuda.

— Não, preciso ir hoje e tem que ser eu. Enfim, vamos comer antes que esfrie. — Complementou, servindo os três logo na sequência.

A Yamanaka e o Sr. Inoue se entreolharam e esboçaram uma leve risada pelo canto da boca. Aquela situação era corriqueira quando a família se reunia. Após terminarem a refeição, a Sra. Inoue se levantou e começou a se preparar para seu compromisso. Enquanto isso, Mio e seu pai ficaram responsáveis pela limpeza da cozinha.

Algum tempo depois, a jovem foi para o quarto para ler algum livro.

— Mio, posso entrar? — Sr. Inoue bateu na porta.

— Claro. — Respondeu, sentando na beira da cama com os pés no chão.

— Podemos conversar uns minutos?

— Aham, o que o senhor quer? — Gentilmente deu dois toque no colchão com uma das mãos, convida o velho à sentar.

— Vou aproveitar que sua mãe não está para te contar uma coisa. Promete que será nosso segredo?

— Sim, prometo. — Estava visivelmente curiosa, embora com receio.

— Bem, eu e sua mãe já estamos ficando velhos. Então está se aproximando o dia que não estaremos mais com você. Principalmente eu que tenho seis anos a mais que ela. Por isso, você deve cuidar da sua mãe.

— Deixa de falar besteira, pai. — Reclamou.

— Não é besteira, são apenas fatos. — O velho se levantou. — Tem uma coisa que eu e sua mãe nunca te contamos, mas chegou a hora de você saber. — Ficou em silêncio por cerca de um minuto antes de continuar. — Então… Eu não sou um simples fazendeiro como aparento ser. Assim como você é agora, eu fui um ninja por muito tempo. Já passei por muitas coisas nessa vida e cheguei a ver a morte algumas vezes. — Sr. Inoue retirou a blusa, revelando o peitoral e as costas repletas de cicatrizes horrorosas. Sua fala tinha um convincente tom de verdade, Mio sequer conseguia questionar, apenas escutava. — Mas, isso não foi o principal motivo por eu ter deixado de seguir este caminho. Quando eramos bem mais jovens, nos tivemos um filho. Foi a maior alegria das nossas vidas, sem dúvidas. Até que um dia, um grupo de nukenins, que eu fui responsável por expulsar da vila, decidiu invadir nossa casa e sequestrar a criança para utilizá-la como moeda de troca por um pergaminho que continha um jutsu proibido. Consegui perseguí-los e entrei em uma longa batalha contra o grupo. Infelizmente, por um descuido meu, um dos nukenins, vendo que não haveria escapatória para aquela situação, assassinou a criança. Naquele momento, meu mundo se partiu e meus motivos para viver sumiram. Se não fosse por sua mãe, provavelmente eu teria… Enfim, depois desse episódio eu decidi que nunca mais utilizaria um ninjutsu, tampouco entraria em uma batalha. Peguei todas as minhas economias, comprei esta casa e começamos uma nova vida.

A Yamanaka não pode controlar as lágrimas que acompanharam o choro e a dor de seu pai.

— E-eu não fazia ideia disso… Mas, por que está me contando isso agora?

— Quando aconteceu aquele incidente com as cobras dias atrás, acho que você percebeu o quão vasto é o mundo shinobi. Não importa o quão forte você acha que é, sempre terá alguém que estará um, dois, mil passos à sua frente. Se você não superar cada um deles, você tem a certeza de que sempre haverá pessoas para colocar sua vida e a da sua mãe em perigo. Eu tenho medo de, quando eu morrer, não haver mais ninguém para proteger Ai. Ela é o motivo de tudo. E, agora, também temos você.

— Eu já não havia prometido que jamais envolveria vocês dois novamente nisso?

— Você acha que é forte o suficiente para isso?

— Ainda não, mas serei.

— O nome que você carrega te obriga a ser.

— O que você quer dizer com isso?

— Não é algo que eu possa te contar, ou melhor, é algo que você terá que descobrir sozinha. De qualquer forma, sem minha presença, vocês duas estão vulneráveis. Por isso, tenho uma proposta para te fazer. — Sr. Inoue parou de andar de um lado para o outro, parou à um metro de Mio e a encarou. — Eu quero te dar um presente, na verdade, acho que pode se dizer que é uma herança. Eu carrego comigo uma técnica que é capaz de te dar o poder necessário para você seguir em frente. É uma técnica perigosa, sem dúvidas, mas eu creio que será capaz de dominá-la. A escolha é sua, Mio: aceita ou não?

— A-Aceito. — Respondeu.

— Não senti confiança na sua fala, Mio. Aceita ou não? — Tornou a repetir.

— Aceito!

— Pois bem, eu vou te explicar o que é e te falar as condições. — O velho se sentou ao lado da jovem. — Você já ouviu falar em Juinjutsu? — A Yamanka balançou a cabeça negativamente. — É uma arte ninja maligna  cuja habilidade provém de uma uma maldição. Em troca da sua vitalidade, ela aumentará suas habilidades. Você se tornará mais forte, mais rápida e terá deixará com muito mais chakra. Por isso ela é tão perigosa e caso você não a utilize com sabedoria, no melhor dos casos, você morre. — Ele se levantou, novamente. — Ainda assim você quer ter esse poder? Se a sua resposta for afirmativa, aqui vai minha condição. Independente do que aconteça com você daqui para frente, não deixe que as sombras tomem conta do seu coração. Quero que você utilize esta técnica para fazer o bem.

— Tudo bem, eu aceitarei. — Mio respondeu, confiante.

Então, Sr. Inoue fez uma rápida sequência de selos e se transformou em uma enorme e sombria criatura. Parecia um lobo, mas não era exatamente um. A criatura possuía quatro patas e seu corpo era preto. Não eram exatamente pelos, pareciam mais com nuvens negras. Seu rosto era indescritível, sendo possível identificar apenas os olhos vermelhos e as enormes presas que saltavam do local onde deveria ser a boca. A temperatura dentro do quarto ficou ainda mais gelada.

— Yamanaka Mio, me responda. Você teme a morte? — Disse, com uma voz diferente da de seu pai.

— E-Eu não queria morrer tão cedo. Tem muitas coisas neste muito que quero ter o prazer de conhecer.

— Então você tem medo da morte.

— Não! — Afirmou.

— De qualquer forma, você aceitou o pacto. Não há mais como voltar atrás. — Então, a criatura avançou contra ela, cravando as enormes presas em seu pescoço. Mio sentiu dor. Uma intensa dor na região pouco abaixo do pescoço. Aos poucos, foi perdendo a consciência. — Se você teme a morte, ela virá te buscar. — Quando finalmente apagou, caindo com as costas sobre a cama, conseguiu ouvir uma última fala. — Espero que você consiga resistir. Por favor, Mio, não me torne responsável pela morte de mais um filho. — Era a voz de seu pai.

— MIO! MIO! ACORDA, POR FAVOR! RÁPIDO! VAMOS! — Inoue Ai, sua mãe, gritava ao lado da cama da genin enquanto tocava em seu ombro tentando a acordar.

— Hã? O que foi, mãe? Quanto tempo eu dormi? — Esfregou os olhos com as mãos.

— Seu pai, ele não acorda. Estou chamando, chamando, chacoalhando e ele não responde. Por favor, me ajuda. — Era perceptível o desespero da senhora.

A Yamanaka levantou às pressas e correu para o quarto de seus pais. Aproximou-se da cama, enquanto Ai permaneceu observando da porta. Mio apoiou o joelho sobre a cama, colocou a mão sobre os ombros do Sr. Inoue e começou a sacudí-lo.

— Pai, acorda. — Nada. — Pai? — Sacudiu freneticamente. — Para de piada, já é tarde. Vamos. — Nenhuma reação. Então, a jovem colocou a mão em seu rosto. Estava frio. Ela começou a tremer. Abaixou-se sobre o peitoral do velho, colocando seu ouvido na altura do coração, mas não conseguiu ouviu nem sentir nada. Levou a mão ao pulso, sem nenhuma resposta. Mio não conseguia fazer mais nada, com sua cabeça ainda sobre o peitoral do velho, caiu em lágrimas. Chorou, como nunca havia chorado antes. Sua mãe se aproximou, abraçou a filha e, também, foi incapaz de conter as lágrimas.  

Inoue Nagara, mais conhecido como Sr. Inoue, faleceu naquela manhã.

Várias horas depois, os preparativos para o enterro começaram. Mio, foi ao seu quarto para se trocar. Seu olhar era triste e vazio. Vestiu-se com um longo vestido preto e prendeu o cabelo com um laço de mesma cor. Olhou para o espero, mas algo estava diferente. Logo abaixo do seu pescoço havia uma marca com o formato de três lonas curvadas. Colocou a mão sobre ela e fechou os olhos. Quando finalmente voltou a abrí-los, seu rosto se encheu de alegria e confiança.

— Obrigada, pai! — Agradeceu, pegando a bolsa sobre a cama e levando um chiclete à boca.

Aquela marca era a prova que seu pai continuaria ao seu lado.