Luma não se dava bem com calor.
Onde ela nasceu quase sempre fazia frio, mesmo no verão. Konoha, no entanto, parecia existir em um meio-termo entre os dois climas, e a incidência solar não perdoava seus moradores. Hoje estava sendo uma manhã particularmente ensolarada, mas nem isso a obrigou a trocar o uniforme por algo mais confortável, mantendo a capa branca cuja principal função era esconder seus equipamentos.

Era seu dia de folga, e a mestre Batafurai pediu que ela fosse até o mercado comprar algumas verduras para o almoço. O centro comercial da aldeia era imenso, o suficiente para deixá-la assustada na primeira vez que esteve ali. Mas agora já estava na Folha há quatro anos, conhecia aquelas ruas tão bem quanto qualquer nativo – ou assim imaginava, embora por vezes ainda se pegasse perdida.

Entregou os ryos para a senhora da barraca de tomates, que sorriu em simpatia para ela. Luma retribuiu o sorriso de maneira convincente, embora o seu fosse falso. Seu rosto parecia ter sido feito para sorrisos, dado quão fácil era os mimetizar, mesmo com a completa ausência de motivos para tal. Mas sua mestre dizia que era educado mostrar simpatia, e quem sabe assim conseguisse se aproximar de alguém e fazer amizades – não que ela própria quisesse realmente isso.

E foi quando se afastada da feira que percebeu os primeiros sinais de que algo estava errado.

— PEGA LADRÃO!!! — Alguém gritou, sendo seguido por outra voz, essa consideravelmente mais jovem.  

A cena que se sucedia era… estranha. Um homem adulto corria por entre a multidão, derrubando pessoas a torto e a direito, enquanto era perseguido por um rapaz que deveria ter mais ou menos a idade da jovem. O menino gritava no encalço do ladrão, provavelmente tentando pará-lo.

Luma ficou imóvel por alguns instantes, tentando decidir o que deveria fazer. Normalmente não se intrometeria em assuntos alheios, a menos que recebesse uma ordem direta para fazer isso. Mas, pensando bem, se aquele sujeito era um ladrão, então ele estava violando as leis da vila, certo? Sua sensei disse que como genin ela tinha o dever de zelar pela vila. Então… deveria intervir?

No tempo que ficou pensando o homem passou reto por ela, com a garota o seguindo com o  olhar. Decidiu, então, que precisava pará-lo. Levou a mão livre até a bolsa sob a capa e puxou duas senbon entre os dedos, então assumiu posição de arremesso, com as agulhas brilhante ao refletir a luz do sol. Haviam muitas pessoas ali, mas se as jogasse agora conseguiria, com um pouco de sorte sorte, atingir o ladrão e derrubá-lo.    

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Luma não era insensível, e dificilmente machucaria alguém que não merecesse.
No entanto, quando deixada por conta própria essa linha era praticamente invisível para si. Embora se referissem a si dessa forma, uma shinobi não era uma criança; crianças se divertem, crianças vivem suas vidas sem preocupações, elas podem sorrir, podem brincar, podem se sentir em segurança todas a noites – uma shinobi é aquela pessoa que existe para garantir que essa realidade se mantenha.

Luma era uma kunoichi de Konohagakure, alguém que dedicou sua infância a treinar o corpo e a mente para realizar tarefas que outras pessoas sequer poderiam se imaginar fazendo. Ainda que, como genin, suas missões fossem em maioria consideradas triviais, meros auxílios, não anulava o fato de sua mentalidade ter sido moldada para combater, e, se preciso, matar.

E assim sendo, ela estava amarrada pelas leis do Mundo Ninja. A lei dizia que o roubo era um crime, e, portanto, precisava ser combatido. Haviam, é claro, ninjas especializados no cumprimento dessa tarefa. Mas porquanto não estivessem presentes no ato do crime, caberia a qualquer shinobi fazer de si mesmo a imagem do bastião da justiça – ainda que essa estivesse tão intrinsecamente ligada ao conceito puramente jurídico.

E quando suas ações se resumem ao mero cumprimento das leis, sem qualquer definição de vontade ou motivações próprias, fica extremamente difícil segmentar as punições para cada tipo de crime. Em sua mente, Luma imaginava estar agindo certo ao se preparar para atingir o ladrão com suas senbons, sem se importar com o quão ferido ele pudesse ficar após isso.

No entanto, algo a deteve. Antes que pudesse realizar o movimento de arremesso uma mão se fechou em torno de seu pulso, e de uma hora para outra a jovem genin estava sendo arrastada.  

— Ei! Me ajuda!! — A voz do garoto se fez ouvir ao seu lado, enquanto Luma, sem reação, era conduzida por ele. — Você é ninja também, né? Bora dar uma lição nesse lixo quebrador de regras!!

“Mas… não era isso que eu iria fazer?”, ela se questionou, ainda, por alguma razão, sem fazer nada para se desvencilhar dele. Era o mesmo garoto que ela viu perseguindo o ladrão, e agora ambos estavam no encalço do homem. Enquanto corriam Luma desviou o olhar para o rosto do garoto, examinado suas feições e tentando entender de onde vinha toda aquela convicção.

Para ela não havia sentido naquela perseguição, não quando poderia ter encerrado tudo tão facilmente. Mas alguma coisa na disposição dele a fez guardar as senbons, decidindo, por enquanto, que não as usaria. Aquela expressão em seu rosto, era algo que ela sempre via nas outras crianças quando estavam na Academia: era diversão. Ele estava gostando daquilo? Sua fala era ao mesmo tempo irritada e empolgada, como se estivesse gostando de realizar seu dever.

Finalmente encurralaram o ladrão em um beco, mas antes que pudessem fazer qualquer coisa contra ele seus sentidos a alertaram do perigo, e ela saltou para o lado, escapando do alcance do golpe. Uma grande massa de carne, que possivelmente era algum companheiro do primeiro sujeito, tentou os pegar de surpresa. Luma pousou em pé, já dobrando um joelho em posição de ataque e levando uma mão para onde deveria estar a empunhadura de sua espada, até perceber que não estava com ela. Além disso, esqueceu momentaneamente do que iria fazer enquanto assistia a reação do garoto ao lidar com a dupla de ladrões.

Aquele que estiveram perseguindo, após ser atingido por um soco do garoto, demonstrou ainda ser capaz de lutar, embora seus movimentos tenham ficado ligeiramente confusos. Por desorientação, ou por ter visto Luma ali e considerado ela como um alvo mais fácil, ele avançou contra a garota, que ainda estava parcialmente distraída observando a luta dos outros dois.

Mas qualquer pessoa notaria alguém correndo e gritando (talvez em uma tentativa de parecer ameaçador?) em sua direção. Pelo canto do olho Luma o viu, e, concentrando chakra em suas pernas, moveu-se em altíssima velocidade através do Shunshin no Jutsu. Em um piscar de olhos ela estava nas costas do ladrão de bolsas, que sequer teve tempo de perceber o que estava acontecendo antes de levar um golpe na nuca e cair inconciente.

Voltou então sua atenção novamente para o garoto e o homem, sem se mover para intervir. Além de não considerar sua interferência necessária nesse primeiro momento, queria ver como aquilo iria terminar.

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Obs:

Por mais que olhasse, Luma não conseguia entender.
Qual era a emoção de uma luta? Por que alguém estaria predisposto a se envolver em uma briga por alguma razão além do mero cumprimento do dever? As emoções daquele garoto pareciam estar à flor da pele, como se ele estivesse realmente motivado, e, talvez mais do que isso, pessoalmente interessado na questão. Como deveria ser essa sensação?

Luma evitava puxar na memória lembranças de seu eu do passado, pois ao fazer isso sempre acabava esbarrando nas recordações da mansão de Kaemoto. Mas mesmo quando se atrevia a vasculhar a imensidão sem-fim de sua mente era incapaz de se recordar se algum dia fora alguém como aquele menino. Provavelmente não.

"Eu deveria falar com ele?", ela se questionou, incerta. Talvez... talvez pudesse pedir para que ele a explicasse como era aquela sensação.

"Falar ou não falar?"

Por que era tão difícil? Abrir a boca e produzir sons deveria ser a coisa mais natural do mundo, mas Luma sempre pensava mil vezes antes de tomar qualquer decisão fora do campo de batalha. Em combate, onde precisava pensar rápido para sobreviver, ela conseguia superar sua indecisão e tomar escolhas pragmáticas. Já aqui, em uma simples interação social, era quase impossível.

E não se tratava de timidez. Quando lhe pediam para falar, ela falava, independente do que fosse o assunto. Então seria insegurança? Medo? Ou apenas completa e absoluta falta de vontade? Possivelmente uma pouco de cada uma das opções. E no mais, uma parte de si sabia que, na verdade, a jovem sequer sabia como interagir.

Foi enquanto pensava e tentava se decidir que a luta terminou, e o garoto já anunciava que estava indo embora.

"Espere!", Luma pensou, ameaçando estender um braço em sua direção, mas refreando no último instante. Fechou as mãos, amassando a barra de sua capa. Então chacoalhou a cabeça, em uma tentativa de clarear as idéias. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, ele já havia ido.

"Talvez seja melhor assim", refletiu. Ela não saberia como falar com ele, no fim das contas. Se tivesse tentado teria ficado sem ter como terminar seu raciocínio, e, afinal, talvez sequer entendesse o que ele teria para explicar.

"Dotto", ela tentou memorizar o nome. Recolheu a sua sacola com as compras e começou a se afastar, sem sequer dar uma segunda olhada aos dois homens inconscientes no chão. Antes de chegar em casa, já havia se esquecido do nome do garoto.

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