O que significa "se divertir"?
Várias vezes Luma ouviu esse termo saindo da boca das outras pessoas. Na Academia, sobretudo, as crianças incansavelmente falavam sobre "atividades divertidas", e como as tarefas de um ninja poderiam ser divididas entre "legais" e "chatas". Quando acertavam uma shuriken no alvo pela primeira vez, por alguma razão pareciam ficar felizes com aquilo. Quando o sensei mostrava um novo jutsu para a classe, o barulho se torna insuportável. Mas... por quê?

Desde que a mestre Batafurai a trouxe para Konoha ela vinha treinando dia após dia, sempre evoluindo suas técnicas, se tornando mais rápida, forte e hábil. Mas Luma nunca conseguiu encontrar em nada disso essa tal "diversão" que todos sempre aclamavam. E por nunca ter nada a expressar, optava por manter o silêncio constante. Tudo que a movia era um sentimento que ainda não conseguia nomear. Sua mestre a salvou daquela mansão, e por isso Luma obedecia suas ordens, treinava e lutava em seu nome, mas com a completa ausência de emoções próprias. Um treinamento era um treinamento, não via o que haveria de emocionante nele.

Ainda assim, ouviu a porta bater em suas costas quando a jonin a empurrou para fora. Batafurai sempre procurava a incentivar a interagir mais com as pessoas, embora nunca tivesse de fato dado certo. Esse era, na verdade, o único pedido que a jovem sem mostrava incapaz de realizar. Não que nunca tivesse tentado – uma vez, em seu primeiro ano na Academia, aceitou participar de uma competição de pega-pega, mas acabou sendo expulsa da brincadeira por ter nocauteado todos os participantes. E com o tempo os outros alunos também passaram a evitá-la, tornando suas chances de fazer amizades praticamente nulas.

Mas aqui estava ela outra vez, e outra vez tinha a impressão de que as coisas não terminariam diferentes. Suspirou, sentindo o ar noturno penetrando por suas narinas com um frescor reconfortante. As ruas de Konoha estavam sempre cheias, mesmo nesse horário. Era tudo completamente diferente da aldeia em que nascera, onde havia apenas seis casas de madeira e um poço que não funcionava há gerações, e onde todos se conheciam. Ali, naquela grande metrópole, era como se o mundo inteiro coubesse entre seus muros. E foi enquanto refletia que não deveria ser tão difícil falar com alguém entre todas as centenas de pessoas, que um grito chamou sua atenção.

Por reflexo, Luma virou o rosto na direção da voz, e então pôde ver, quase que em câmera lenta, uma pedra vindo em sua direção. Normalmente teria apenas uma fração de segundos para reagir, mas dessa vez foi como se o tempo tivesse desacelerado durante aquele ínterim. De alguma forma ela sabia dizer quanto tempo a pedra levaria para a atingir, podia visualizar sua trajetória e saber em que ponto perderia velocidade e começaria a cair, e sua mente explodiu com dezenas de possibilidades de reações – tudo de maneira instantânea. Então, com a face vazia de qualquer expressão, simplesmente deitou a cabeça por cima do ombro direito, deixando o projétil passar inofensivamente por ela. E foi então que o mundo ao seu redor pareceu explodir.

"Quinhentos ryos dez cabeças de cebola? eles estão malucos!"
"Onde eu deixei minha bandana?"
"EU QUERO! EU QUERO!"
"Legal, vai sair capitulo novo de Ninja Gaiden!"
"Eu te amo"
"Eu te amo mais"
"Não, eu te amo mais!"
"Não, eu que amo mais!"
"O QUE VOCÊS ESTÃO PENSANDO JOGANDO PEDRAS NAS PESSOAS?!"

Luma levou as mãos até as orelhas, tentando abafar o som de todas aquelas vozes. O que estava acontecendo? De repente ela conseguia ouvir o que cada pessoa parecia estar falando a... o que, cem metros de distância? Duzentos? Estava desorientada demais para conseguir determinar. E, como se não bastasse, não era só isso: todos haviam desaparecido. Não, não de verdade, apenas tinham se tornado redes de chakra, que ela sabia reconhecer devido aos desenhos que estudou na Academia. Olhando para frente não conseguia ver os dois garotos que jogaram a pedra e nem o terceiro sujeito que parecia ter sido atingido por ela, mas somente a sua circulação de chakra em volta em silhuetas quase indistintas.

Enquanto olhava para os lados em busca de procurar entender o que estava acontecendo (teria sido pega em algum tipo de genjutsu?) acabou se deparando com o próprio reflexo na vidraça de uma lanchonete. Piscou algumas vezes para si mesma, e levou uma mão até o rosto, puxando levemente a pele para exibir mais do olho esquerdo: ele, assim como o outro, havia assumido uma coloração quase vermelho-escarlate. E então, tão repentino quando veio, aquilo desapareceu. Ela piscou e sua íris voltou ao tom rosa-lilás, e as centenas de vozes se silenciaram, restante apenas os ruídos próximos de si.

Por alguns instantes se manteve de frente a vidraça, ainda encarando seu rosto, esperando que algo fosse acontecer novamente. Mas como nada mudou após um tempo, ela, lentamente, se virou na direção do trio que ainda discutia.

— Com licença — dirigiu-se ao que estava uniformizado como chuunin, com sua voz suave sendo quase inaudível. — Minha mestre ordenou que eu saísse e conversasse com alguém.

Ela então apontou para o olho esquerdo, mantendo o mesmo tom casual de quem pede informação sobre uma rua.

— É normal que uma criança em crescimento passe a enxergar a rede de chakra das pessoas?  

Informações:

Como sempre, falar se mostrou infrutífero.
Há muito tempo Luma decidiu que ficaria melhor caso permanecesse em silêncio. Isso começou na mansão de Kaemoto, onde ela era punida toda vez que abria a boca. “Uma escrava não precisa falar”, ele dizia. “Se eu cortar sua língua, talvez aprenda isso, uh?”. Com o tempo, o medo acabou deixando de ser o fator de censura, e ela foi simplesmente perdendo a vontade de se comunicar com as pessoas.

A reação daquele chuunin apenas comprovava que diálogos com desconhecidos dificilmente levavam a algum lugar. Seu questionamento se ela era uma Uchiha tinha pouco valor, uma vez que a jovem desconhecia o sobrenome de seus pais – tendo inclusive inventado o seu próprio –, e no fim ele falou mais sobre si mesmo do que sobre sua pergunta. Luma apenas assentiu, agradecendo com um sorriso, e deu as costas a eles para ir embora (e, sim, ela já havia se esquecido completamente dos dois garotos que jogaram a pedra nela).

Tentou manter um ritmo de passos controlados no caminho para casa, mas era inegável que seu coração batia mais forte que o habitual. Ela não entendia o que estava acontecendo, e o sujeito que questionara deu a entender (ao menos isso) que não era algo realmente comum de se ocorrer. Luma era relativamente inteligente para a sua idade, mas não se lembrava de já ter lido sobre nada do gênero antes.

"Ele perguntou se eu era uma Uchiha", ela vinha refletindo. "Isso significa que o que acabou de acontecer tem relação com linhagem sanguínea?" Tudo seria mais fácil se ela soubesse mais sobre sua família. Infelizmente todos estavam mortos, e tudo que tinham foi queimado ou saqueado naquele fatídico dia. Com melancolia, outra vez ela se pegou pensando que todo seu passado fora tirado dela de uma maneira tão brutal que jamais seria capaz de tê-lo de volta.

Finalmente chegou em casa, e felizmente a porta estava destrancada – levaria algum tempo para passar pelas armadilhas das janelas, e ela estava com pressa. Assim que cruzou a batente ouviu a voz de Batafurai ralhando com ela por já estar de volta. Luma não estava acostumada e desagradar sua mestre, e aquilo lhe trazia um gosto horrível de bílis na garganta. Embora, na verdade, não tivesse realmente desobedecido suas ordens.  

— Eu falei com uma pessoa — disse, enquanto tirava as botas para entrar. — Era um chuunin, no centro da cidade.

Ela então caminhou até a cozinha onde a mulher estava, e sentou-se à mesa. Algo em seu silêncio parecia destoar do costumeiro, ou era sua expressão pensativa que a traía, pois Batafurai logo notou que algo estava errado.

— O que houve?

Luma ficou em silêncio por mais alguns instantes, tentando se decidir como relatar o ocorrido.

— Enquanto estava na rua, aconteceu uma coisa. Eu comecei a ouvir o que todos estavam dizendo, mesmo aqueles fora de meu limite de audição, e de repente podia ver suas redes de chakra.

Sua voz soava baixa como de costume, mas quando terminou ergueu o olhar para encarar sua mestre à procura de alguma compreensão.

— Então as histórias que ouvi eram verdadeiras... Você pode ser portadora do Akagan — ela falou, o que pegou a jovem de surpresa. Nunca haviam conversado nada sobre aquilo antes, até onde se lembrava. —  Me diga exatamente o que aconteceu, com detalhes?

Ela tentou puxar na memória todos os detalhes, mas as coisas estavam cada vez mais confusas em sua mente. Por mais que seus sentidos fossem de uma shinobi, seu cérebro não estava acostumado a receber toneladas de informação de uma só vez, como ocorreu naquele momento.

— Alguém jogou uma pedra em mim, acho que foram garotos que frequentavam a Academia junto comigo — começou dizendo, um pouco mais lenta que o normal devido ao esforço de se lembrar de tudo. — Mas eu vi a pedra vindo em câmera lenta, foi como se um bebê tentasse me acertar um golpe. Então tudo aconteceu, e quando vi meu reflexo meus olhos estavam vermelhos.

Ela apontou para eles, mantendo um olhar de curiosidade que raramente podia ser visto em seu rosto.

— O que é tudo isso, sensei? Eu estou doente?

Informações:

Em diversas coisas, Luma ainda era inocente.
Quem soubesse da história de seu passado, e ouvisse sobre tudo que a criança passou antes de se tornar uma genin, dificilmente ousaria usar esse termo para se referir a ela. Seu rosto ainda era de uma criança, e o brilho em seus olhos mimetizava uma pureza cristalina – tal qual as borboletas se fazem passar pela Monarca para enganar os predadores –, mas a inocência que deveria ser um direito inato a todas as crianças já havia lhe sido arrancada.

Ainda assim, sua inexperiência se mostrava presente em certos momentos, tais como agora. Aquilo (a mestre chamou de Akagan?), aquela coisa que surgiu em seus olhos, ela não fazia ideia do que significava. Sua primeira constatação, então, foi a mais lógica de se supor, de que ela teria algum problema, quem sabe até uma deficiência visual. Mas a reação da sensei parecia indicar que não era isso – ou, pelo menos, não algo tão simples assim.

Ainda confusa, Luma assentiu em resposta. Ela não disse nada – quase nunca dizia algo –, apenas abraçou Batafurai pela cintura, na singela, porém afetuosa, despedida costumeira, e subiu as escadas em direção ao seu quarto, encostando a porta antes de se deixar cair na cama. Absorta no universo que eram seus próprios pensamentos, demoraria muito para que jovem genin conseguisse finalmente pegar no sono.  

Infelizmente, raramente tinha sonhos. Pesadelos eram seus companheiros constantes todas as noites, as cicatrizes que ficaram de seu passado. E, novamente, Luma foi transportada para a mansão de Kaemoto, para o momento onde sua mãe, aos prantos, a abraçava no quarto.  

— Eu sinto muito — a mulher se lamentava, com a voz quase inaudível pelos soluços e o receio de chamar atenção. — Me perdoe, eu não posso te proteger.

— Mamãe — ela esticou uma mão para tocar no rosto de sua mãe, sentindo as lágrimas dela escorrendo por seus dedos.

— Você sempre foi uma menina tão forte. Continue assim, por favor. E... Me perdoe…

Luma acordou com o sol entrando pela janela. Piscou várias vezes, nas múltiplas tentativas de clarear a visão. Não conseguia se lembrar quando havia adormecido, mas se lembrava com detalhes do pesadelo: e como poderia ser de outra forma, quando eram, na verdade, lembranças?

Já no banheiro, a jovem abriu as mãos em concha sob a torneira aberta, então jogou um punhado de água na cara. Repetiu o processo mais duas vezes, até se considerar suficientemente acordada. Olhou, então, o reflexo de seus olhos, à procura de qualquer sinal de algo de diferente neles – sem sucesso.

Após terminar de se arrumar, desceu para o térreo, já completamente uniformizada, e se sentou à mesa para o café.

— Ohayo — Batafurai a saudou, ao que Luma respondeu com um sorriso.

Enquanto estavam em casa, nenhuma palavra foi trocada sobre os acontecimentos da noite passada. Mas, como prometido, sua mestre a acompanhou até os Campos de Treino, que era onde Luma basicamente passava quase todo o seu tempo livre.

A explicação da sensei trouxe novas dúvidas para a mente da jovem. Esse tal de Akagan, era alguma espécie de doujutsu, então? Ela sabia da existência de dois, o Sharingan e o Byakugan, cujas raízes há muitas e muitas décadas atrás se entrelaçavam com a história da Folha. Mas seus livros e pergaminhos sequer citavam algo sobre aquilo que estava acontecendo com ela.

“Ouvir e ver coisas a longas distância, ler movimentos, lançar um certo tipo de ilusão”, tudo isso parecia uma mistura dos dois outros doujutsus. Mas Luma nunca havia feito nada do tipo… não é? Quer dizer, a jovem não se recordava de conscientemente ter realizado alguns dos feitos descritos ali… Embora, é claro, não pudesse deixar de ignorar a voz que falava em seu ouvido: “O que mais justifica uma ninguém feito você ter se saído tão bem na Academia?”

A jovem genin assentiu em resposta a sensei, saltando para o local indicado por esta. Eram cerca de quinze metros uma da outra, ela podia dizer só de olhar, uma distância propícia para ataques de longo alcance. Não seria a primeira vez que as duas treinavam esquivas de shuriken, embora a distância sempre tenha sido de no mínimo vinte metros.

Luma ficou em posição, erguendo uma mão na frente do rosto e mantendo Tairitsu no In, o Selo de Confronto, e fechou os olhos. Controlando sua respiração, procurou manter seus pulmões focados na tarefa de abastecer o corpo com o oxigênio necessário para se mover com rapidez, enquanto reunia chakra em seu interior e o enviava para os olhos.

“Luma”, ouviu a voz da mãe ecoar por sua mente. “Você sempre foi uma menina tão forte. Continue assim, por favor.”

Então abriu os olhos, e, vendo as shurikens sendo lançadas em sua direção, reagiria de imediato. Caso seus olhos lhe permitissem acompanhar, ela não iria procurar se esquivar, mas sim, em um movimento ágil para a bolsa de itens em suas costas, arremessar cinco senbons entre os dedos contra elas, buscando desviar suas trajetórias com a interceptação.

Caso falhasse em acertar todas elas, usaria as frações de segundos restantes para jogar seu corpo para trás e se deixar cair de costas apoiada com os joelhos, aproveitando-se de sua baixa estatura. Assim, ela esperava, as estrelas de ferro passarinham sobre ela.    

Informações:

Um, dois, três, quatro acertos!
Mas apenas quatro. A quinta e ultima shuriken passou veloz pela lateral de seu rosto, e, sem esboçar expressão, Luma sentia a pele de sua bochecha se abrir. Um filete de sangue começou a escorrer, mas antes que ela pudesse sentir a ardência do ferimento sua mestre já ordenava que ficasse focada.

Batafurai  a examinou, e, mesmo a distância, foi incapaz de esconder aquela leve expressão de desapontamento. Luma havia reagido por puro instinto de sobrevivência e técnica, mas não sentiu nada de diferente – não como naquela hora com a pedra. Ao encarar os olhos da mestre Luma sentiu o leve temor de que ela poderia acabar imaginado que a criança inventou aquela história só para voltar para casa mais cedo.

"Eu não sei se eu vou conseguir.", se lamentou, por algum motivo se sentindo ainda pior pela insistência da sensei em acreditar nela. Luma a obedeceu, e quando estava na metade do caminho foi surpreendida pelo ataque surpresa. Sem dizer uma palavra de aviso, como se quisesse realmente eliminá-la, a jounin arremessou uma kunai em sua direção, em uma distancia tão curta que Luma não tinha qualquer esperança de conseguir se desviar. Morreria antes de entender o que estava acontecendo.

Ainda assim...

— Você sabe como eles estão te chamando agora? — A garotinha usando rabo-de-cavalo a perguntou. Por mais que se esforçasse, Luma não conseguia se recordar de como era o rosto ou o nome dela.

"Sim, eu sei".

— Ei, Cabeça-de-Vento!

— Sabe o que eu descobri? Eu ouvi dizer que ela veio de fora da aldeia.

— O que? Uma forasteira? Então por isso que ela é tão estranha.

"Eu não sou estranha"

— Deixa ela quieta. Ela deve se achar boa demais para falar com a gente.

"Vocês não entendem..."

— Será que ela pelo menos escuta o que a gente diz?

"Nenhum de vocês entendem..."

— Buuu, Luma Cabeça-de-Vento, está sempre tão distraída que nem ouve quando falamos com ela.

"Isso não é justo..."

— Será que deveríamos ensinar uma lição pra ela?

"Eu não escolhi ser assim, eu odeio ser assim, eu odeio viver como se nada mais tivesse sentido"

— Ah, melhor deixar pra lá. Eu... hum... não quero arrumar confusão.

"Medo. É medo. É por isso que eu não falo com vocês."

— Uh? Está amarelando para ela? Olha o tamanho dela, nem chega a ter nossa altura e somos da mesma idade!

"Isso, é melhor irem embora"

— Tá brincando? Viu o que ela fez com as shurikens semana passada?

"Não adianta eu tentar falar com vocês"

— Mas não é como se ela fosse tentar matar a gente... né?

— Sei lá. melhor não arriscar. Ela deve ser doida, então pode acabar fazendo qualquer coisa.

— Ei, fala baixo. Imagina se ela ouvir a gente.

— Vamos sair daqui, rápido!

"Eu me odeio"

— Você deveria tentar fazer algumas amizades — Batafurai disse, enquanto terminava de enxaguar a louça da janta. Luma, que estava sentada à mesa, se surpreendeu com a frase inesperada. — Eu sei que você se sente frustrada porque acha que está sozinha. Isso é bom. Sentir-se frustrada prova que ainda não desistiu.

"Talvez eu devesse..."

— Luma, você está bem? — Sua mestre correu em sua direção, e em uma fração de segundos estava em cima dela, olhando o ferimento na perna. A garota havia caído de cima da árvore enquanto praticava o seu Ki Nobori no Shugyō e aberto um corte na lateral da perna esquerda ao atingir uma pedra.

— Eu não consigo — a garota disse, sentindo as lágrima descendo pelos olhos. — Eu nunca vou conseguir ser tão boa quanto você, sensei.

Os olhos da jounin se estreitaram, e por um momento Luma esperou que ela fosse gritar com ela, dizer o quanto estava desapontada com sua ineficiência e que nunca a deveria ter trazido para Konoha. Mas sua mestre fez algo que a fez chorar muito mais: ela a abraçou.

— Tão boa quanto eu? Não, eu espero que não mesmo — o rosto da criança estava colado ao busto da mulher, que acariciava seus cabelos. Ainda que não pudesse ver seu rosto, o tom de voz de Batafurai indicava que estava sorrindo. — Eu acredito que você vai se tornar uma kunoichi muito melhor do que eu jamais fui.

A kunai ainda vinha em sua direção. Luma conseguia visualizar sua trajetória quase que em câmera lenta.

"Mesmo que você acredite em mim... Mesmo que você sempre acredite em mim..."

A lâmina brilhava com a incidência do sol da manhã sobre ela. Todo o corpo da jovem genin formigava, gritando, implorando, para que ela se movesse.  

"Vai continuar sendo tudo em vão se eu deixar o medo me domar."

"Lute, insista, insista, insista!"

"Tudo isso só vai ter sentido se eu também acreditar que eu consigo!"

Ela girou a coluna para o lado, inclinado o corpo levemente para trás, e a kunai cortou o ar no local onde instantes antes estava a sua cabeça. Ela estava respirando? Ainda se lembrava como se fazia para respirar? Tudo aconteceu tão rápido... Em instantes sua mente explodiu com todas aquelas centenas de pensamentos, tudo de uma só vez, e foi naquela momento que o mundo pareceu desacelerar.

— VOCÊ DESPERTOU! — Sua mestre gritou, e Luma a encarou, ainda com os olhos arregalados e a boca semiaberta.

Batafurai estava certa. Luma não via mais apenas sua mestre, mas também seus pontos de chakra. Até os movimentos que a jounin fazia aparentaram desacelerar, embora uma parte de Luma estivesse começando a compreender a verdade.   

—  Agora, mantenha o controle dos seus olhos. Respire fundo, mantenha-se focada na luta!

"Você nunca desistiu de mim, né?"

A sensei correu em sua direção empunhando a espada, e Luma não sentiu mais medo. Ela sabia, era algo que podia sentir no fundo de seu coração, que sua mestre jamais a atacaria daquela forma se não tivesse total certeza que ela conseguiria se esquivar. E assim o fez, como se os golpes não fossem nada, como se uma criança tentasse a atingir com um pedaço de galho. Pulou para trás no primeiro golpe, girou o corpo no segundo, e por fim procurou se esquivar do último com um grande salto.

Ela finalmente entendia o que estava acontecendo. Não é que o tempo tivesse começado a passar mais devagar, e sim ela que conseguia prever os ataques da outra apenas pelos seus micro movimentos. Cada contração dos músculos do braço, cada torção da coluna, com o Akagan ativado ela podia ver tudo, e uma vez que pudesse detectar esses sinais sabia exatamente onde seria a trajetória de seus ataques.

— Obrigada — ela diria ao final dos três golpes, caso tudo tivesse ido bem. — Obrigada por sempre ter acreditado em mim, sensei.  

Informações:

Era como estar enxergando de verdade pela primeira vez na vida.
Desde a morte de sua mãe Luma vivia em completo estado de negação para o mundo a sua volta. Não era depressão, não era tristeza ou melancolia – ela apenas se sentia vazia. A sensação era de que nada no mundo lhe pertencia, de que tudo estava imóvel e sem cor.

Agora Luma percebia, pela primeira vez, como o mundo era vasto e repleto de movimento. Mesmo enquanto estava concentrada em se esquivar dos golpes de sua mestre, pelo canto do olho era capaz de acompanhar tudo que ocorria ao seu redor dentro de seu campo de visão. A sensação era – não havendo termo melhor – maravilhosa.

Quando sua sensei acariciou o topo de sua cabeça foi impossível evitar o sorriso que se formou em seus lábios. Havia conseguido, havia realmente conseguido. E o melhor de tudo, a cereja daquele bolo delicioso, era a inegável satisfação nas feições de sua mestre. A sensação de ter deixado Batafurai orgulhosa era ainda melhor do que a ter despertado o doujutsu em si.

Concentrando-se alguns instantes na tarefa, fez com que seus olhos voltassem ao normal. Ainda precisaria se acostumar com a sensação de ter tantas informações sendo captadas de uma só vez, mas a jovem genin estava disposta a praticar o quanto fosse preciso. Talvez mais do que provar para sua mestre que trazê-la para Konoha não foi um erro, Luma, a partir de agora, queria provar isso para si mesmo.

Por hora, porém:

— Vamos... tomar sorvete? — A pergunta escapou de seus lábios antes que pudesse refreá-la. Nem se lembrava quando havia desenvolvido o desejo de experimentar sorvete, apenas sabia que queria muito isso. E para alguém que nunca teve desejos próprios e vontades, aquela poderia ser, quem sabe, uma evolução?

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