Estava retornando da minha última missão quando, no caminho de casa, percebi que queria sentar e observar o movimento das pessoas. Achei um banco em meio a um lugar um pouco mais movimentado do centro da vila e me sentei. Aqueles últimos dias haviam sido duros. É sempre duro se adaptar à uma nova realidade. E essas missões que tenho pegado... Mas era hora de relaxar. Num suspiro despreocupado apoiei os cotovelos sobre os joelhos e passei alguns minutos olhando pro chão.

Lentamente uma cor alaranjada tomava o céu. O sol estava começando a se por e aquele era o momento mais bonito do dia. Me botei a observar a forma como as nuvens foram tingidas de laranja mas relutavam em se converter, mantendo a parte que a luz não tocava num tom lilás. Me recostei no banco e, em outro suspiro, passei a contemplar aquela vista. Nenhum outro pensamento ou sentimento passavam por mim que não fosse a paz de estar vendo aquela cena.

Meu olhar vago no horizonte certamente poderia ser compreendido como espírito ausente e talvez o fosse. Fui pego de surpresa pelas palavras de Tobirama. Ele era um dos parentes da minha mãe que me deram coordenadas de como seguir o caminho ninja na vila da folha. Rapidamente olhei para o jounin e esbocei um sorriso que veio com a força branda da cordialidade. Após o comentário do ninja mais velho, retirei a bandana de seu lugar habitual, pendurada no pescoço, e comecei a encará-la.

- Sim... Obrigado. - falei com pouco ânimo - Agora eu tô me adaptando à vida ninja. Não fazia ideia do que me aguardava após ganhar essa bandana.

A congratulação de Tobirama veio seguida da pergunta acerca do restaurante que estava ali perto. Eu nunca tinha ido àquele lugar, mas uma das coisas que eu entendo bem é sobre comida. Farejei o ar de olhos fechados e, depois de satisfeito, os abri para responder ao jounin.

- Eu cheguei há pouco tempo em Konoha, Tobirama-san. E desde que cheguei, bem... Não tenho ganhado tanto dinheiro e por isso não explorei a cidade gastronomicamente. - falei com minha calma habitual. Meu ritmo de fala não é rápido e nem chega a ser lento. Diria que é um ritmo de fala paciente - Mas se meu olfato e minha experiência não me traem, aquele é um lugar pelo menos decente para se comer.

Falei com alguma certeza. Comer era uma das minhas atividades preferidas e, por isso, meu paladar e olfato são bem treinados nesse aspecto.

Enquanto amarrava minha bandana no pescoço novamente, ouvi Tobirama fazer um convite. Por um instante pareceu que eu vi algum desconforto por parte do jounin. Mas o convite me soou um desafio. Em se tratando de comida, eu toparia. Ainda mais na iminência de comer de graça - caso meu olfato não tivesse me traído, claro. Me levantei do bando, sacudindo a poeira e endireitando as bainhas "decorativas" que carregava comigo. Com um tom levemente mais animado e que, no fundo e se o interlocutor estivesse atento, poderia se ouvir uma brincadeira.

- É? Então vamos.

Aquele não tinha sido um dia fácil para o jovem. Aquela loucura toda com a criança hiperativa e o pai maníaco-ansioso me deixaram exausto mentalmente. Comer algo bom com certeza me reporia as energias. E o pensamento de não pagar... Isso sim me deixava bem. Sem olhar pro lado, falei:

- Só não vem regrar meu rango.

As vezes eu falava de uma forma coloquial demais. Mas ele não me importo muito. Estar na companhia do Uchiha me fez lembrar o quanto era novo nessa história toda e o quanto estava perdido, meses atrás, quando chegou a Konoha.

- Tobirama-san, acho que nunca agradeci apropriadamente. Obrigado. - tentei parecer simpático, pra além da minha paz - Passar na academia até que não foi um grande desafio... A parte difícil foi ser forçado a aprender o Katon Goukakyuu no Jutsu. Justo eu que mal sabia da existência do Chakra quando cheguei aqui.

Naturalmente acabei me deixando disponível para uma conversa. Ele era o que eu tinha de mais próximo de família em Konoha.

Conforme nos acomodávamos no restaurante, Tobirama tomou a dianteira e sacou o cardápio. Infelizmente só tinha um na mesa e por isso eu precisava esperar minha vez. Enquanto isso, o ninja mais experiente comentava sobre seu histórico. Qual elemento me especializar? Quais eu sequer poderia usar? Questões que passavam pela minha cabeça. Aquele rapaz na minha frente parecia manter pouca distância de idade, mas por vezes soava mais experiente do que deveria.

- Eu me queimei muitas vezes. - falei monótono - essas coisas são novidade pra mim. Eu não consigo nem imaginar como é a sensação desse tal Sharingan. - contorci o cenho procurando alguma lembrança, mas não encontrei - Nunca vi os olhos da minha mãe senão o preto profundo de sempre.

Eu não sou o tipo de pessoa quietão. As vezes as pessoas pensam isso de mim. Sim, tenho aversão ao barulho. Sim, não gosto de gente que fala demais. Mas nunca me opus ao diálogo. Só não gosto de intimidade desregrada. Juntam isso com minha linha de base visual de "apático", como dizem, e julgam que não sou de conversa. Os deuses sabem o quanto eu conversava com meus familiares. Com Koji...

Sem qualquer aviso Tobirama me entregou uma Katana. Imediatamente meus olhos se colaram à bainha, não com um olhar de cobiça, mas como se me perdesse em mim mesmo. Uma espada não era algo fora da minha realidade. Eu carregava apenas os cabos daquelas que Koji usava, como forma de me manter ligado à minha história onde estivesse, mas fazia tempo que não via uma lâmina de verdade. Eu senti um misto de desespero, como se o passado estivesse presente, me observando por cima do ombro, e fascínio. Pra mim era evidente que aquela espada era feita por um grande mestre. O jounin disse seu nome e a curiosidade me tomou. Respirei fundo antes de dizer qualquer coisa, enquanto puxei brevemente a lâmina da bainha a fim de ver a qualidade do fio da arma.

- Kusanagi?- falei procurando o nome na memória - Que tipo de arma é essa?

Continuava olhando pra lâmina perdido. Minha mente se dividia entre meu passado, a história da lâmina e a comida. Eu ainda não havia feito meu pedido. Sem perceber, como um zumbi, eu disse:

- Eu quero o maior prato que eles oferecem aqui. - e esperei a reação de Tobirama.

A demonstração do fio da Kusanagi me impressionou. Masato-sensei tinha diversas armas em seu arsenal, Katanas de mestres renomados. Eu o vi treinar com elas dezenas de vezes, vi ele conseguir fazer cortes em rochas. Mas aquela arma certamente poderia partir uma rocha ao meio. Sem esforço. Tobirama me encarou e eu compreendi que sua próxima fala seria séria. Seus olhos me lembravam os da minha mãe. Hoje eu compreendo o que os dela me diziam. Os olhos dos dois, e até o meu, talvez, demonstram algo dolorido.

As palavras de Tobirama chegaram a mim como um incentivo. Olhei pra espada novamente e por alguns segundos me perdi nela novamente, me lembrando de meu passado. Do que significava o caminho da espada. Meneei com a cabeça assertivamente e, voltando os olhos ao jounin respondi:

- Aceito. - a palavra saiu como uma rocha que senta sobre o solo há séculos. Minha expressão acompanhava o tom da fala - Acho que nunca te disse porque vim pra Konoha. Acho que nunca disse pra ninguém aqui. - me ajeitei na cadeira e recostei os cotovelos sobre a mesa - Eu sou de um vilarejo bem próximo a Konoha. Vivi tranquilamente lá por anos a fio, treinando a espada com meu primo e melhor amigo, Koji, e meu avô Miyamoto Masato. Somos uma família do falido mundo dos samurais. Há alguns meses, antes de nos encontrarmos em Konoha, Koji foi assassinado na minha frente por um ninja renegado que fugia daqui. - deixei os olhos baixarem - Eu não fiz nada. Não pude fazer nada. Mas achei que precisava mudar. Não vi quem era o sujeito e o que nutro por aquele indivíduo é... confuso pra mim. Eu não consigo compreender esse sentimento. Quando me lembro da cena e penso no renegado, sinto que minha garganta vai explodir. Fico meio tonto, até. É uma carga emocional que parece não caber em mim, muito menos consigo compreender. - suspirei - Realmente não sei o que faria se visse o tal ninja. Não sei se partiria pra violência ou sentiria medo. Ou se ficaria inerte, despersonalizando, como se não estivesse acontecendo.

Olhei pra Tobirama e a comida logo vinha chegando. Assim que chegou, dei um sorriso de satisfação e comecei a comer despreocupadamente.

- Não me interprete mal. Eu não estou dando uma de sadboy. Eu só tô confuso, mesmo. - continuei mastigando e falando, quando sabia que a comida não voaria pelos meus lábios - Se você se desviou do caminho da espada, quais são suas habilidades hoje? Qual é o seu "Estilo Ninja"?

As duras palavras de Tobirama me pegaram de surpresa. Ele estava se esforçando, até então, pra ser o mais cordial que poderia ser. Aquelas palavras eram pesadas não como uma pedra que foi atirada em mim, o peso parecia vir por falarem com ele mesmo, sobre ele mesmo - Uchiha Tobirama. Não tive muito o que dizer frente ao conselho/sermão que foi dado. Apenas permaneci olhando o jounin no fundo dos olhos, com minha expressão usual de serenidade. A última frase foi uma forma de descontrair o ambiente novamente. Em homenagem a ela montei a maior garfada que poderia e botei na boca.

Apesar dessa última frase, mais amigável, o jantar foi silencioso. O Uchiha mais experiente ficou calado e eu acompanhei este fluxo. Comi em silêncio, pensando sobre diversas coisas e assim evitando as palavras recentes de Tobirama. Sabia que, se eu me entregasse àqueles pensamentos agora, não poderia tirar a cabeça deles. Era melhor que fizesse isso em casa, onde não me faltaria tempo e paz pra refletir sobre aquilo.

O jounin retomou a conversa de rompante, respondendo à minha pergunta. Depois das palavras do ninja tinha até esquecido que eu tinha perguntado algo. Uma resposta vaga foi tudo que recebi, mas junto de um convite e uma despedida. Eu ainda estava no meio do meu prato enquanto Tobirama se preparava pra partir. Mas não me incomodei e prossegui comendo. Verifiquei, com os olhos, a quantia de dinheiro e comentei:

- Parece que a comida convenceu. - E prossegui - Eu aceito o convite. Estou curioso em ver até onde vão os poderes de alguém... como eu.

Disse me referindo a ser Uchiha. Quando a última frase - a da kusanagi - surgiu, eu me peguei dando um leve sorriso lateral. Abaixei levemente a cabeça, o que gerou uma ligeira sombra sobre meus olhos. Era uma mistura de nostalgia, entusiasmo, dor e ironia. Respondi:

- Talvez o caminho da espada ainda seja o meu caminho. - Pausei. - Mesmo no mundo ninja.

Segui comendo no meu ritmo tranquilo, enquanto via Tobirama partir. Aquela pessoa me deixava confortável, de certa forma. Não falava demais, não era barulhento. Não era invasivo demais, tampouco apresentava soberba. Juntando isso à minha gratidão, mesmo que superficial, pela ajuda quando cheguei na vila... Era alguém com quem podia conviver.

Terminei de comer minutos depois. Acertei a conta e fui em direção à minha casa, sem muita pressa. Minha cabeça começava a orbitar o pensamento que evitei na última hora. Eu preciso encontrar aquele shinobi? Talvez... Talvez eu deva. Talvez eu deva ver, face a face, quem matou Koji. Quem me fez abandonar minha vida antiga e vir pra Konoha. Talvez algo dentro de mim mereça esse encontro. Talvez algo dentro de mim precise desse encontro. Toda vez que penso sobre isso... Eu sinto uma quantidade de energia que eu não sei o que fazer. Minha mente procura aliviar me distraindo com outras coisas. Mas... E se eu acabar perdendo a linha? Se eu acabar sendo como ele e... matando... Quando penso sobre isso, parece que estou a um suspiro de perder o controle. A um passo de abrir mão da minha racionalidade, da minha humanidade, e só... fazer algo. Que eu não sei o que é.

Desde que Koji morreu, até no momento da sua morte, eu não derramei uma lágrima sequer. Quando fui à sua lápide, não chorei. Quando parti do vilarejo, não chorei. Agora, em casa, no meu quarto, olhando pro teto que as cores da noite tornaram azul, a primeira lágrima escorre pelo meu rosto. Acho que percebi o que a morte significa. Koji não está de viagem e, em breve, iremos nos ver. Ele está morto. E isso dói.

Neste momento minha face se contorceu em sofrimento. Pode parecer burrice não perceber isso, mas... Até isso, foi uma forma de me defender. Tobirama, sem querer, me provocou a enfrentar essa situação. Talvez, se eu não encarar isso, nunca consiga seguir em frente. Talvez nunca consiga crescer como ninja. Talvez nunca consiga crescer como homem.

Assim, decidi que procuraria por este Shinobi, embora não lembrasse muito bem dele, quando fosse oportuno. Aqui eu encontrei um propósito nessa vida ninja. Não, não é vingança. Isso é simples e pequeno demais. Eu preciso encontrar esse individuo pra poder seguir em frente. Pra me libertar. E eu não faço ideia de qual vai ser o desfecho desse encontro.