ZONA RURAL - INÍCIOJá é dia na fazenda dos pais de Keitaro, um dia ensolarado perfeito para a colheita quinzenal. Corre uma brisa suave, com um aroma agradável de flores, nada muito brusco a ponto de carregar folhas consigo. Essa é uma data especial para a família, já que todos se reúnem para ajudar, independente de sua função principal. Hoje chegarão carroças de todo lado prontas para carregar os frutos encaixotados.
Keitaro finalmente abre os olhos, depois de uma noite serena e sem muito o que fazer, visto que fora dormir cedo para se levantar ao amanhecer. Ele sente que está levemente atrasado para suas obrigações, no sentido mais agradável da palavra já que tal dia lhe trazia euforia. Ele se senta em sua cama, agora bagunçada, desliza sua visão até a porta entreaberta e as camas vazias de seus irmãos logo à frente.
"É... O dia já começou..." - disse ele, com um tom de preguiça ainda notável em sua voz, levantando e finalmente dando seus primeiros passos fora da cama em direção à porta, vestindo seu robe que estava pendurado logo ao lado de seus sapatos. O caminho até a colheita é curto, porém sua preguiça é tamanha que o tempo parece se distorcer em volta dele. Mas essa sensação precisa logo ir embora pois toda mão de obra hoje é necessária. Afinal, é o dia em que sua família garante seu sustento.
Finalmente o jovem se encontra na porta frontal de sua casa, com uma xícara de chá em mãos, assoprando para esfriar a superfície. Do canto superior dos olhos, ele espia um movimento minúsculo e longe, porém familiar. Eram seus pais, que já haviam começado o trabalho do dia, ceifando e colhendo os primeiros grãos e vegetais da terra, prontos para a primeira carroça assim que ela chegasse. Keitaro olha para o sol e o céu limpo, esboçando um sorriso, pois é seu tempo preferido, mas ele sabia que precisava de um tempo distante daquela fazenda, para ir em busca de seu propósit-- nesse exato momento ele sente uma presença atrás dele, engatilhando automaticamente uma rotação com o corpo e a perna direita, apenas com a intenção de imobilizar o oponente sem danos físicos. Ao se virar, antes de completar sua rasteira, percebe que é apenas o seu irmão mais velho querendo lhe punir pelo atraso para o dia de colheita, assim cancelando seu movimento.
Os dois riem por um momento, extasiados por não terem se batido por motivo algum e o irmão o congratula pelo reflexo rápido, mas o atenta pelo atraso e logo o direciona para suas tarefas do dia. Geralmente, Meishu, seu irmão mais velho, cujo nome literalmente significa "ordem", fica responsável pela organização de tarefas da casa e da colheita quinzenal da família. Aparentemente, Keitaro ficou encarregado pelo transporte de carroças para o centro da aldeia junto com sua irmã mais nova, Koe, cujo nome significa "voz" ou "vozes", devido à sua audição aguçada e por ser extremamente razoável com suas decisões. Ele já esperava esse tipo de tarefa pois sempre fora o irmão mais rápido dentre os três. Sabendo disso, o jovem se prepara, alongando seus músculos e alimentando seu corpo adequadamente.
Chegou a hora de caminhar. O garoto se dirige até a única parede vazia de sua casa, que possuía apenas uma bolsa cheia de armas. Era feita de linho não-tingido e continha uma amarra com uma corda em sua abertura. Ali se encontrava kunais, shurikens, bombas de fumaça que sempre protegeram as colheitas e as viagens aldeia adentro. Ele a pega e amarra em sua cintura. Não se sabe o que há de especial nelas, mas dizem que são armas feitas pelo fundador da fazenda e quando a família se instalou nesta casa, este era o único resquício de que já fora habitada, o que não deve passar de mais um conto para amedrontar possíveis inimigos daqueles Senju. Keitaro e Koe então se reúnem na frente do campo verde vasto, agora cheio de sementes para a próxima colheita, carregando as duas carroças com quantidades exorbitantes de comida. A irmã se portava com leveza e graça inconfundíveis, seus longos cabelos lisos pretos batiam na altura de sua lombar, movendo com a brisa que sempre passava pelas árvores altas do fim da plantação. Seu robe era mais curto que o de Keitaro, e mais colorido também, possuindo um tom rosado em baixo, oriundo de uma flor da região, se transformando em branco no topo de seus ombros. Alguns de seus robes também continham desenhos de tal flor rosa nas bainhas de suas mangas.
A primavera sempre foi uma boa época para a família e isso alegrava o jovem que sempre gostou de ajudar nas colheitas, mesmo não o realizando por completo. Então naquela tarde quente, não haveria problemas no caminho, seria uma rota serena de ida e de volta. Assim pensaram os jovens... E então começaram sua viagem até o centro de Konoha. Eles irão passar por mais vilas próximas para entregar as mercadorias, o que garante tempo suficiente para uma conversa profunda entre eles.
No meio do caminho, passados silêncios e cantorias, Keitaro decide iniciar um assunto:
"Koe... como você se sente?" - diz o jovem.
"Bem, mas, o que quer dizer com isso?" - responde a irmã.
"Digo... em relação à fazenda, você se vê vivendo nela a vida toda?" - completa o irmão.
"Acho que sim. Claro, gostaria de saber como é viver numa aldeia maior. Experimentar, sabe?" - retruca a jovem.
"É que... posso parecer maluco, mas eu sinto que preciso sair um pouco de lá. Explorar o mundo, ajudar pessoas." - diz o irmão -
"Nem todos têm uma família como a nossa... Feliz, completa, unida... Sinto que posso fazer MAIS" - ele completa.
"Concordo totalmente." - diz Koe sem a mínima hesitação. Ela já sabia que isso viria um dia, só não sabia com quem seria.
"Concorda!?" - aparentando choque, já que tudo funcionava simbioticamente na fazenda.
"Claro!! Eu sou "A Voz" da casa, não sou? Então, assumindo meu papel, eu digo pra você experimentar tudo o que deseja..." - diz ela, com um tom irônico porém sincero -
"...até que decida onde você quer construir sua vida. Parece certo pra você?" - finaliza, com um tom calmo, claro e esperançoso.
"Parece perfeito..." - diz Keitaro, esboçando um sorriso afagado pelas palavras sinceras de sua irmã, com tranquilidade para seguir seu caminho indefinido -
"Então, minha próxima jornada será no centro de alguma aldeia" - completa, assim terminando o assunto e chegando em seu destino.
ZONA CENTRAL DA ALDEIAAo chegar no centro da aldeia, os irmãos se dirigem com as encomendas aos locais destinados. Keitaro observa seu robe preto, agora manchado de terra e areia e larga sua carroça aliviado ao chegar em no local certo, tapeando suas vestes em uma tentativa não tão eficiente de limpeza. Logo depois olha para Koe, que, como estava vestindo uma roupa mais casual, não teve tal problema. A primeira entrega era em um restaurante de comidas naturais, chefiado por um casal de idosos muito importantes na região. Simples porém moderno. Com seu espaço bem utilizado, não havia sinais de luxuosidade extrema e espaços que não seriam úteis.
"Pelo que otousan me contou, o casal gosta de servir suas comidas com vegetais frescos direto da fazenda." - disse Keitaro enquanto sorria para sua irmã.
"Pelo que okaasan me contou, eles servem criancinhas curiosas. hehehe" - retrucou Koe de forma irônica fazendo uma careta, indo em direção ao irmão.
Os dois bateram à porta do restaurante aguardando certamente uma recepção amigável, já que os donos eram amigos da família, clientes de longa data para ser mais específico. Mas trinta segundos se passaram e nem sequer uma resposta verbal foi proferida. Então bateram novamente, agora com mais força e menos certeza do que a primeira vez.
Nada. A brisa passava atrás deles, movendo seus cabelos. Seus olhos expressavam confusão. A corrente de ar no centro da aldeira era mais forte, eles sentiram isso. E na terceira batida, notaram, ao movimento da porta, que não estava trancada, mas apenas entreaberta. Desconfiados, porém com ânsia de concluírem suas entregas e partir para o próximo estabelecimento, ambos abriram o portão e adentraram o chão de madeira incrivelmente liso com os frutos em mãos (e em caixotes) esperando encontrarem com algum funcionário, faxineiro ou cozinheiro. No caso, alguém para ajudá-los a entender a situação.
Nem uma viva alma.Eles estavam completamente sozinhos. Dá para ouvir o som do silêncio ao mesmo tempo que o som do ar. Logo, Keitaro se voluntariou a investigar, e, com toda calma e precaução do mundo, se dirigiu à bancada à alguns metros de sua esquerda, apoiando seu caixote de legumes e ordenando sua irmã a fazer o mesmo. Com sua concentração máxima, olhos fechados e ouvidos atentos, o jovem tira seus calçados e tenta sentir alguma presença além dos dois, seja por vibração, chakra, sons. Tudo valia nesse momento.
Um. Dois!Dois além deles.
Não... Três...Três além deles.
Não se sabe se por técnica ou mera concentração excessiva, Keitaro conseguiu ouvir batidas no andar de cima e um som de calçados arrastando em uma parte da madeira... que... não parecia... vir do... chão. Infelizmente, Keitaro já havia percebido qual era sua situação. Ele sabia que teria que ajudar os donos do local em algum momento, mas onde estariam eles? Sem hesitar ele tocou na bolsa de armas, que estava em seu quadril, sacando e elevando uma kunai genérica, caso precisasse ser manejada a qualquer momento.
"É, não tem ninguém aqui." - disse o irmão, tentando simular uma calma e exatidão, mesmo sabendo que não era um bom mentiroso.
Ao proferir essas palavras, Keitaro sobe seus olhar sem elevar sua cabeça, e percebe uma barra de calça que não deveria estar surgindo do teto amadeirado, e numa força de impulso, avança sobre sua irmã, empurrando ela pela porta recém-aberta por onde passaram. Logo enquanto eles atravessavam a porta, ouve-se um grito e um estrondo.
"PIRRALHOS!"- dizia o inquilino que acabara de despencar do teto enquanto observava a interação dos dois. O homem tinha uma aparência adulta, 30 anos talvez, uma bandana estranha vermelha e um chapéu que não combinava nem um pouco com ele. Além de estar mordendo uma palha, também usava uma calça de linho e calçados que não serviam para escalada em madeira, se é que algum calçado servia. Aliás ele também estava sem camisa... Um detalhe importante, já que Keitaro precisou manter sua compostura diante do homem bonito, embora aparentemente vilanesco.
Imediatamente Keitaro gira sua kunai em mãos e aponta em uma pose diagonal para o homem, que não parecia se abalar com a presença dos dois e os observava de cima, como se fossem vermes a serem esmagados.
"ONDE ESTÃO OS DONOS DAQUI?" - gritava o jovem para o adulto bruto e sem o mínimo de delicadeza.
"Aqueles velhos? Bem guardados." - retrucava o homem, agora sem olhar para os dois, mas olhando para o segundo andar do local, que aparentava ser usado para estoque.
Keitaro não aguentava mais aquela tensão. Ele não sabia lidar com lutas corpo a corpo, ainda mais contra um brutamontes daquele. Mas nesse momento... ele lembrou que sua irmã mais nova, Koe, apesar de ter uma aparência delicada, sempre dedicou seu tempo livre à arte da autodefesa corporal, sem o uso de armas, para se safar do que precisasse. Então, temerosamente, o garoto gira seu rosto levemente, ainda empunhando sua kunai, e grita o nome de Koe. Mas ela não responde e nenhum movimento é esboçado. Sua irmã não está mais lá. Ela não está protegida por ele. E se não está, onde ela estaria?
Girando novamente seu rosto, agora para a direção do grotesco homem, ele escuta um grito vindo de cima, da parede externa do segundo andar. Então, bruscamente, Keitaro levanta sua cabeça, mas, atrapalhado pelo sol, consegue apenas ver um borrão descendo dos céus. Era sua irmã. Ela havia se esgueirado e escalado as pilastras de madeira do estabelecimento e seus recuos para ganhar altitude contra um adversário tão grande e bruto.
"Como ele não percebeu isso? Como EU não percebi isso?" - pensava o irmão do meio. Então, com um movimento descendente e seu grito de alerta, o homem acaba olhando para cima, mas seu desdém e superioridade o fazem levantar o rosto tarde demais, mas ainda rápido o suficiente para Koe desferir um chute estrondoso nele.
O homem grita e se retrai. O bruto sem nome sentiu tamanha dor que ele se curvou para frente com suas mãos elevadas ao rosto, em uma forma de apaziguar a dor sentida. Keitaro vendo que ele estava imobilizado no momento, aproveitou sua falta de visão e desferiu seu próprio golpe. Sem tempo de guardar quaisquer armas em mãos, o jovem rodopiou seu corpo e sua perna em uma velocidade maior ainda que aquela realizada mais cedo. E com uma deslizada de pernas, alvejando nada mais que seus apoios bípedes, o inimigo girou no ar. E quando eu digo isso, imagine que ele encontrava-se quase paralelo ao horizonte. Logo depois atingindo o chão, e permanecendo lá. Ele estava inconsciente, o que deu uma abertura para os jovens descobrirem o paradeiro do casal dono do local. Keitaro e Koe pularam o corpo do homem enquanto ele agonizava, logo à frente do restaurante moderno, e adentraram a porta de madeira, correndo em direção à escada que levaria ao segundo andar, supostamente onde estariam os dois idosos que gerenciavam o estabelecimento.
O segundo andar, finalmente. Que jornada complicada estava sendo... Era uma viagem simples. Uma rota de ida, uma de volta. Simples. Mas claro que para os membros do clã Senju sempre haveria uma provação de lealdade à vila de Konoha...
"Foco." - dizia o jovem aspirante à ninja. Não havia tempo para pensamentos filosóficos e existenciais agora. -
"Koe, procure nos armários!" - concluía ele, já avançando em direção à alguns em sua visão.
"AQUI!" - euforicamente falava para seu irmão. -
"ESTAVAM AMARRADOS!"- concluiu.
Os dois desataram os idosos com a kunais afiada que estava na mão de Keitaro, e contaram quem eles eram. Eles retrucaram que estavam aguardando o dia da entrega ansiosamente, mas que a aldeia estava sendo invadida por ladrões constantemente. Essa frase despertou uma atenção como um choque descendo a espinha dos dois irmãos. Eles se olharam e, por um momento, esqueceram que haviam inconscientizado um homem, agora posto como ladrão.
"ONDE VÃO??? COMAM UMA REFEIÇÃO COMO AGRADECIMENTO!!!" - dizia a senhora adorável enquanto observava os dois jovens descendo as suas escadarias em pressa.
Mas ao chegar no portão, se depararam com a mesma situação do início.
Nada.O homem não estava mais lá, e tudo o que havia de provas naquela cena era uma marca de sangue, provavelmente proveninente de um dos golpes desferidos pelos jovens no brutamontes. Bem, o trabalho estava feito. A refeição de agradecimento foi devidamente agraciada, ou diria, devorada. Keitaro sempre adorou comer e um almoço grátis de qualidade não seria recusável de nenhuma forma. Eles se levantavam da mesa onde comeram sua comida premiada e se preparavam para levar sua carroça para suas outras destinações. Aparentemente nada havia sido roubado dos garotos, o que mostrava que a motivação do ladrão possivelmente não era sua fome ou de alguém próximo.
No fim, essa jornada havia sido mais profunda que o imaginado. Keitaro havia percebido que ele queria ajudar mais pessoas como o casal de donos do restaurante. Ele queria fazer a diferença, lutar por uma causa melhor. Deixar o mundo um pouco mais justo e bondoso para sua família e de outros. Afinal, o sangue dos Senju corria em sua veia, mas diferente de outros, ele não se sentia um herói como os grandes nomes de seu clã. Ele, sim, prezava a união entre pessoas, a união entre nações. E ele queria ajudar nesse processo. Ele queria construir esses laços.
"Koe... eu descobri." - disse Keitaro, desencadeando uma reação de confusão e curiosidade em sua irmã.
"Eu nos trarei honra." - disse enquanto olhava pra frente, franzindo sua face, determinado.
"Eu forjarei nossa madeira. Eu serei a costura entre mundos... Eu serei... Ki Nui." - concluiu.