IntroduÇÃO
"Não ser esperado é um dom comum de muitas pessoas, mas o que seria isso?"
Amaterasu nasceu um menino quando todos esperavam o contrário, sobreviveu a enfermidades e cresceu forte, perdido em si próprio, criou um mundo só dele, onde sua mãe não era uma cadela — como dizia seu pai — e ele um estorvo, um gasto que não conheceria nada a não ser o mais terrível dessa terra.
Perder tudo quando se não tem nada, foi assim que o menino cresceu, imaginando que não poderia piorar e que aquela dor não se comparava ao que sua mãe sentia. Aos 7 anos ele passou a intervir naquele horror e se tornou o principal alvo dos espancamentos.
Todos os dias seu pai descontava uma raiva inexplicável sobre ele, o homem ao bater derramava lágrimas, Amaterasu não entendia aquela dor, e no fundo sentia raiva, sentia algo crescer em si, mas não conseguia manifestar. As surras que sua mãe tomava se abrandaram ao longo dos anos. Quando completou 8 anos Amaterasu era o principal alvo dos ataques e no fundo não se importava, sorria, um sorriso de um monstro pronto a despertar ou de um anjo a beira do abismo, lançado nos desejos mais odiosos comum da raça humana.
"A dor não é nada... Eu posso suportar! Eu vou absorver toda essa dor e vou curar meu pai! Vou curar minha família!"
Aos 9 anos deixou a academia, as surras frequentes acabaram por tornar sua locomoção mais difícil. Sua boca quase sempre dolorida tinha dificuldade de manter a comida mais sólida e seus olhos fechados pelas feridas pouco via a não ser melancólicos feixes de luz, ainda assim sorria. Num dia antes do aniversário de sua mãe, seu pai veio novamente sobre ele, dessa vez sua mãe viu e interveio, o pai a espancou até a morte. Os gritos ainda ecoam na cabeça do menino, mas o silêncio, ah o silêncio! Que ao surgir deixa o mais dramático dos rastros, a dor da perda, da ausência do som, a certeza da morte, aquele longo e pacífico silêncio era mais terrível que a agonia dos gemidos de sofrimento.
Amaterasu pousou as mãos sobre a cabeça e lágrimas desceram dos seus olhos pela primeira vez. Puxou o próprio cabelo e sentiu o coro cabeludo sangrar.
"Qual o motivo disso? Por quê? Porquê ele fez isso!"
Com o olhar vazio, perdido e pronunciando palavras aleatórias, a situação era irreversível, ele deduziu, a morte é irreversível e mesmo assim humanos matam humanos. Seu pai veio em direção a ele, chorando.
— Ainda terei sua compreensão? Você pode me perdoar moleque de merda!
Amaterasu despareceu, sumiu e seu pai sumiu também, o menino retornou logo após, o pai não. Como ele fez isso e porquê, pouco importava, Amaterasu perdeu tudo, mesmo quando já não tinha (quase) nada.
Na tentativa de procurar algo que o agarrasse a vida o menino voltou para a academia e com 10 anos se formou. Ainda assim não encontrou algo que fosse seu, nem nada que o amasse nem um propósito para o qual viver, nem o propósito de viver.
"Por que não morrer?"
Sua pele cortada perguntava, enquanto o menino mais uma vez levantava, enfrentando todos os demônios para mais um dia — mais um dia.