54 DG - 69 DG: O Prólogo

As memórias de quando nasceram são inacessíveis para a maioria das pessoas, porém o que com certeza muitos lembram são as sensações. A primeira sensação, com certeza bem clara para Noa, foi o vento seco de Iwa no seu corpo mole de bebê. Sensação que este, claro, não lembraria, mas causou seu primeiro choro, extenso e muito alto. Uma expressão muito genuína.

Sua família era um tanto simples, fazendeiros acostumados com trabalho duro, mas que cobravam demais dos filhos. Noa, em seus poucos cinco anos, não era tão cobrado, e aproveitava demais disso. Era um espírito livre, arteiro e solto. Com pura exploração e curiosidade, aprendeu a ler e escrever bem cedo, além de várias outras habilidades físicas como escalar e nadar. Vendo como seu irmão mais velho, Takai, sempre se destacava na academia shinobi, tinha ele como exemplo reforçado pelos pais e sempre admirava e almejava entrar na academia ninja para se divertir aprendendo coisas novas.

Mas nem tudo é bom. Takai podia ser excelente, e Noa um menino bem esperto e dedicado, mas não eram a mesma pessoa para ser cobrada de mesma forma. Com o tempo passando, o menino fez oito anos e entrou na academia, e  acabou ganhando mais e mais responsabilidades e em pouco tempo descobriu o lado ruim de ser o irmão mais novo: a comparação. Era comparado em tudo que fazia com o irmão mais velho, o que acabava sufocando o menino com coisas que iam muito além da sua capacidade. Perdendo o gosto de aprender também ia diminuindo as notas, o que com a soma disso tudo acabava afetando sua autoestima. Por ser um extrovertido natural, acabou assumindo uma personalidade mais relaxada, até um pouco boba. Isso fez com que ficasse mais isolado, pois as pessoas gostavam do seu carisma, mas se afastavam por achar que era um tolo que não se esforçava.

Reprovando da primeira vez na academia aos treze anos veio o primeiro baque. A decepção causou nele uma sensação de incapacidade e inutilidade, o que, aumentado com a pressão dos pais, causou o empenho total do menino, além do limite das suas capacidades. Em meio ao desespero, fez a prova de admissão, desespero esse que causou a sua segunda falha. Seus pais já tinham dificuldade para mantê-lo na academia ninja, então teve que trabalhar por si mesmo para continuar estudando. O tempo sozinho no trabalho lhe deu um espaço para respirar fora das cobranças e limitações de casa, o que o fez perceber uma coisa. A vontade de ser um ninja viera dele, mas não se tratava de um sonho para ganhar dinheiro como os pais levavam, era algo mais pessoal. Daí, percebeu que sempre vira isso como obrigação, o método que era obrigado a viver. Mas a vida era de Noa, não de seus pais. Não deixava de amar eles, mas não considerava essa forma de pensamento um egoísmo, apenas algo necessário para sua felicidade. Tentando da terceira vez passou na academia ninja aos quinze anos, com seus próprios esforços. Continuava com seus vários problemas e falhas, principalmente sua personalidade boba e a baixa autoestima, mas estava pronto pra trilhar seu próprio caminho.

69 DG: O Primeiro Jutsu

Noa encontrava-se deitado em um campo aberto, um espaço grande ocupado somente pelo menino e alguns poucos animais perto da localidade. Era um de seus "esconderijos" favoritos, nos arredores de sua residência, um local calmo e vazio, que utilizava para explorar com seus amigos, ou, como era no caso agora, fugir da irritação constante dos pais.

Não era muito de ficar parado, principalmente levando em conta sua vida agitada em casa e agora como ninja, mas gostava de apreciar esses poucos momentos em que a vida parecia passar mais devagar. Com calma, pensava em tudo que passara até ali, as piadas desde sua primeira reprovação da academia, que sempre respondia com mais piadas sobre também, mesmo não achando engraçado. Somado com a pressão dos pais, era óbvio como sua autoestima caiu nesse nível, dando brecha para a insegurança. Depois seus pensamentos foram para sua formatura, quando fez questão de deixar claro para si e ao mundo sua motivação como shinobi. Isso o trazia memórias carinhosas até o momento atual. Por fim, pensou nas missões que já cumpriu, em como apesar de travar em meio a luta com outro ninja conseguiu se recuperar da insegurança, se mantendo em frente, e também como achou propósito para o aprendizado de novas técnicas com outra missão.

Pensando nisso, olhou para o lado, com determinação perceptível. Ali estava o pergaminho que ensinava o jutsu que tinha comprado.


[...]


Já de pé, sentia a brisa no rosto enquanto revisava em seus pensamentos os conceitos da técnica:

- Cuspir uma gota.... Isso seria como uma saliva explosiva?

Tendo um mínimo conhecimento sobre sua natureza do Suiton, o menino manteve seus olhos fechados enquanto se mantia em uma pose padrão para concentrar o chakra, apesar de não saber quanto seria necessário. Em certo momento, julgou que era o suficiente e abriu o olho, lançando o jutsu...

Para nada. Sua saliva voou um pouco pra frente, acertando o chão como um cuspe normal sem nenhuma explosão. A primeira reação de Noa foi um leve susto por não estar esperando, seguido por uma risada intensa pelo contexto de estar nervoso e o resultado da situação em si. Logo após se acalmar, voltou ao foco do objetivo de aprendizagem, e continuou ali, tentando várias, várias e várias vezes realizar o jutsu, todas com o mesmo resultado. Cansado e desidratado de tanto cuspir, o menino sentou no chão e começou a pensar no que poderia estar fazendo de errado. Não demorou muito para a insegurança o atacar de novo, mas estava determinado demais para deixar isso o abalar no momento. Pensou em se hidratar um pouco para em seguida continuar a prática, então, em um movimento rápido, se levantou, indo para mais perto da fazenda dos pais, em um pequeno rio de onde tiravam a água para a plantação.


[...]


Bebendo água e aproveitando para lavar seu rosto no rio, o garoto já se sentia um pouco melhor. Antes de voltar para o treinamento, aproveitou para ficar descalço sentindo a água correr, e foi em poucos minutos sentindo a corrente de água no pé que percebeu: Nesse tempo todo, talvez por causa de sua própria piada, pensara no jutsu como um cuspe explosivo. Porém, não se tratava de nada mais do que uma liberação de água, ou seja, deveria ser pensado como pura água saindo do corpo. Entendendo isso, já estava de pé, ali perto do rio mesmo, pronto para uma nova tentativa.

Primeiramente veio o choque. Não imaginava que o efeito do jutsu seria tão perto dele. Pela sua agilidade aguçada, percebeu que poderia se machucar, mas o máximo que conseguiu fazer para impedir foi jogar os braços na frente. Felizmente, a explosão não foi tão forte, apenas o fez cair para trás de susto. Então, entendeu o que aconteceu, tinha liberado chakra demais. Com mais algumas tentativas, dominou a quantidade correta, mas uma coisa ainda estava errada: O jutsu ainda caía perto demais dele, o que não teria tanto efeito em batalha. Leu novamente o pergaminho, levando algum tempo para finalmente compreender:

"Uma técnica em que o usuário cospe uma única gotícula de água em forma de senbon com alta velocidade..."

"...água em forma de SENBON com alta velocidade..."

Era isso! Apesar de seus avanços na utilização da técnica, não havia se aproveitado da especificação do formato que a gotícula se aproveita, uma forma de senbon, que teria muito mais aerodinâmica.


[...]


Treinou por mais algumas horas, até que anoiteceu, e, sob a luz do luar, conseguiu realizar a técnica efetivamente algumas vezes. Finalmente, parou pra descansar, se jogando no rio para tomar um banho de uma vez. Pouco tempo depois, começou a se preparar para voltar para casa, pensando no que seus pais diriam se o vissem realizando esse jutsu. Provavelmente diminuiriam todo seu esforço tratando como uma técnica idiota, propondo o plano deles para desenvolvimento como melhor, sendo que nem ninjas são.